FESTAS DE OUTONO
Greta Benitez
Meu nome é Outono.
Sofro de agorafobia desde os quinze anos. Uma severa agorafobia.
Queria ser atriz, mas no meu primeiro teste tive o ataque. Meu pai então me proibiu de tentar qualquer coisa mais. E declarou: “Filha minha não sofre!”
A partir daí, comecei a ficar em casa, porque quando tentava sair, desmaiava. A última vez foi no canteiro de hortências da mamãe, no nosso grande jardim, onde ela mesma caiu morta quando eu tinha dez anos.
Sempre fomos ricos. Problemas com dinheiro nunca conheci. Meu pai nunca deixou claro o que fazia, e nem eu tinha interesse algum, a bem da verdade. E sempre esteve tudo bem. Tudo normal.
O meu espaço foi ficando, rapidamente, cada vez mais restrito. Só dentro de casa, só dentro do quarto, finalmente, só na cama. Os empregados traziam todo o aparato que eu precisava para minha higiene.
Recebia visitas das amigas no quarto. Mesmo assim me sentia sozinha. “Filha minha não sofre!” meu pai falou pela segunda vez. E começou a chamar jovens da alta sociedade para pequenas reuniões no meu quarto. Todo mundo queria frequentar a nossa casa, afinal éramos muito ricos e meu pai tinha muita influência. Caía bem ser amigo da nossa família.
Eu era mocinha e estava na fase de socializar. E muito animada, sempre muito bem vestida.
Em pouco tempo, as pequenas reuniões se transformaram em festas concorridíssimas, as Festas de Outono. Eu usava vestidos inacreditáveis, saltos altíssimos e dançava muito em cima da cama.
Poucos escolhidos iam dançar comigo, porque obviamente o espaço da cama era um pouco restrito. Mas era o lugar mais concorrido da cidade. Então, compraram para mim uma cama enorme.
Ninguém mais queria ficar fora da cama, as festas aconteciam apenas em cima dela. Cheguei a receber 20 pessoas lá! Os empregados levavam vinho e uísque, além de comidas de todos os tipos. Nessa altura, eu já estava com vinte e cinco anos.
Foi aí que conheci meu marido. Ele não era rico, mas a família era tradicional. No começo ele era compreensivo com a minha necessidade de amizades, mas depois começou a ficar rígido. Em uma das festas começaram a provocá-lo, porque ele tinha um pequeno defeito, um dedo a mais na mão esquerda. A partir daí ele se ofendeu irreversivelmente e acabou com as alegrias. Porém, percebendo a minha solidão, deixou de trabalhar no escritório de arquitetura e resolveu ficar apenas na cama junto comigo.
Não era uma vida ideal, mas todos nós temos nossas limitações, não é mesmo?
Mas houve uma manhã que as coisas começaram a me deixar muito tensa. Ele começou a trocar as sílabas das palavras, depois palavras inteiras. Uma vez ele quis dizer “ um piano de cauda” e ao invés disse “uma montanha de cauda”. Outra, queria dizer “morango” e disse “oito”. A comunicação começou a ficar ruim, mas meu pai falou que era impressão. Que tudo estava normal.
Ele emagreceu muito e começou a ter feridas pelo corpo. Dizia que a comida estava contaminada. Dizia sentir um cheiro estranho pelo quarto.
Certa tarde tentou sair, mas já estava tão acostumado com a situação, que não conseguiu. Desmaiou ao sentir o dia, era muito estímulo. Nosso jardim é muito exuberante, com cores, animais, perfumes fortes. Sol. Foi demais para ele.
Voltou para a cama e piorou muito depois disso. O dedo anular da mão esquerda começou a ficar azul, depois verde, até que caiu. Começou a não me reconhecer, mesmo a me agredir. Surgiram as alucinações. Ele via uma multidão de pessoas nuas na nossa cama. Ele queria insistir que eu estava lá, com elas, mas nunca nada disso aconteceu.
Meu pai continuou dizendo que estava tudo bem. Tudo normal. Que na vida de marido e mulher sempre existem alguns detalhes que atrapalham a convivência do casal, que era preciso apenas um pouco de paciência para superá-los.
Isso durou mais ou menos uns cinco anos. Quando ele morreu, estava tão magro que nem parecia mais ter ossos. Sofria de sangramentos generalizados. Na véspera da morte dele, meu pai falou mais uma vez: “Ele está bem, vocês mulheres como fazem escândalo por nada. Está tudo bem, tudo normal.”
Três anos depois, aconteceu a morte de meu pai, vítima de assassinato. Eu percebi que uns dias antes ele andava nervoso com alguns telefonemas, mas ele insistia que estava tudo bem. Na mais perfeita ordem.
A partir daí aprendi a ficar feliz sozinha, esperando tempestades, ronronando, escrevendo cartas para amigos que não existem, cantando pela manhã, interpretando personagens para o espelho, fumando, lendo e bebendo.
Agora, estou com 69 anos. Continuo na cama. Continuo tendo os empregados.
Agora sim. Finalmente tudo está bem.
Tudo normal.
Na mais perfeita ordem. |