ZUNÁI - Revista de poesia & debates

CANTIGAS PARA GALOPADA
(fragmento)

 

Bruno Piffardini

 

III

 

           

Galopei para dentro da noite. Galopei para dentro das colinas e das nuvens negras que de tão baixas roçavam as abas de meu chapéu, sem estrelas que a ele pudessem se prender.

 

Com toda velocidade galopei, para me sentir envolto pela música do temporal e dos cascos. O ritmo do galope ditava os trovões que preenchiam as colinas, e eu somente queria me esvaziar a cada estrondo.

 

Corria com as asas da tempestade. Pai-Abutre cujos relâmpagos se abrigam sob as penas das asas, seja seu bico a minha seta, seja seu vento minha estrada. Pai-Abutre, dê a meus olhos o poder de penetrar nuvem e rocha, dê à minha vontade raízes profundas de montanha sobre as minas.

 

Minha estrada sombria e encharcada me conduzia cada vez mais alto sobre o lombo dos montes e colinas; a água que me empapava as roupas e o pelo do cavalo virava um baile de lama sob os cascos, e me tornava um só com aquele animal de pedra e terra e relva, gemendo sua alegria tempestuosa. A natureza negra em alegria de chuva e relâmpagos, mostrando sua beleza selvagem apenas a meus olhos e eu em retribuição filial mostro a minha beleza de animal cantando em uníssono o canto de luxúria e guerra da terra sem que uma brisa escapasse de minha garganta. Pai-Abutre, me conceda a voz do silêncio da tempestade.

 

Sigo em escalada. Os raios ladeiam meu percurso e se curvam ao meu redor, inclinando cabeças em reconhecimento ao meu coração de fogo. Pai-Abutre, trespasse com firmeza meu peito com suas garras elétricas, e me eleve para o fundo negro do nirvana do furacão.

*

 

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