ZUNÁI - Revista de poesia & debates

MINHA CAMA COM BENTO RIBEIRO

 

Hugo Guimarães

 

Eu me mumifico embaixo do cobertor e minha gata de cinco quilos descansa sobre o meu pescoço. Ela é um cachecol vivo. Eu finjo que são os braços de Bento Ribeiro. Eu sei que não são, assim como minha gata pesa três quilos e meio e essa porcentagem de peso a mais que me referi é a porcentagem do meu corpo que necessita o Bento. Ele me enforca. Não é exatamente o mesmo, mas é uma sensação. Ela anda sobre mim. E seus pés viram os braços dele como um asterisco vira uma tarântula. Eu sinto seus braços. Ele veleja sobre mim.

 

Quando eu deito aqui com o Bento nessa cama, não há Aspirina pouca que não funcione. Não há falta de Depakote que machuque. Não há variedade de Tamiflu que me assuste. Minha cabeça facilmente viaja enquanto várias coisas são azuis: Meu cobertor, a TV no escuro e os olhos da minha gata. Todo o azul está no olho azul dele onde todo esse quarto repousa e veleja dentro de uma meia lua azul.

 

Eu esfrego meus joelhos na cama. E eu movo como eu nado. Ele nem mesmo está nas minhas costas e eu o vejo pulando da TV imaginando como seria levar uma gozada de um homem daquele. Eu já engoli, eu já tenho o gosto de leite na minha mente, é crônico. E eu nado, nado... Ele só diz “Deixe o seu passado de orgias”. Ele não diz coisas como “Chegue mais perto do meu coração para saber o quanto sinto sua falta”. Ele nem mesmo canta coisas como “If you knew how much I need you, wouldn´t stay away”. Pixies em “la la love you”. Ele é perfeito porque ele fica com a droga da boca fechada e é assim que um homem de verdade deve ser: quieto. Quieto como a porra. A porra do silêncio das dez da noite.

 

Quanto mais poeira queima meu nariz torto dentro desse quarto, mais o mau parece estar do lado de fora, mãe. A porta do meu quarto com um pedaço quebrado porque eu não consegui ouvir meu pai quando ele me chamou. Havia música dos Pixies ecoando por todo o quarto quando ele quebrou a porta. Agora estamos em silêncio: eu, minha gata e o Bento Ribeiro. Estamos rodeados pela nuvem nociva de poeira que meu olho não pode ver, não tolera, não consegue mais: Meu pai e minha mãe.

 

“Pronto, mestre” como um cão obediente. Os trabalhos do meu intestino grosso obedecem ao seu trabalho. Não há merda nessa cama, nesse ensolarado novo dia, nesse fresco dia. Eu lavei meu cu e você me falou sobre a arte de lamber cu, Bento. Falou sobre a arte da pele lisa. Então eu fui até o lugar onde fazem isso. Fui depilar a coisa toda. Não há muitos lugares para depilar homens nessa bosta de cidade. Quase não há lugar para ficar bem liso nesse maldito país de três raças tristes. Poucos lugares para homens macios aqui nessa distância de Copenhagen. Nessa merda.

 

Sabe, eu nunca soube quais são as três raças tristes desse país... Eu pensei que era tudo uma tristeza só. Pensei que todos eram tristes. E no estúdio de depilação havia uma mulher escura horrenda. Grotesca como a forma que ela puxava a cera, mas lá eu estava finalmente, liso para o homem. Eu disse “Tenho um presente” e ele não estragaria tudo indo tão rápido assustando os trabalhos do meu intestino grosso. Ele tomou toda a sua cerveja preta no carro comigo. Um longo e longo beijo e eu estava com muita e muita dor de cabeça.

 

Muito idêntico sexo anal depois, eu disse á mim mesmo que não me importo com o futuro. Eu sou um animal. Eu sou um vendedor de sorvete. Eu sou um fã do Leonard Cohen (Ó, Meu Deus!). Quando meu vinil pulava enquanto ele cantava “Suzanne”, ele falava sobre Jesus. E Jesus era um vendedor. E eu era um vendedor de sorvete, eu era um vendedor de vinil, eu era um vendedor de coisas inúteis e sem valor, fadado á pobreza e á voltar para o meu marido rico. Bento, você é um animal também. E essa animalesca pobreza poderia ser amor, amor! Mas vim á saber que Jesus não era um vendedor, Jesus era um velejador em “Suzanne” quando o apático MP3 chegou em nossas vidas.

 

Então não éramos mais nada, sem nenhuma magia: eu era um velejador de sorvete, velejando sobre o seu tórax e sua barriga com todo o creme branco e doce. Velejando com a minha boca. Velejando sobre a sua saliva e suas ejaculações sucessivas, suas numerosas forçadas ejaculações. Essa barriga ficará seca. Esse oceano secará. Minha visão será melada e eu virarei um trator. Vou mastigar o seu mais seco dos paus. Eu vou ser um velejador de vinil... Na verdade não serei, isso é coisa para delinqüente.

 

Velejada. Não haverá velejada. Não se sou um pássaro preto trazendo comida para a sua boca rosa. Haverá vendas. Vendas porque a baía é podre para velejar. É vergonha. Cadáveres boiando e é porque a água é verde. Não há ar fresco. Não há liberdade. Não há homem salgado sem calça molhada. Fome.

