SÉRIE DE SOMBRAS
Luciana Inhan
SOMBRA DA MORTE
É a única coisa viva que segue a Morte pelos caminhos da dor, atravessando a eternidade. Anuncia o momento de desespero aproximando-se devagar, envolvendo sua vítima suavemente, entorpecendo e cegando-a. Sopra com seu hálito podre a brisa gélida dos últimos segundos dos homens. Diverte-se ao se arrastar pelas escuridões dos becos e cavernas, construídos pela angústia daqueles que percebem seu pouco tempo de vida. Goza ao empurrar sua presa para dentro da grande boca salivante da Miséria.
SOMBRA DA MEIA NOITE
Vive num vazio interno sem fim, total escuridão. Lamenta todos os dias ter nascido sombra e não luz. Murmura por não poder seguir uma abelha a pousar numa flor, não fazer cócegas nas crianças da praça e construir os castelos de areia à beira-mar. Chora por não mergulhar com os moleques no rio e passar a tarde estendida no porto. Sua dor vem tornando-a cada dia mais doente, frágil... quase se esfarelando com o passar do tempo. Não percebe que é a Dona da Noite, que pode engolir o dia, e afogar o mundo.
SOMBRA SEM CORPO
Segue pelos bosques perdida. No meio da mata não sabe se veio de uma árvore, animal ou flor. Confunde-se entre as pedras e as folhas velhas caídas. Mira seu reflexo nas águas calmas do lago, mas a luz da lua ainda não define seus traços. Olha sua forma disforme, sem corpo. Ao contrário da outras sombras, ela é só negro, escuridão. Se lança em direção a um galho à frente e passa sobre ele. Abraça um sapo sentado próximo, escorregadio, que pula e a deixa para trás. Finca-se como raiz numa árvore, porém a atravessa. Olha a sua volta: sozinha. Corre, pula, voa, cai, rasteja, desgovernadamente. Não encontra seu lugar, onde se encaixar, como se prender, em quem se espelhar. Desespera-se: pensa não saber se está viva, se sombra vive, e se é realmente sombra.
SOMBRA DO MEIO DIA
É a menor de todas as sombras e chata, muito chata. Talvez, como forma de defesa, sempre se acha “a tal”, aquela que está no centro de tudo, que é o foco das atenções. Durante o dia passa desapercebida, as pessoas sequer se dão conta de que ela está lá, no entanto, a sombra soberba ainda pensa que o mundo gira em sua volta. Teimosa, agarra-se ao chão, faz força contra o tempo para tentar se espichar. Não tem jeito, às 13 horas em ponto chega sua concorrente e ela, já sem força, tem de deixar seu lugar.
SOMBRA DA VELA (BAILARINA)
Pula, salta, rodopia, não fica parada no mesmo lugar. A brisa que entra pela janela do quarto balança seu cabelo e, se sentindo ainda mais sensual, a sombra escorrega pelas paredes do quarto como se dançasse uma música surda que só ela pode escutar. Abaixa, senta, levanta, a sombra rebola e roda seu vestido emprestado pela noite que a luz da lua é quem mais faz brilhar. Na ponta dos pés desliza lasciva bem próxima, e quando avanço, se afasta como num susto: pulando e tremendo. Mas acho que rindo do desejo desperto e sábia de seu poder sobre mim.
SOMBRA DO SOL
É a noite, que cobre com seu cobertor grosso de névoa as casas da cidade, os prédios e as praças. Ela fecha estradas, cega carros e pedestres, abafa os gritos que não se sabe ao certo de onde vêm, esconde os bandidos, acolhe os mendigos, espanta o cachorro vadio. O relógio continua a fazer o mesmo tique-taque, mas a noite faz o tempo parar... O povo, sufocado, dorme com medo dos perigos escondidos. À luz do primeiro raio, já podem respirar.
SOMBRA DA VIDA
Fraquinha, uma velha sombra curvada e branca, quase transparente. Seus dentes já não cortam mais, suas mãos não firmam mais e seus pés deslizam em chinelos de pano. Sua voz é um sussurro e poucos ainda a podem ouvir. Seus olhos não veem quase nada à sua frente e sua bengala é que diz até onde pode andar. São muito poucos passos, ela sabe. Não pode se esforçar. A sombra da vida perdeu o ânimo, a força, a cor, o sabor; o que restou foi um pingo de memórias e um punhado de emoções.
A SOMBRA DA BOLHA DE SABÃO
“Plock!” |