A ARTE É A MAIS PUTA DAS MULHERES
Célia Musilli
A arte é a mais puta das mulheres. Se dá nas praças e nos teatros, se dá nos circos, se dá como um alvo para o atirador de facas. A arte é uma bailarina descalça, sem pudor de exibir a intimidade, os vãos dos dedos, as longas pernas que nos fazem saltar de continente em continente.
A arte usa as máscaras da dramaturgia, finge sentimentos, expõe emoções, retira as vísceras da platéia.
A mim interessa o corpo e a alma da arte, não sua moral. A mim interessa sua beleza, seus olhos de Madame Butterfly, a feminilidade da sua Casa de Bonecas, os figurinos de black-tie, seus strip-teases. Me interessa, sobretudo, sua velocidade, mesmo quando leva nossos desejos num bonde e trafega na Broadway e no Piccadilly Circus, na Opéra Bastille e na Praça Roosevelt, na Avenida Corrientes e nas ruas sujas de Havana.
A arte é a maravilha que nos leva a uma viagem intimista, quando as luzes se apagam e a vida ganha contornos de irrealidade, enquanto sonhamos os sonhos de Fellini. A arte são páginas da literatura com direito ao avesso da história, porque a arte é nossa memória.
A arte é a sutileza das gravuras da China, o esplendor de Matisse, a convulsão de Dalí. É a tristeza de Billie Hollyday e o arrebatamento lírico de Jessie Norman. Plumas e pássaros na garganta.
A arte me abstrai e encanta, em linguagens que me deixam em transe como a pitonisa que vê o futuro nas ruínas gregas. Cassandra ensandecida em Tróia, antevendo o trágico, saltimbanco nas festas de Roma, revivendo o mágico, bacante que se apaixonou por Dionísio.
Paisagem vasta, a arte, a arte me arrasta, como a mais puta das mulheres dançando nos cabarés, misturando as línguas, oferecendo amor a qualquer preço, fazendo sexo para recriar o mundo. |