ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DAS ARTES DA LÍNGUA

 

 

Omar Khouri

 

 

Chego a duvidar desta história (ou seria uma estória?) bem contada e engenhosa. Achei das mais interessantes, dentre as por mim recebidas. Enfim, a realidade, às vezes, namora a ficção, dando-lhe até lições, superando-a. O leitor verá que as artes da língua nada têm a ver com poesia e/ou literatura em geral. Outrossim, parece-me, esta narrativa, portadora de estrutura chupada de célebre conto de E. A. Poe.

                                                                                                                                                                                                                            Nota de S. G.

 

 

 

Mais, não posso dizer quanto à localização, mas o tal bordel de rapazes feladores se situava numa daquelas travessas da Avenida Paulista, próximas ao Parque Siqueira Campos, nesta Paulicéia. Levou-me até lá meu amigo estadunidense que aqui chamarei de Lepetit, Bill Lepetit, ou simplesmente Bill. Ele me disse:

 

— Sei que você é macho, mas hoje vai experienciar algo como não teve ainda. Não se assuste, é só liberar o cacete que o resto acontece.

 

Num prédio em tudo comum, tomamos o elevador e subimos até um décimo segundo andar. Ao seu toque quíntuplo da campainha, abriu a porta uma senhora toda simpatia, com ares de governanta, que nos mandou entrar e sentar. Era um ambiente simples e confortável: uma ampla sala despovoada, com pelo menos seis portas, além da já mencionada. Meu amigo, que se havia sentado e me colocado à vontade, falou:

 

— Você já deve ter comido veados em seu tempo de adolescência ou mesmo infância, portanto, não haverá de achar que uma chupeta em seu pau irá atentar contra sua masculinidade.

 

Assim, de supetão, achei a coisa meio estranha e aguardei o resto da conversa.

— Pois é, você hoje vai ter um de seus melhores, senão o seu melhor orgasmo e propiciado por um garoto! Vá, não se assuste; se quiser, para não ser identificado, use a máscara que se encontra disponível, logo na entrada do chupadouro.

 

Chupadouro (feladouro seria algo mais técnico e preciso) era o recinto em que pintos eram chupados e, portanto, tudo estava  conforme o que se iria praticar no local. Entrei pela terceira porta a contar da direita para a esquerda. Pesquisei o recinto: um quarto nem pequeno nem grande, paredes impecavelmente brancas. Uma cadeira especial (nunca havia visto nada igual): alta, estofada em couro, com encosto reclinável, braços e algo (que depois me foi confirmado) que serviria para acomodar as pernas. Uma banqueta, com ajuste de altura, uma cama de solteiro, um pequeno armário (provavelmente para roupas). Uma escrivaninha, à qual estava acoplada uma pequena estante com livros, completava o mobiliário. Luz difusa, pouco intensa. Numa das paredes, uma pia baixa com torneira e dois registros: quente-frio.

 

