ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

DOIS CONTOS


- Ilustração: Josemí -


Felipe Modenese

 

FÊMEA

 

Tuffff, o estampido abafado do embrulho plastificado de sêmen De volta ao leito, o vigor estalado com os apertos sôfregos dá lugar ao desmanche, esfacelamento, à carícia asquerosa Afago caridoso O pau flácido baba na perna o encurtamento do canal de vida e mijo A buceta esmorece em caldo Lambuza as peles tremulas e acaloradas e lubrifica o apego instrumental Ofegante desconcerto da penetração insuficiente lateja nos lábios rosáceos, amortecendo o desejo carnal enrubescido pelo corpo másculo sendo esfregado pela ríspida toalha raspante O seio hirsuto roça a pelagem do peito Úmidos e quentes, apertam a curva contra a pele e arfa a volúpia em cadencia incandescente Púbeos pêlos pretos acomodam o volumoso membro rijo e convidam, exigem a dominação Tempestuosa expremeção suculenta intumesce a recém manhã usurpa da Desvencilha-se girando o corpo hormonal Os cinco dedos recolhem , um por vez, o cabelo em coque Exibe a penugem da nuca. Fêmea. Rarefaz-se ao longo da cadeia de vértebras O roxo das unhas espalmado na parede O lombo recurva magistral e o movimento da anca empina em pernas abertas

 

 

 

TALVEZ: AMNÉSIA E DANE-SE

 

Dentre os labirintos, os internos não levam a lugar nenhum e os externos ... bem, não existem os invioláveis. Acima da vergonha e culpa sufocantes.

Chega de labirintos. Refutá-los, negá-los, mesmo que isto inclua negar uma parte de si... Talvez uma parte desprezível de fato.

Em busca de uma essência simples e serena, tão rica em vivência. Deixemos os labirintos. Refutemo-los sob uma caminhada pura e desinteressada por uma praça qualquer, de uma cidade qualquer. Danem-se os labirintos, assim como os motivos que se impuseram à necessidade e vontade de escrever isto aqui às 4 e meia da manhã de um sábado, 04-02-2006. São buscados por um tempo, mas se foram ... como que vaporizados nas tubulações labirínticas da memória, apagadas, como inscrições na areia da mente, pelo mar trazido pela luz da lâmpada sobre a latrina.

Como um sinal de farol bem distante. Se aparecer novamente, sendo o seu período adequado (ou o meu) , podem corrigir a rota (mas agora ficou tarde ...), mas não vai mostrar a trajetória pois sempre se está em um novo lugar. Ainda pode-se interpretar o possível próximo sinal com sendo proveniente de outra ilha e recorrigir a direção rumo a um novo facho de luz, uma espada de  luz.

Talvez, estejamos mesmo num labirinto de faróis, sincronizados para "corrigir a rota", mas nunca acertamos. Sempre estar a corrigir. Quando o mais importante mesmo, e belo, parece ser o simples navegar, içar velas, essas orelhas da nossa embarcação, e aproveitar a sedosa voz do vento que desembrulha a surpresa seguinte em suspiros de tesão de viver.

Danem-se os faróis e seus períodos, estocasticamente labirínticos. Deixemos que eles nos enganem sob as intempéries do tempo, pois o melhor mesmo, o bom mesmo da estória, seja, talvez, o inteiro navegar e deixar a polpa dos dedos raspar na superfície existente da água. Tocar. Seja o frescor que tinge as narinas. Seja, vai lá saber, o próprio mudar de direção e trabalhar para isso como marinheiro dedicado e disciplinado (e amnésico, se possível).

Tão bons quanto os tiques dos relógios na arte de despistar e desorientar, esses lampejos são belos, mas, talvez, não passem de sobras na amnésia clara da existência... Deseja-se mesmo, agora, só aprender a navegar. O que toma um bom tempo, talvez, tome-o todo.

Chega, agora, de escrever, pois já se passam das 5 e 10 e precisa-se voltar a dormir, mesmo porque não vou lembrar o motivo da discussão. Ao menos foi interessante perceber que se dane saber para qual ilha estou indo. O que é tesão mesmo é o puro navegar.

PS: gosto da palavra "talvez"! Não sei exatamente o porquê, mas, talvez, por ser a justaposição

 

*

Josemí (José Miguel Goyena Sábado) nasceu em 1947 em Tafalla (Navarra, Espanha). Estudou Sociologia na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Morou em Paris, Marselha, Tenerife e Palma de Mallorca. Atualmente, trabalha como ilustrador para editoras e revistas.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2008 ]