ZUNÁI
EM DEBATE
A
globalização é uma nova forma de colonialismo?
Claudio Daniel:
Vivemos uma nova fase da história, com a queda do Muro de
Berlim, o fim da Guerra Fria, a integração dos mercados e a
revolução tecnológica, que acelerou os processos de
comunicação no mundo. Tudo isso já é óbvio, assim como o
consenso em torno da chamada economia de mercado e da liquidação
gradativa dos mecanismos de controle do estado sobre a
economia e a política. Desse "pensamento único" (como
dizem os críticos da Globalização) surgiram conceitos como
o de Francis Fukuyama sobre o "fim da história": o
capitalismo e a democracia liberal seriam o último estágio
da civilização, logo, ganharam inclusive a aura religiosa da
eternidade. Outros autores falam em "fim do estado" e
mesmo no "fim da política": tudo estaria agora sob o
controle da "mão invisível do mercado" de Adam Smith. O
diretor teatral Gerald Thomas, inclusive, publicou em seu blog
uma idéia que encontra numerosos adeptos: não existiria mais
o estado, apenas os interesses das corporações. Que desejam,
obviamente, acelerar a extinção de toda sorte de benefícios
sociais (o que no Brasil é chamado de "flexibilização das
leis trabalhistas"), reduzir ao máximo os custos de produção,
substituindo trabalhadores por máquinas e aumentando a
jornada de trabalho para dez, doze, catorze horas diárias (o
que também é conhecido pelo eufemismo de
"reengenharia"). Em suma, os grandes proprietários querem
enterrar de vez o que ainda sobra da segurança social, que no Brasil pouco avançou desde Getúlio Vargas. O
próprio conceito de trabalho como atividade regulamentada
cede espaço à terceirização: autônomos que prestam serviços
sem nenhum direito legal a férias, aposentadoria e outras
benesses tidas como arcaicas. Serviços básicos de educação
e saúde são sucateados e gradualmente privatizados, excluindo milhares de
pessoas, e em conseqüência as desigualdades sociais aumentam
de forma explosiva. Numa cidade como São Paulo, vemos imagens
que recordam a Quinta Avenida, de Nova York, e outras que
lembram alguma aldeia do noroeste africano (o que explica, em
boa parte, a guerra urbana promovida pelo crime organizado).
Este
perigoso desequilíbrio ocorre não apenas entre as classes
sociais no mesmo país, mas também entre países: grandes
corporações controlam serviços de telefonia celular, de
informática, da indústria alimentícia e outros setores,
inibindo qualquer possibilidade de competição com empresas
nacionais, além de impor a sua forma de organização da
economia, submetendo três quartos do mundo à vontade de meia
dúzia de nações. É o império dos monopólios, que rege
desde o Iraque até a Tailândia, do Equador ao Suriname, de
Guiné Bissau à Mongólia Exterior. Países que por qualquer
motivo discordem da nova ordem são bloqueados, invadidos ou
destruídos: não existe o direito à discordância, é
preciso aderir, incondicionalmente, às leis e valores do
mercado (Francis Fukuyama é também o autor da tese de que
"estados párias" ou "países fracassados" deveriam
sofrer intervenção estrangeira).
A própria guerra torna-se um negócio lucrativo,
quando o agressor vende ao agredido os meios para a sua
reconstrução: o Iraque é o exemplo clássico, onde
companhias norte-americanas vendem tijolos e cimento para
reerguer os edifícios derrubados pela força aérea invasora.
Enfim, o que temos hoje é a anti-utopia da globalização
como império mundial do grande capital, que não respeita
diferenças religiosas ou culturais, impondo a massificação
de uma superestrutura cada vez mais pobre e empobrecedora.
Porém, a suposta nova ordem não conseguiu impor a
estabilidade desejada: ao contrário, parece agir como um
bombeiro louco, atirando gasolina ao incêndio que ele mesmo
provocou. Multiplicam-se os conflitos regionais na América
Latina, na África, no Oriente Médio, na Índia, no Nepal.
