ZUNÁI - Revista de poesia & debates

IF I FELL

 

Rodrigo Barata

 

eu estava sentado perto da bilheteria. uma peça noir escrita a quatro. eu sou um dos autores. Ansioso por aprovação risos desdéns. meus amigos fumavam onde era permitido. parei há oito anos. Espessas tragadas que envolviam minha solidão e minha falta de vontade de ali estar. como esquecer meu último trago nesta vida?

 

uma amiga chega alardeando são paulo e a noite paulistana e como tem gente bonita e bem vestida lá e os cafés e os teatros e ela um dia vai morar em são paulo. ele veio com ela e às vezes ri meio rouco meio tímido meio sem jeito. e tem os olhos do tempo da paciência. ela ainda falava da augusta da paulista da pompéia da rebouças. ele já deve saber que paralisei. meus olhos são dele. minha lembrança me conduz ao tempo do talvez. toca o primeiro sinal de moliére. preciso manter contato. dizer que já morei em são paulo sou autor da peça. me mostrar. como passar em branco meu último ensaio de felicidade nesta vida?

 

tenho trinta e nove anos ele vinte e um. sacanagem da vida do cosmos destes calendários romanos. o segundo sinal nos leva a formar fila. sigo-o e noto que sua juventude vai implodir minha resignação. Como perder meu último amor nesta vida?

 

todos os meus e a tal amiga devem ter percebido. calam-se. moliére chama pela terceira vez. a peça começa junto com uma agonia encanto disfunção. risos me avisam da ânsia à-toa. perco gags expressões falas. ele está ao meu lado. caí despenquei em um abismo branco sem pressão oxigênio. era ele o espetáculo da noite da sorte do karma. como reter este momento como meu último nesta vida?

 

cuidei para me recostar me acotovelar. aplausos e mais risos. olhava-o de soslaio meneando a cabeça. nada discreto. intentava ser notado. já nos bastidores loas e afagos entre os atores técnicos autores amigos, pedi o número do celular. como me furtar da última vassalagem nesta vida?

 

e se rolar deu ligar? cato o cartão com o nome dele e de um lugar. alhambra fica onde mesmo neste mundo? disco do waits pra coragem. redisco. cai na caixa postal. não, não caiu não. olá!...

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