ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ALGUMAS COISAS QUE OS LEITORES DEVEM SABER


Giovanna Dealtry

 

E porque não havia mais nada para ser dito, ela o matou. Não por ódio ou tédio. Não era mesquinha para tanto. As frases desapareciam no ar. Era tempo. Por uma esperança banal de ouvir novamente a voz, ela cozinhou para ele. – Bom – ele disse. E comeu a carne, o arroz e a salada. Depois, com um gesto, pediu mais. Ela, quase bondosa, fez outro prato, farto como o primeiro.

Ele a viu primeiro. Na plataforma de embarque, ele a olhava sem registrar enquanto ela pousava a valise no chão. Em seguida, um vendedor de refrigerantes o distraiu. No futuro, não haveria lembranças para eles.

Na fila do açougue, ela percebeu. Aquilo seria para sempre. O cheiro da carne crua e gelada. De olhos fechados, o cheiro atravessava o papel cinza e molhava suas mãos. Defrost. Logo ela, vegetariana desde a adolescência.

Era apenas superfície. Amavam-se em superfície. E sou eu agora que digo: nada foi mais verdadeiro. Quando, de noite ela tornar a sentir saudades dele, nenhum nome lhe virá a cabeça. Só o calor dos vivos. O calor do dorso das mãos dos vivos será a única recordação que a fará dormir.

Depois, esgotaram-se. Então era isso. Além dele, mais nada. Ele era o limite. O corpo sem fim que a cobria em criança. A língua do mundo. Ela parada em frente ao mar. Sem ter a quem ofertar suas perguntas. Ele transbordava.

- Você já vai? - Ela perguntou vendo-o arrumar as malas.
- Já. Já passou da hora.
A velha história.
E pensávamos que podíamos escapar

Houve neste momento um esboço de cumplicidade detonado pelo meio sorriso de ironia. Olharam-se como a pensar: será? Será que a quase-piada, o ensaio de leveza... Mas “como a pensar” não significa necessariamente pensar. Olharam-se mas não se pensaram. Quietos, ignoraram a ironia salvadora.

— Não, não podemos escapar. Não somos diferentes dos outros. Somos os mesmos.

E porque não havia diferença entre morrer e ir embora, ela o matou. E ele, tácito, ainda teve tempo de pensar:

- Ela realmente não me entende.

*

 

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