CONFEITARIA
- Ilustração de Sônia Alves
Dias -
Greta Benitez
Uma voz celeste murmura: Sabe... existe um bar secreto
embaixo da Confeitaria das Famílias. E os demônios
são bem aceitos por lá.
Madrugada, escada de fumaça se abria para o subterrâneo.
As pequenas bonecas espanholas que durante o horário
comercial servem de adorno levavam os principiantes pela mão.
Gentis as recepcionistas. Delicadas também, apesar
de apreciarem palavras de baixo calão entre outras
excentricidades.
Quando Dani chegou lá, foi fácil sentir a diferença.
Ela, que era até bonitinha, mas dona de um talento
incomum para repelir os homens, lá sentia-se a mais
sexy pin-up. Entre o cigarro exótico, a bebida inusitada
e as luzinhas pisca-piscas baratas de Natal que definiam a
decoração, pensava como andava cansada demais
de não ter namorado, de não merecer um olhar.
De simplesmente não existir no território de
Eros. Ali, não. Bastava insinuar um olhar para ter
certeza de que poderia ganhar o homem. E não
era preciso nenhum esforço maior. O homem
a tirava para dançar a sinistra chanson française,
o homem a beijava, o homem falava
com ela. Coisa inédita no andar de cima.
Lá, Dani era desejada. Ela e a velhinha. A velhinha
dizia: É bom aqui. Eu lembro do baile que eu
ia quando era jovem. Eu era bonita. Minha mãe fez para
mim um vestido longo com aranhas bordadas. Ninguém
tinha nada igual. Todos os moços me tiravam para dançar.
Eu podia escolher. Aqui é igual. Você pode escolher
quem quiser.
Então Dani escolheu. O mais rubro, o mais cintilante,
o mais belo, o mais elegante demônio: Bernardo.
Dançaram.
Bernardo, como era dotado de uma sensibilidade incomum, logo
percebeu e disse:
-Você não está feliz, não é
mesmo? Isso não me parece certo. Aqui nós mudamos
a linha do amor das mãos das moças a ferro quente.
Você quer?
É claro que ela queria.
Bernardo olhou para o demônio menor e ordenou:
-Vá lá pegar o veludo
devoré. Para ela
tem que ser o vermelho.
Começaram o ritual. Sobre o veludo, as ínfimas
mãos, unhas pintadas com glitter. Esmalte da Angélica.
Mãos quase infantis, e não seriam? As mãos
de Bernardo eram ásperas, e através de uma dor
orgástica, as linhas foram devidamente transformadas.
-Pronto. A partir de agora tudo vai dar certo, mocinha.
Já pela manhã, Dani chegou em casa com novos
labirintos. Era preciso se apressar. Em menos de uma hora
teria que chegar ao trabalho, na Biblioteca Pública.
Será que finalmente o Rafael olharia para ela? E ainda
antes de sair, era urgente que trocasse a cor das unhas.
*
Greta Benitez
nasceu em Curitiba (PR) em 1971. Publicou os livros de poesia
Rosas Embutidas e Café expresso.
Participou de várias antologias, entre elas Todo começo é
involuntário (2008). Pós-graduada em Marketing,
trabalha como redatora publicitária.
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Leia outro
conto de Greta Benitez.
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Sônia Alves Dias,
nasceu em São Paulo (1972) . Estudou Artes Plásticas na Escola
Panamericana de Artes. Participou em 1998 do grupo Vinte e
Sete + Um em NY e da coletânea Eis Poesia na
cidade do Porto (Portugal) com o conto "Safra Amarga".
Atualmente, é escritora anônima de cartas alheias e cuida de
um pé de trevo com várias folhas. |