Populações insatisfeitas votam em candidatos populistas de
retórica revolucionária, como Chávez ou Morales,
expressando um desejo de mudança, aderem a projetos teocráticos
ou a guerrilhas maoístas que tampouco apresentam um projeto
alternativo consistente de organização da sociedade. Este me
parece o ponto mais delicado: com a falência do socialismo
real (que foi incapaz de conciliar a igualdade com a
liberdade), as esquerdas perderam o rumo e não conseguiram
criar uma nova forma de resistência à ordem vigente, nem de
apresentar um projeto de socialismo renovado. A falência
moral e política do PT no Brasil é um exemplo claro disso. O
que podem fazer os escritores e intelectuais nesta situação?
Em minha opinião, é preciso manter o espírito crítico,
olhar para a realidade, denunciar a injustiça. Se o poeta é
a "antena da raça", cabe a ele assumir posições, dizer
o que pensa sobre os descaminhos do mundo. É o mínimo que
podemos fazer.
Outra atitude válida é participar dos debates que
surgirem sobre a construção de uma nova forma de se fazer
política, mas esse terreno ainda é delicado, pela fragilidade dos partidos ou instituições existentes. O Fórum
Social Mundial, quem sabe, poderá, em algum futuro, dar
origem a uma alternativa concreta de poder, mas, por enquanto,
há mais esperança do que condições concretas para isso.
Claudio Daniel
é poeta, ensaísta e tradutor. Publicou, entre outros títulos,
Figuras Metálicas (2005).
Dirceu
Villa: A globalização foi uma piada ruim e de mau gosto
inventada por economistas, políticos e publicitários: superficialmente,
dizia-se que era para unir o mundo numa nova ordem, mas de
fato apenas desmantelava a idéia de Estado para fazer sobreviver
o pior do capitalismo, que comento brevemente adiante. Pessoas
de muito boa-vontade, como o cineasta Wim Wenders, acreditaram
na utopia anunciada e resolveram dar uma força como podiam
(no caso dele, os filmes com línguas e culturas misturadas).
Nessa hipótese de sonho, seria sobretudo um processo
de abolição das fronteiras culturais, o que estava longe de
ser um mau sonho (aquela história surrada do "imagine there's
no country" de John Lennon). Tudo estaria disponível numa
escala muito maior de recepção, e mesmo culturas de lugares
pequenos e esquecidos poderiam portanto aparecer e influenciar
o rumo da arte, nesse panglossiano melhor dos mundos possíveis.
Hoje
me parece claro que se tratava principalmente do aspecto econômico,
que destruiu fronteiras para impor esquemas de exploração do
trabalho. Me parece de fato semelhante à velha idéia de
colonização, porque funciona como a relação hierárquica
matriz-colônia, mas agora criando buracos de miséria em
volta de centros metropolitanos espalhados pelo mundo, que vão
se tornando um tipo de bunkers (cercados pelos mortos-vivos de
George Romero, presumo). A noção de Estado começa a se
esfacelar por causa do fluxo do dinheiro, ou seja, as
poderosas corporações são transnacionais, assim como o
capital. Essa desnacionalização do capital é o que, na
verdade, diferencia os impérios e suas colônias que existiam
até meados do século XX dos ricos e dos miseráveis que se
espalham quase que indiferentemente pelo mundo atual. No meio
deles, os assalariados que o desemprego geral não converteu
ainda em miseráveis, e trabalham sua enfadonha rotina mecânica
(casa-trabalho-casa).
Daí que a globalização inicialmente
gere uma aparência de nova colonização, e com o tempo tende
a ― onde quer que estejam ―
tornar os centros mais iguais e as periferias mais diferentes,
porque cedo ou tarde elas perceberão o jogo de exclusão e vão
desejar em algum ponto afirmar sua diferença e suas
particularidades. Esse movimento já começou, e é possível
encontrá-lo num novo tipo de nacionalismo de políticos
sul-americanos chamados pela imprensa "demagogos": é
assim que compreendo, por exemplo, a recente nacionalização
das fontes de hidrocarboneto da Bolívia, por Evo Morales; a
tendência de, no cargo de presidente, se vestir de um jeito
folclórico, etc. E levou também a extremos de
conservadorismo de ambos os lados, seja o megaimpério dos EUA
ou as longínquas periferias financeiras de escravos que
sonham em ser senhores: é um mundo infinitamente conservador
na política, na sexualidade, na cultura, na religiosidade, na
economia, etc.
