DOIS
CONTOS
Pedro
Maciel
RETORNAR
COM OS PÁSSAROS
(...):
não conceber idéias obscuras. Dissimular utopias. Não
copiar modelos de estilo; o estilo é uma maneira de pensar.
Ser compreendido em seu tempo. Não insistir nos erros. Provocar
acertos. Radiografar o futuro. Não perder tempo para ganhar
espaço. Deixar o pensamento-livre. Viajar antes que seja tarde
demais. Contemplar infinitos aparentemente embriagados. Experimentar
sensações orientais. Desorientar-se no ocidente. Memorizar
ventos. Não acreditar em supertições. Não falar pelos cotovelos.
Não desmentir o sonho. Fabular ilusões. Não disfarçar a loucura.
Rir de si mesmo. Não atrair fantasmas com espelhos. Assombrar
o sol. Não desviar rios. Não secar lagoas. Invernar verão.
Desmistificar mitos. Habitar paraísos artificiais. Aplicar
veneno na veia. Aumentar a dose. Fazer as coisas sem sentido.
Ver que nada mais tem sentido. Querer o que era infinito.
Fixar estrelas. Fitar o tempo. Retornar com os pássaros.
NÃO
ME RESTAVA MUITO TEMPO
Não havia explicações
para os peixes que nadavam à margem da cama. As figuras dos
quadros, ausentes das molduras, pulavam para cima da cama
num tempo ritmado. O quadro parecia um rio de pedras na encosta
da montanha azul; a montanha deve ser uma idéia dos meus sonhos
de infância. O silêncio é quebrado pelo rumor das nadadeiras
que batem no teto. Não há aflição no nado dos peixes, apenas
uma vontade de voar. Os pensamentos infundados boiavam instantaneamente;
prendia a respiração e mergulhava fundo, a fim de reconhecer
o lugar. Nadei até ao armário e abri uma caixa de búzios que
continha uma quantidade razoável de ar. Mantive me com esse
ar por muito tempo. Não me restava muito tempo.
*
Pedro
Maciel é autor do romance A
Hora dos Náufragos, pela Editora Bertrand Brasil (2006).
Mineiro com menos de meio século de idas e vindas. Não gosta
de colecionar recordações ou calendários. Prefere perder o
tempo da memória a ficar parado na esquina, como se estivesse
em movimento. Um exemplo é sua autobiografia: "Tento
uma nova maneira de contar histórias e reinauguro a minha
própria existência que estava a cargo de exercícios poéticos
e ensaios jornalísticos. Estava morto e não sabia. Só agora
lembro que estou mais vivo do que os meus antepassados. De
hoje em diante tenho todo o tempo do mundo para transcrever
um sentimento para cada realidade e um pensamento para cada
sonho." Eis os dados mais concretos desse escritor originalíssimo.
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