ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

TRANSA

 

Assionara Souza  

                                                                        "Água com areia brincam na beira do mar
                        
                                            a água passa e a areia fica no lugar."  

Caetano Veloso

 

Hoje acordei cantando uma antiga canção dos Beatles. Mas eu sei, o caminho é muito longo. E você me chega com um diamante ofuscando os meus olhos e distorcendo minhas escolhas. Não tenho escolhas. Recolho o diamante em minhas mãos, olho pra você e sorrio com o canto da boca. A verdade do corpo é tão forte que não há como esconder. É bom ir pra rua com você. E olhar com violência as coisas todas. Os olhos não sentirão dor quando a luz bater. Pois o diamante fortalecerá o olhar com sua intensidade. Como foi que tudo aconteceu? Aconteceu alguma coisa? Não entendo como não pude perceber. As palavras soando em outro sentido. No meio de outras palavras sem sentido. Sempre procuro ficar atenta. O tempo arrasta a gente rápido. E quando se vê, muitos desejos escapam. Eu vou pôr uma palavra na sua boca. E ela vai calar ao meio. Os dias difíceis darão uma trégua. Então, um brilho. Nenhuma lágrima. Você entende esse meu riso inusitado? É uma alegria sutil que surge enquanto olhamos o diamante. Essa é a real. Coisas que põem o coração a disparar. E cortam a frase no meio para aproximar o corpo. O moinho nos levando em queda livre. Vou sair de casa sem aviso. Pra encontrar você numa rua qualquer. No centro da cidade. O seu pára-quedas vermelho. E um magnífico "sim". No final do dia, poderemos até dizer: Hey, brothers! Colhendo as flores que caem das palavras. Faça isso pra mim, meu bem! Faço o que você quiser. Vamos ser românticos e verdadeiros pelo menos até o final da tarde. Ainda que nunca mais nos vejamos. Você gentilmente vem. Existe em mim um amor que chora. E estende sua mão. Me oferece o diamante. Não posso recusar. É uma outra faixa. É uma outra freqüência essa nossa. Se eu notasse antes. Teria amado? A água e a areia. A água percorrendo em dança os caminhos todos. Poderia não haver essa dor. Lascas de luz nos olhos. Minha voz misturando-se em água e areia. Pode ser que estejamos delirando. Faz de conta que tudo está acontecendo. I hear my voice among others. Uma força que vem de dentro. Abertura de eternidade quando os olhos se encontram. Se alguém desligar o carrossel de uma hora pra outra, ainda ouviremos a música. E a luz gravada na retina vai projetar a reprise do nosso filme. É um caminho longo esse. A água e a areia. Se não tivesse o amor. Um amor tão intenso como aquele. Uma lagoa escura. A areia branca em volta. Se não tivesse essa dor. Às vezes magoamos as pessoas sem querer. A água tem um gosto. Enche nossa boca. Gosto muito. Gosto muito de tudo. Gosto muito de tudo com você.  She said that living with me, is bringing her down. Eu só quero esquecer. Ela não se importa. Quero esquecer com você. O corpo entende que o caminho é longo. Não é possível guardar tanta saudade. É preciso deixar ir. O caminho é longo. A água desliza na areia formando um contorno. Uma forma. O caminho é muito longo. Mas nós chegaremos lá. Você me faz querer chegar lá. Na beira do mar tem espuma. E a areia brinca. Existe uma dor dentro de mim. O caminho é longo. A espuma some com o vento. E depois nossas palavras quedarão nos olhos quietos. O branco da areia em volta da lagoa escura. Ouço minha voz entre as demais. Dizendo seu nome quase em sussurro. Consegue distinguir? O caminho é longo. Longo. Longo. As curvas que a água percorre. Se soubesse antes. Teria amado? O caminho é tão longo. Certamente o amor não acabou ainda. Pode ser que esteja mais forte. E é preciso converter dor em desejo. A lagoa escura. A espuma. Á areia. A água. Quando a luz do dia cair o diamante será nossa salvação.

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Assionara Souza nasceu em Caicó, em 1969. Reside em Curitiba, onde leciona Literatura Brasileira e Produção Textual. É mestre em Estudos Literários pela UFPR, com pesquisa na
obra de Osman Lins.  Em 2005, publicou o livro de contos "Cecília não é um cachimbo" (7Letras, RJ). Comenta leituras no blog http://cecinest.blogspot.com/.

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