Os desarranjos produzidos pelo FMI em
países de segunda ou terceira classe (como Brasil e
Argentina, por exemplo) ― os chamados "em desenvolvimento", ou "emergentes", no jargão
politicamente correto ―, com a anuência dos políticos desses países nos anos 90, foi apenas uma nuvem de fumaça da fingida boa-vontade da nova
ordem mundial, que hipoteticamente teria percebido a
impossibilidade de se continuar num mundo onde poder e
dinheiro se concentrassem tanto, quando a ela desceu uma
dourada auréola de bondade das hostes celestiais. Foi uma
alternativa descentralizadora, no aspecto dos Estados
nacionais e do dinheiro, articulada para manter vivo tanto o
capitalismo especulativo quanto os altos privilégios de
classe. Ou seja, não se modificou a estrutura, mas a superfície
do capitalismo: uma operação plástica para mantê-lo
sorridente.
Para
perceber essa vitória não é preciso muito esforço, na
verdade: basta ver como tudo hoje é tratado em vulgaríssima
linguagem corporativa. Alunos em escolas são "clientes",
projetos culturais buscam "parcerias" e "viabilidade
financeira", as pessoas que estudam no ensino médio ou
passam no vestibular estão preocupadas com suas
"carreiras", etc. Isso não sai só da boca pestilente de
secretários de cultura, mas de educadores também. Nesse
sentido, pode-se dizer que a globalização seja mais do que
simplesmente uma nova colonização: é a imbecilização
final do mundo, numa fase em que regredimos enfim para um estágio
de primarismo que antecede o estabelecimento do valor cultural
ou intelectual de alguma coisa por si mesma. É o escambo, é
o grunhido do pedido ou da ordem, ou daquela lei antropofágica
do Oswald: "só me interessa aquilo que não é meu",
porque nada tem valor por si, é tudo transitório, são (ou
somos, se se quiser) apenas produtos acéfalos, robôs da
sobrevivência, o neanderthal tecnológico. Ou, ao menos, é
isso o que aquelas três entidades (os economistas, os políticos
& os publicitários) pensam que somos.
Dirceu Villa é poeta e reside em São Paulo (SP).
Bárbara Lia: Quando
o tema é globalização, Frei Betto simplifica e coloca o
adendo nítido do que vivemos nestes novos tempos -
Globocolonização. Esta realidade é tão implícita que não
dá mais para desvincular globalização de colonização, o
que não acontece apenas pela via econômica, ela se processa
de forma mental, através de uma postura pré-estabelecida,
made in Usa. Isto lembra um poema de Fausto Wolff:
DOCE
LAR
Nos
Anos quarenta
Quando
as mocinhas
Queriam
se chamar Mary
E
os rapazes Joe,
Como
os americanos
Escondiam
bem
Os
planos horríveis
Que
tinham
Para os anos noventa. (1)
Antes
era o velho oeste, belos índios sendo assassinados, diante do
delírio da garotada no cinema, fiz parte destas cenas e me
perdôo. Perdôo a inocência dos meus oitos anos, da
aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não
trazem mais.
(2) Hoje as crianças
não sabem declamar Casimiro de Abreu e sua aurora é uma
jornada nas estrelas, seu astro é um super-man que salva o
planeta inteiro, menos os três estrangeiros (vilões) com nítidas
fisionomias árabes, ou um Rei Leão que tem como rival um Leão
cruel com feições do deserto. Pílulas da mentira plantadas
no dia-a-dia. Muitos morrem sem saber que não existem
bandidos ou mocinhos, apenas uma Humanidade que deveria
encontrar um caminho e dividir a Terra, suas fontes, mares e
desertos.