 

A água vai podre para a baía e volta limpa para o escritório. O escritório onde eu vendo coisas para o meu aluguel e tudo mais. A água volta limpa para as fossas dos banheiros. Há paredes por todo lado. E há um homem em roupas formais. Ele se divide com um cinto porque ele é dois, contudo. Um livre e outro vendedor. Uma divisão clássica das cabeças de um homem e elas estão em lados diferentes do cinto. Esse homem tem o cabelo úmido quase o tempo todo. Eu nem mesmo sei se ele é feminino ou não. Ele coloca seu pau longo para fora e sussurra me pedindo para chupá-lo. Quatro glubs glubs, ele já goza e seu esperma pela minha garganta abaixo é uma onda, uma onda salgada. Não consegui ouvir a voz dele e ele não pode nadar. “Obrigado por nada” é o que o seu dedão e sua boca esticada de desaprovação me dizem. E eu digo “Volte ao trabalho” com a minha piscada e o meu sorriso falso.

 

Tudo em seu devido lugar assim como eu posso imaginar a foda dupla: O diretor e o faxineiro me fodendo. O diretor fode minha boca e o faxineiro fode meu cu. Por quê? O cu é sujo e a boca pode dizer coisas, tem voz. O diretor goza no chão e eu cago na camisinha do faxineiro. E ele tem que limpar tudo. Mas não há diferença, não há privilégio nesse selvagem lugar chamado escritório, tudo aqui é justo: o diretor e o faxineiro tinham paus do mesmo tamanho.

 

Eu volto para casa ao pôr-do-sol e nenhum pau é mais gostoso que o do Bento Ribeiro. Nessa casa. Nessa cama. Então eu fui comprar coisas para ela.   

 

Mais uma queda da noite e mais treino para engolir esperma. Mestre ao fundo. De novo o espancamento seguido pelo derramamento na goela abaixo. Outro dia, foi o teste de sangue: De novo a ação bareback, mas era o casamento da tal ação. Tão mal abençoada como casamentos religiosos: houve foda antes. Houve outro bareback antes. Viemos do doutor para casa como um trem-bala. Uma foda de estaca, de trem-bala. Um susto fácil, um susto leve, um sentimento leve.

 

A noite cai de novo e eu é que tenho mais uma nova velha escoriação. Seus socos quando seu pau está dentro de mim e você me vê gozando assim, enquanto você me acerta e me acerta. Um sentimento amortecido. Um sentimento velho.

 

Sabe, quando Elvis Presley parou de dançar balançando a pélvis daquele jeito, eu acho que nenhum homem conseguiu ser tão interessante. Os sabores são muito iguais. Eu temo que todos os homens hoje tenham o gosto do Brandon Flowers. Eles são Lego. E eu sou cego.

 

Na verdade eu não consigo olhar para a face deles. Eu não consigo olhar para os olhos e não se olha a face se não olhar os olhos. Mesmo quando eu vejo o Brandon na TV e seus olhos penetram a câmera e eu penso “Que homem quente...”, eu não consigo olhar para os cópias dele que andam pelas ruas. Eu não consigo olhar aqueles misteriosos homens que atravessam a rua por debaixo das pontes com a metade do sol em suas faces. Eu não consigo olhar para os olhos de um homem muito belo, porque eles se quebram como um espelho se quebraria com feiúra. Eu evito tal constrangimento. É a distância de Elvis: Os homens não conseguem se olhar nos olhos.

 

Então eu decidi pirar nos últimos dias, Bento. Eu entrei pelas portas da MTV tão amistosamente com a minha arma. Eu subi tão docemente pelas escadas. Eu usava botas. E eu invadi o show do Bento Ribeiro. Eu mostrei minha arma. Eu não disse nada, mas disse á garota do show: “Agora eu vou fazer o que você tem medo, sua frouxa!”. Deitei Bento no chão com a ponta da minha arma e disse “Chupa meu saco suado, seu putinho!”. Esfreguei meu saco na cara dele como nunca. Eu não o beijei, eu procurei seus dentes do fundo com a minha língua e o segurei pela mandíbula. Encontrei tais dentes e os lambi e lambi. Rasguei sua camisa e seu terno de morto e lambi seus peitos como nunca fiz. Chupei e mastiguei os mamilos como nunca. Eu tinha raiva. E eu olhei bem dentro dos olhos dele, com muita raiva. Tirei suas calças e eu nunca fui tão desavergonhado e agressivo com um pau na boca, olhando bem dentro dos olhos dele. Todos nós sabemos como chupar um pau como uma puta bem vulgar, mas temos vergonha de demonstrar tal talento. Eu não tive nenhuma, cheguei ao seu reto e ao seu ânus e ele não queria abrir as pernas. Minha língua insistia e insistia, como um inseto transportando dezenas de vezes o próprio peso. Eu me despi e meus intestinos não tinham obrigação nenhuma. Eu sentei nele e eu não murchei minha barriga. Eu não fingi nenhuma dificuldade ou dor. Eu sentei nele como uma puta. E eu senti ele gozar. Eu levantei e disse a ele “Só não caguei em você porque você é muito lindinho”. Então eu fui embora para a minha casa de arma, cuecas e botas.

 

Agora minha gata está tomando banho em cima de mim. A bosta dela está na areia e eu limpo quando eu quero. Essa é a minha solitária vida e eu adoro.

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