Após esse exame, que durou menos de um minuto, coloquei a máscara, pois não queria me expor mais do que já o estava fazendo. Segundos após, ouço batidelas na porta e um "Dê-me licença". Eu disse "Sim". Mansamente adentra o quarto um rapaz, talvez com uns vinte anos, em robe-de-chambre, que me cumprimentou gentilmente e, sem mais delongas me foi acomodando na tal cadeira, por sinal, deliciosa. "Fique à vontade, relaxe", foi o que me disse e só. Nenhuma daquelas afetações de efeminados. Desfez-se do robe, que depositou sobre a banqueta, deixando à mostra todo o seu belo corpo, exceto a região pubiana, protegida por uma espécie de tapa-sexo; as polpudas nádegas, separadas por apenas um fio, ficaram totalmente à mostra. Sem nenhuma cerimônia ele se sentou na banqueta, ajustando-a e, numa primeira atitude, alisou-me as coxas vestidas. A seguir, foi bafejando por sobre minha região perigosa, até que percebeu o circo se armando. Nisso, delicadamente, foi-me abrindo o cinto e desabotoando minha braguilha. Meu pau, quase rasgando a cueca, jamais acataria uma ordem que não fosse "prossiga!". Abaixou-me a cueca e começou por carícias com os dedos e as mãos. As minhas se agarraram nos braços da cadeira... Não me atrevi a proferir palavra, nenhum movimento fiz, apenas minha respiração anormal podia ser percebida. Aos poucos, tornou com os bafejos, agora, diretos e com toques rápidos com a ponta da língua o que, em seguida se transformou em beijinhos, que perfizeram longo caminho: do escroto à extremidade da glande. Eu suava e esperava o que mais poderia vir a acontecer. Vagarosamente, foi-me abocanhando o membro, com um misto de suavidade e firmeza, primeiro, umedecendo-o com sua saliva, até mais ou menos a metade. A seguir começou a executar movimentos lentos em que os lábios faziam a parte principal, para logo depois concentrar a ação na glande, região em que a língua foi a estrela maior. Usando a língua com grande maestria na parte inferior da glande, fazia-me subir às nuvens e emitir gemidos (inevitáveis). Aí, ele atenuava a ação e me aplicava, com suavidade, as serrilhas dos incisivos na exata área entre a cabeça e o corpo do caralho para, a seguir, retomar o trabalho lingual (isto me parecia uma sábia medida para retardar o gozo). Quando, enfim, comecei a ejacular, ele acelerou freneticamente os movimentos, o que me levou ao espaço sideral! Sugou, sugou, sugou, até que nenhum resíduo aparente de esperma restasse. Retirou a boca de meu pau e ainda o acariciou com a destra. Sua boca aparentava, no exterior, perfeita limpeza. Foi aí que ele se levantou, foi até à pia e cuspiu todo o conteúdo, fruto do meu esporro, até então retido. Com muito jeito, enxaguou uma vez a boca e a enxugou com a toalha que estava dependurada ao lado da pia. A seguir, apanhou uma espécie de bandeja contendo duas pequenas toalhas secas e que até então eu não havia notado. Abriu os registros d’água, testou com as mãos a temperatura e molhou uma da toalhas. Aproximando-se de mim, primeiro aplicou a úmida e quente com muita delicadeza em meu caralho e, depois a seca. Perguntou se estava tudo bem, ao que eu respondi afirmativamente. Fez-me levantar (e eu estupefato) arrumou-me o pau já molengote na cueca, abotoou-me, ajeitou minha camisa, ajustou o meu cinto e disse "OK, o senhor será sempre bem-vindo". Com isto, percebi que era para sair e foi o que fiz sem delongas, porém, não sem antes dar-lhe um leve apertão na bunda, ao que ele mecanicamente reagiu com um esboço, posso até mesmo dizer, de sorriso. Livrei-me da máscara. Fim - mesmo - da sessão, para um bom entendedor.        

 

Na sala, Bill me esperava com ar de sarro. Levantou-se e saímos, dizendo um até logo à senhora que nos havia aberto a porta. Admirado, perguntei ao meu amigo se não teria que ter pago, ao que ele me respondeu:

 

— Já paguei, foram duzentos e cinqüenta dólares e é o meu presente de aniversário para você.

Percebendo a minha imensa curiosidade, ele foi logo explicando:

 