Nas Leis e nas Cartas Magnas dos Países, poeticamente
se propala a igualdade. Basta lançar um olhar sobre os
acontecimentos para ter certeza que as Leis existem apenas na
grafia, não no dia a dia. A exploração do mais fraco é
gritante.
Os
grandes laboratórios farmacêuticos utilizam africanos em
seus experimentos, como se eles fossem ratos de laboratório.
As grandes plantações com sementes geneticamente modificadas
vicejam na pobre África, e em outros países, mais
notadamente na África com a desculpa de exterminar a fome e a
pobreza, breve um continente exterminado, pela AIDS, a fome, a
alienação. As grandes corporações, como Nike implantam fábricas
em países subdesenvolvidos, utilizando e escravizando a mão-de-obra,
e uma centena de outras manobras legais, mas, totalmente
desumanas, imorais, e prejudiciais ao equilíbrio global.
Totalmente na contramão de todos os Grandes Sonhos dos
Grandes Homens, que parecem a cada dia, mais extintos - tantos
os sonhos, quantos os homens.
A
colonização enraizada, aquela que citei - a mental - que se
fixa em eternidade nos costumes e desejos e sonhos de consumo.
Não
surgem pacificadores - como Gandhi - um líder que consiga
alterar a rota da Humanidade. Ninguém tem força ou voz para
fazer retroceder o caos, re-estabelecer os acordos, aqueles
que floriram ao final da Segunda Guerra. Que não veríamos
mais campos de concentração. E eles existem e somados a eles
um número imenso de refugiados pelo mundo inteiro, sem lar,
sem pátria.
Em
uma palestra, Adolfo Pérez Esquivel - Prêmio Nobel da Paz
- contou sobre sua ida a Bagdad, e de que foi chamado a uma
outra cidade do Iraque. E ele foi ver com seus olhos o
apocalipse. Um galpão e muitas famílias abrigadas, e
enquanto as mães saíram para lavar a roupa e buscar uma
forma de abastecer os filhos um míssil americano atingiu o
abrigo e seiscentos meninos e meninas iraquianas foram mortas.
Não me recordo de uma notícia sobre seiscentas crianças
iraquianas mortas, não se propala como a morte de um único
soldado americano.
Em
março deste ano me vesti de verde e fiz a cobertura do evento
da ONU sobre biodiversidade que aconteceu em Curitiba. No coração
do evento pude perceber como se definem os rumos da História
do Mundo, os caminhos. Quem barra interesses mundiais, humanitários
e primordiais. Os não signatários do Protocolo de Cartagena
fazendo o seu lobby, que resultou em adiar por mais seis anos
acordos que ajudariam a amenizar a rota da degradação, mesmo
sabendo, após um relatório que a ONU encomendou a 1.300
cientistas do mundo inteiro, que se não determos a agressão
ao Meio Ambiente, o Planeta Terra entrará em colapso dentro
de trinta anos. Isto focando apenas a questão do Meio
Ambiente, e deve ser assim, em cada setor em escala mundial,
um retrocesso à evolução do homem como Ser, como o Centro,
única forma de evitar o dano, a deterioração de uma raça
inteira.
Como
membro voluntário da Anistia Internacional, em alguns dias se
materializa em minhas mãos aquela pequena vela branca, símbolo
da Anistia, cercada de arames farpados ferindo as mãos em
teclas eriçadas, nesta tarefa de tentativa de ajudar os que
lutam pelos Direitos Humanos. Única que posso realizar por
ser tão pobre quanto os pobres do mundo. Enviar e-mails mundo
afora em nome de todos que estão presos por lutarem ainda.
Tomada por certo desencanto, passeando pelos escombros do
mundo, que a mídia não mostra. Ouvindo os resistentes que são
tão poucos, os lúcidos que são calados pelo poder, os
guerreiros do arco-íris e os médicos sem fronteiras, lavando
as chagas do Universo com sua alma de água eterna. Apenas
ali, nos pequenos focos de resistência se pode conhecer e se
desencantar e ao mesmo tempo queimar as últimas esperanças
neste rastro dos iluminados acreditando que um dia a dominação
vai dar espaço à Humanidade repartida.
