ZUNÁI - Revista de poesia & debates


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(ENTRE PARÊNTESES)

 

Nelson de Oliveira

(Imagine um pedaço de queijo suíço, do tipo mais cheio de buraco possível. Quanto mais queijo mais buraco, certo?)
(Se cada buraco ocupa o lugar onde deveria haver queijo, então quanto mais buraco menos queijo, certo?)
(Assim, quanto mais queijo mais buraco e quanto mais buraco menos queijo. Logo, quanto mais queijo menos queijo!)
(…)
(Você não é de muito papo, né?)
(Não adianta resmungar, xingar, isso só piora a situação. O segredo é ter paciência. Mais cedo ou mais tarde alguém vai achar a gente aqui e chamar o zelador.)
(O segredo é ter paciência, relaxar.)
(Pegadinha: qual é o sistema dos restaurantes por quilo em Portugal?)
(Simples: o freguês é pesado na entrada e na saída.)
(Pô, que mau humor. Desse jeito fica difícil, né?)
(Outra pegadinha: qual a diferença entre drama e tragédia?)
(Drama é a primeira vez que não se consegue dar a segunda. Tragédia é a segunda vez que não se consegue dar a primeira.)
(Tá bom, tá bom, não falo mais nada.)
(…)
(Já percebeu que ficar preso em elevador é o mesmo que estar entre parênteses?)
(Não é outra pegadinha, não. Tô falando sério!)
(Nada embaixo, nada em cima, percebe?)
(…)
(Parênteses.)
(Me acusam de sempre colocar as pessoas entre parênteses. Que ironia, agora o feitiço se voltou contra mim.)
(…)
(Parênteses, parên-teses, pa-rên-te-ses.)
(Me acusam de colocar as pessoas entre parênteses, sempre. Já falei isso, né?)
(Queriam o quê? Peso cento e trinta quilos, não fui feliz no casamento, não fui feliz antes do casamento, não sou feliz depois do divórcio.)
(Minha ex-mulher, você a conheceu, não?)
(Durante quinze anos de casado não há quem não ganhe peso.)
(Solteiro, eu trabalhava o dia todo, chegava em casa, via o que tinha na geladeira e, desanimado, ia pra cama. Casado, as coisas mudaram.)
(Eu chegava em casa, via o que tinha na cama e, desanimado, ia pra geladeira. Foi assim durante quinze anos.)
(Minha ex-mulher, você se lembra dela, não?)
(Adorava queijo suíço.)
(Aprendi a botar as pessoas entre parênteses com ela, comecei com os parentes dela: a mãe e o pai.)
(Estreei com minha sogra. Deu trabalho, a velha gritou e esperneou. Tive que usar alicate, chave-de-fenda e furadeira. Sogra boa é sogra enlatada.)
(Entre parênteses as sogras falam menos, usam menos o telefone, se preocupam menos com a vida alheia.)
(Depois foi a vez do meu sogro. O velho não reclamou nada, acho até que ficou muito feliz de se ver livre da mulher e da filha. As duas o infernizaram durante décadas. Eu o enfiei com cadeira de rodas e tudo. No final ele me sorriu. Em sinal de agradecimento, eu acho.)
(Ele detestava queijo suíço.)
(Com a minha mulher eu senti prazer, prazer sádico, entende?)
(Ela me ameaçou, me mordeu a mão e arranhou meu rosto.)
(Parecia duas pessoas, sabe por quê? Porque estava fora de si.)
(Pegadinha… Não consegui evitar.)
(A verdade é que entre parênteses as mulheres não notam se você está com as unhas sujas ou não, não insistem em discutir a relação nem exigem flores no aniversário de casamento.)
(Entre parênteses as mulheres não reclamam que a tampa do vaso não foi levantada, que o peido não foi silencioso, que os dentes não foram escovados, que a descarga não foi dada.)
(Não quero ser grosso, detesto grosserias, mas já reparou que. Nem sei como dizer.)
(Já reparou que o que as mulheres têm são deliciosos parênteses entre as pernas? Parênteses com cheiro de queijo suíço… Que adoramos botar nosso travessão neles? Travessão entre parênteses, essa é a melhor travessura do mundo, não?)
(Cara, você é mesmo muito mal-humorado.)
(Tudo bem, não falo mais nada.)
(…)
(Última pegadinha? Que foi que a zebra disse pra mosca?)
(…)
(Você está na minha lista negra.)

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Nelson de Oliveira nasceu em Guaíra (SP), em 1966. Escritor e mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), publicou Naquela época tínhamos um gato (1998), Treze (1999), Subsolo infinito (2000), O filho do crucificado (2001) e A maldição do macho (2002), entre outros títulos. Organizou duas antologias de contos da Geração 90: Manuscritos de computador (2001) e Os transgressores (2003).

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Ana Luísa Peluso é poeta e trabalha com design gráfico e desenvolvimento de sites para a web. Enquanto isso, pinta o sete, tenta se tornar escritora e já arriscou algumas publicações (Contos & Crônicas dos Anjos de Prata, Vols. II, III e IV (2001,2002,2003, respectivamente), Antologia Poetrix (2002) e a coletânea deZamores (2003), fruto da oficina literária coordenada por João Silvério Trevisan. Atualmente se mete a besta, tentando fazer roteiro, para, quem sabe, encontrar uma guia e não se perder em meio à poesia. Acredita na vida e nas transformações que a envolve. Também é web editora do site Officina do Pensamento e escreve o blogue Anagarika.

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