— Eu sei: mulher é a coisa mais gostosa do mundo, mas, em se tratando de chupeta, ninguém a faz melhor que outro homem. Aquele apartamento abriga dez rapazes, jovens que vivem exclusivamente da felação; eles têm ordem expressa de não aceitar qualquer outra proposta de macho cliente: um cuzinho, por exemplo. Ali, pelo menos, não. Esse endereço é secretíssimo e, em caso de perigo, passa por uma república de estudantes classe média. Nunca estão os dez lá. Tenho conhecimento desse puteiro através de um amigo de NYC, envolvido com exploração de boates e prostituição de toda a espécie que, sabendo de minhas vindas a São Paulo, deu-me a dica. Conheço a coisa, já, das outras minhas estadas na Paulicéia. Você deve estar pensando em como alguém pode ter uma tal técnica específica. Pois vou contar-lhe. São rapazes "educados" para o métier: michés-meninos de boa aparência são aliciados e especialmente treinados para esse lucrativo (para os exploradores, principalmente) ramo das coisas do nosso caríssimo Eros. Passam por um treinamento absurdo, de tão rigoroso, que vou relatar em poucas palavras, esquematicamente: Enviados para Nova York, com a fachada de estudantes, são, então, encaminhados para um centro de instruções: um apartamento grande em Manhattan, não longe de Times Square. Lá, começam a receber as lições de verdadeiros experts na coisa e, de início, trabalham até à exaustão, num falo de pedra (é a fase de sucção litofálica), untado com um óleo de sabor - disseram-me - levemente amargo. Quando o instrutor acha que houve progresso, muda o falo para um de madeira (sucção xilofálica), também amargo, mas bem menos. Aí, os aprendizes já se sentem um pouco mais confortados. A seguir, vem o falo de borracha ao natural (sucção laticifálica) onde os ditos cujos se demoram por mais algum tempo (diga-se: os simulacros penianos são de dimensões várias; as glandes, multiformes dentro de uma certa normalidade, mas também, considerando-se o inusitado). Na seqüência, é-lhes dado um falo de verdade (sucção carofálica, sarcofálica ou vera felação), que nunca é o do instrutor, mas de um cara que é pago especialmente para ser chupado. As sessões se sucedem à frente do instrutor que, em seu papel de instrutor, vai instruindo. Da observação do instrutor e do julgamento do chupado, os carinhas podem subir mais um degrau na escalada ou permanecer até que consigam galgá-lo. Mas, se você pensa que terminou, enganou-se. Tendo sido aprovados, os futuros chupadores-de-pau são submetidos a um outro profissional: um chupador exemplar que, aplicando-lhes uma bela chupeta, fá-los sentirem na própria pele o que vem a ser o grau de excelência em algum, ou melhor, naquele afazer. Aí é que, voltando a chupar, depois de terem sido chupados, eles poderão, com algumas outras instruções (que envolvem exercícios labiais especializadíssimos, dentais, da utilização da  mucosa  bucal  com eficiência, destreza no reter a carga espermática na boca, sem engolir nem deixá-la escorrer pelos cantos, nem espumar,  nem lambuzar o membro do cliente, e mais meros detalhes, como o do procedimento, em caso de necessidade e sem ferir a suscetibilidade do "freguês", quanto à higienização cuidadosa do pênis-objeto-da-felação), ser considerados aptos a exercer a fellatio profissionalmente e com nível internacional. É claro que tudo isso é entremeado por algumas leituras (sendo a principal a do Kama Sutra, II, IX: "DA AUPARISHTAKA, OU UNIÃO SEXUAL ORAL"), álbuns com fotos didáticas e filminhos onde a felação comparece como a rainha das práticas sexuais, tudo isso seguido de comentários do instrutor, apontando acertos e erros. Voltando ao Brasil, no caso de serem brasileiros  (pois há michês-veados-feladores de várias partes do mundo sendo lá treinados), eles já encontram toda uma estrutura montada: é só partir para a luta. É óbvio que os exploradores procuram livrar seu alto investimento, mas esses meninos recebem um tratamento todo especial para manterem saúde e beleza e ficam com uma pequena parte da grana, o que, para eles, chega a ser uma festa. O felador desse nível tem uma vida útil de poucos anos; isto vai, dependendo do indivíduo, até os vinte e cinco, vinte e seis, tempo - para quem começou aos dezoito, por exemplo - de ter juntado, apesar de explorado pela "empresa", um bom dinheiro; daí, poderá partir para outras... Veja bem: duzentos e cinqüenta dólares por sessão é muito dinheiro e deve dar para todos os envolvidos no negócio. Você me parece ainda assustado, embora satisfeito. Se quiser voltar lá, dou-lhe o telefone para contato e a senha. Se não desejar repetir a dose, pelo menos teve uma experiência, no mínimo, inesquecível pelo lado agradável.

 

Aí, calou-se com ar sacana. Andamos, atravessamos a Paulista e continuamos uma longa caminhada a pé. Descemos a Consolação. Deixei-o em seu hotel, depois de um forte aperto de mãos. Eu não havia feito um único comentário sobre o ocorrido. Só estranhei um pouco tanto conhecimento sobre o assunto e cheguei a imaginar que ele, Bill, estivesse diretamente envolvido com o tal negócio, pensamento que logo afastei, considerando ser ele herdeiro de alguns milhões de dólares bem aplicados nos EUA e Brasil. Seria a aventura toda da formação dos rapazes uma mera ficção? A ação, eu soube, era real!

 

Dirigi-me normalmente o quanto pude para casa. Seriam umas duas da manhã de uma já sexta-feira. Voltarei eu até o tal bordel algum dia? Quem poderá dizer?

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Omar Khouri, poeta, tradutor e ficcionista, é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC (SP). Edita a revista eletrônica de poesia Artéria. Publicou, entre outros títulos, Revistas na era pós-verso (Ed. Ateliê).

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