Quantos caminhos um homem deve
andar até que seja aceito como homem?
(3)
A
globalização é uma forma de colonização, mais que econômica,
ela é mental, o mundo todo é cúmplice deste momento negro
da Humanidade, considerando que nenhuma voz se levanta e que
todos apenas dizem seu sim.
Vamos dormir depois de uma coca-cola gelada e um
enlatado americano. Os selvagens são na verdade os únicos
verdadeiramente livres. Os povos da Floresta, guardiões da
respiração da Terra, da água de suas veias, de toda a sua
grandeza infinita. Eles se reúnem em Fóruns Indígenas de
resistência à globalização econômica, vivem em comunhão
com a Natureza, e são os nossos anjos neste paraíso perdido.
Enquanto os civilizados, à sombra da águia estranha
se contentam em salvar a sua pele. Até amanhã, até amanhã,
antes que o Sul seja sugado inteiro pelo Norte: petróleo, água,
rios e florestas, e nós ocos como as crianças da Etiópia,
de olhar vazado espiando o fim. Se diluindo diante da colonização
mais cruel.
A
conscientização política e até mesmo os Direitos Humanos não
chega até a grande maioria da população carente, destes países
subdesenvolvidos.
Sem
acesso aos conhecimentos básicos, tendo dentro de si apenas
aquela centelha de grandeza que todo ser humano tem. Poucos
conseguem romper esta corrente, e trilhar uma vida que lhe
permita analisar, discutir, questionar. Esta falta de
conhecimento da realidade circundante, esta alienação
promovida via massificação que distribui as pílulas do
consumismo, via rádio, televisão, cinema. Este pensamento em
bloco, de uma humanidade que vive em bloco, comunidades, cada
dia mais centrados em temporalidades, sem olhar como os
Grandes Homens, do alto, feito mesmo um Deus, todos os
caminhos intrincados, daquilo que Borges uma vez confidenciou
a sua amada Estela Canto - que ele acreditava que um homem é
a Humanidade Inteira. E a globalização cortou o Planeta
Terra ao meio, enquanto Deus dormia, e alguém está sugando
até o fim a parte sul desta laranja, seu sangue, seu néctar
imprescindível.
Ontem
li uma frase de Mia Couto, e fiquei com esta impressão de que
Deus cochilou um tempo e permitiu que a globalização se
instalasse, em forma de colonização mesmo. Fiquei meditando
a frase do Escritor "A terra é a página onde Deus lê" (4).
Ou, talvez Deus esteja interessado em um pequeno filme de
horror, ou quem sabe ele altere tudo, e se arrependa de ter
colocado dentro da centelha da alma humana o livre arbítrio,
quando acreditou que viveríamos ansiosamente em busca do Éden
Perdido.
Vemos
os interesses econômicos serem colocados acima de tudo. Vemos
que a colonização se faz necessária para que alguns países
detentores deste poderio consigam atingir seus objetivos. Sem
um organismo de repressão que tenha força suficiente para
barrar, nem mesmo a ONU, que nasceu dos escombros da Segunda
Guerra Mundial, quando surgiu a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Ouvi uma palestra de
Saramago e ele dizia que se os países obedecessem ao primeiro
artigo da Declaração não haveria guerras. Mas, a ONU ignora
a imparcialidade.
A
Onu adotou como símbolo uma projeção azimutal centrada no pólo
norte. Um ideal de neutralidade sem colocar nenhum país no
centro, apenas o pólo norte onde só existe gelo. No entanto,
o pêndulo na hora das decisões oscila e não detém a
ofensiva contra os Direitos Humanos, e permite que o forte
explore o fraco, invada seus territórios, aniquile tudo
enquanto não cessar a fome da negra águia e seus adeptos,
presos em suas penas metálicas e frias, seguindo o
indiferente e cinza olhar cifrado da águia estranha.
1.
Do livro - O pacto de Wolffenbüttel e a recriação do
homem. Fausto Wolff (2.001, Bertrand Brasil)
2.
Verso do poema - Meus oito anos - Casimiro de Abreu.
3.
Verso de Bob Dylan
da canção -
Blowin' in the wind -
4.
Do livro - O outro pé da sereia - Mia Couto (Companhia
das Letras)
Bárbara
Lia é professora de História e escritora.
Publicou poemas nas revistas Et
Cetera, Coyote, Zunái e Ontem choveu no
futuro, entre outras. Tem o livro O
sorriso de Leonardo
(Kafka Edições Baratas, 2004) e logo lançará O
sal das rosas, pela editora Lumme. E-mail:
barbaralia@gmail.com.
Elaine Pauvolid: Já
vi muito artista falando asneiras sobre política. Ficamos
como crianças discorrendo sobre o brinquedinho que ganhamos e
o que fizemos com ele. É claro que nem todo artista é assim.
Há os plenamente familiarizados com o contexto político-social
em que se inserem. Começo assim para me desculpar de ser eu
uma destas que se isolam um pouco do mundo em sua "arte" e
que correm o sério risco de proferir impropérios com a mais
ingênua das autoridades. Se eu acho que a globalização é
uma forma de colonização? Se me perguntassem isso há uns
anos atrás, diria: sim, mas, claro! Hoje em dia, digo que a
colonização já se operou. E a globalização continua agora
com a ajuda da Internet. Já somos colônia do idioma
norte-americano há muito tempo e depois de Gates, nada foi
como antes. Não há como participar do mundo atualmente sem
saber ao menos um pouco de inglês e ter uma "Windows"
razoavelmente instalada na sua casa, ainda que ela careça
mesmo de luz legalizada.
Acho
que a dominação agora é tecnológica. É óbvio que esta só
pôde se operar através da globalização. Como falar disso
tudo se na China ainda não se tomasse uma Big, big Coke? Então,
acho que já somos todos escravos dos mesmos senhores.
Primeiro fomos dominados pelo capital, depois pelo idioma e
agora pela mente. E quando me refiro à
mente não falo de desejos, falo de uma nova cognição,
uma nova forma de se relacionar com a razão e a
sensibilidade. Falo da possibilidade, agora, de o homem não
ser mais homem, ser um nick, ter mais de uma realidade
virtual, casar e ter filhos com alguém que conheceu através
de pensamento traduzido em palavras de uma tela de computador.
Acho que estamos de novo perdendo mais uma dicotomia. Se já
perdemos a certeza de duas verdades, a socialista e a
capitalista, agora perdemos até a certeza da existência de
duas realidades distintas, a virtual e a real. Já não parece
mais ser possível separar as duas. No entanto, a realidade não-virtual
acontece todos os dias para a grande maioria da população,
os excluídos socialmente, culturalmente, politicamente e,
agora, de uma forma de conhecer, de uma forma de ver, sentir e
mesmo tocar.
A
globalização foi e continua sendo uma forma de colonização
que logrou êxito no alcance dos objetivos qual seja: dar a nós
viventes no mundo atual a "impressão" de que as
fronteiras foram quebradas, de que somos um povo só e assim
preparou terreno para a aceitação pacífica da dominação não
mais por uma nação ou povo, mas, por algumas cabeças, ou
contas bancárias cujo acesso está restrito aos conhecedores
da senha. A globalização só preparou o terreno e tenta mantê-lo
fértil.
Elaine Pauvolid,
carioca de 1970, poeta e ensaísta. Publicou: Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha noite-estrela...
(Imprimatur/7 Letras,1998), Trago
(edição artesanal da autora, 2002). Participou de Rios (Íbis
Libris, 2003). Desde 2000 mantém a Revista Aliás, http://www.aliasrevista.net,
onde publica outros autores e divulga eventos
culturais. Seu site pessoal é www.elainepauvolid.net.
|