ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ZUNÁI EM DEBATE

 


O que poderia ser feito para ampliar o número de leitores de poesia no Brasil?


Sérgio Alcides
: No Brasil faltam leitores em geral: em tantas dezenas de milhões de pessoas, a população de um condomínio em Alphaville ou na Barra bastaria para emplacar um best-seller de auto-ajuda, anjos ou coisa assim. Mas será mesmo que faltam leitores especificamente de poesia, nesse contexto? Há uma verdadeira torrente de livros de poemas, incessante. E não só de autores novos, que financiam seus próprios títulos. Hoje encontramos nas boas livrarias as obras completas de muitos de nossos melhores poetas (entre as exceções, particularmente escandalosa é a de Sousândrade; mas mesmo dele foi reedidata há pouco a antologia preparada pelos concretos).

Refiro-me a edições profissionais, mais ou menos competentes, feitas por editoras comerciais que esperam algum retorno financeiro (ou simbólico: o prestígio) com essas publicações - coisa que depende da existência de leitores. Alguns dos grandes poetas estão disponíveis em mais de uma edição diferente. Ou mesmo em muitas - caso de vários dos que já estão em domínio público: Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves. Outros têm sido lentamente reeditados, como o Murilo Mendes (que, no entanto, tem a poesia completa disponível numa edição bastante ruim da Aguilar). E as irritantes efemérides têm o efeito de, naturalmente, morbidamente, ampliar a leitura e forçar a reedição de alguns autores: casos recentes do próprio Murilo, de Drummond, de Cecília e, agora, Vinícius. Devemos aos números redondos até mesmo o ressurgimento de Emílio Moura.

Há também umas boas duas ou três gerações de poetas contemporâneos que já são editados comercialmente, e têm rapidamente esgotadas e reimpressas as suas tiragens (embora pequenas, rondando os três mil exemplares). Exemplos: Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira Gullar etc. E, quanto aos menos conhecidos ou mais novos, mesmo quando publicam precariamente, às próprias custas, não se pode dizer que não sejam lidos: boa parte desses livros se paga nos lançamentos (e mesmo que apenas uma minoria dos freqüentadores de noites de autógrafos de fato leia a poesia, sempre haverá alguém que, por sorte, lerá).

Outro sinal de que existe leitura de poesia, ou pelo menos interesse por ela, é a quantidade de antologias recentemente publicadas, desde os meados da década de 1990. São várias - e pelo menos umas duas têm um perfil evidentemente mais comercial do que crítico, mas muitas das outras também são bem produzidas, bem divulgadas e bem distribuídas, e estão por toda parte. Alguém lerá.

Sem falar na atual profusão de publicações periódicas - inclusive aquelas que, como a própria Zunái, confundem um pouco a agora velha noção de "período", por estarem on-line (sendo que o tempo nos parece uma dimensão mais vaga e menos presente, ou apenas presente, na Internet). São muitos e muitos projetos e revistas que continuam surgindo, e vários sobrevivem ou até vivem.

A grande imprensa - os jornais do Rio, de São Paulo, do Recife, de Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e Curitiba, entre outras partes - dedica um espaço surpreendente à poesia, em seu pobres cadernos culturais. E os jornalistas encarregados de livros são cortejados pelos escritores, inclusive por muitos poetas que têm essa preocupação de aparecer mais. Alguém deve ler esse espetáculo. E é preciso reconhecer que, uma vez ou outra, os jornais até publicam alguma reflexão de fato crítica sobre poesia.

Poderão dizer que só me reporto a argumentos de quantidade. E terão toda a razão, no caso: a qualidade é outra coisa. Não se mede pelo número de publicações, muito menos pelo sucesso de vendas que elas possam ter. Mas tampouco se mede pelo número de leitores. Quem importa de verdade, para a poesia? Só interessa um leitor: alguém. Não precisamos de um número maior de leitores, desde que, entre estes, exista ou possa existir alguém.

Por isso, caros editores de Zunái, espero sinceramente que nada façam para ampliar o número de leitores de poesia no Brasil. Sobretudo, desejo que o poder público não gaste uma assinatura sequer neste sentido. A melhor coisa oficial que pode ser feita em benefício da poesia no Brasil provavelmente seria a total exclusão da poesia dos currículos escolares, ou pelo menos da matéria do vestibular. Nas condições reais da educação neste país que odeia a educação, a cada poema citado em aula morre toda uma turma de leitores de poesia. Mas não nego que seria bom, por outro lado, que se ampliasse o número de leitores de poesia entre os poetas...

Sérgio Alcides é autor de O ar das cidades - Poemas, 1996-2000 (Nankin, 2000) e Estes penhascos: Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas (Hucitec, 2003).

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Linaldo Guedes: Para se responder a esta pergunta, caberia, antes, responder a outra: o que não foi feito para ampliar o número de leitores no Brasil? Costumam dizer, alguns tesistas, que a poesia perdeu leitores a partir da massificação da música no Brasil. E também da televisão, do videocassete e, mais recentemente, do DVD. Mas seria um reducionismo comodista pensar desta forma. Sim, porque temos que reconhecer que vivemos numa época acostumada com as facilidades e mordomias tecnológicas do mundo audiovisual moderno. Mas uma coisa não exclui a outra. Não é porque curtimos ver e ouvir que não vamos curtir, também, ler. Aliás, por que não?, curtir ouvir poesia também. Aqui na Paraíba temos exemplos claros disso, de que a imagem e o som não excluem o prazer pela poesia. Entre os eventos culturais com maior afluência de público em João Pessoa estão os saraus e recitais poéticos. Isso, por si só, já serviria para questionar a tese de que a população brasileira não curte poesia.

O que acontece é que a poesia não acompanhou a evolução dos tempos. Muitos poetas acham que ser moderno é apenas colocar sua produção literária na Internet. Isso ajuda, mas é muito pouco. Sabendo das deficiências crônicas da população brasileira no campo cultural e intelectual, temos então que procurar meios alternativos que estimulem o surgimento de novos leitores de poesia no Brasil. O caminho passa, necessariamente, pela juventude de hoje. São os jovens e adolescentes que serão os leitores de poesia do amanhã. Então, claro está que eles é que têm de ser estimulados. O caminho começa na escola. No maternal, no ensino médio, no ensino fundamental, antes de se chegar na Universidade. Cobrar dos professores a leitura de poemas em sala de aula, mostrando também que a análise de um texto literário pode ser uma gostosa brincadeira para a criança ou para o adolescente. Nada daquela coisa chata, cheirando a mofo. Literatura tem que deixar de ser coisa para intelectuais e se tornar em algo atraente, vivo, moderno, fascinante, excitante, até. Como é o vídeo, como é a música. Infelizmente, não é isso que acontece. Os professores ainda são acomodados ou despreparados ou sem consciência de seu papel neste ponto. E o pior é que muitos desses professores são poetas também (alguns, bons e com poucos leitores) e não há, da parte deles, qualquer preocupação de tornar o estudo da literatura, e conseqüentemente da poesia, em algo que desperte a curiosidade da juventude. No mais das vezes, se acomodam com o trivial da grade curricular e pronto. Fizeram sua obrigação e não formaram nenhum leitor de poesia. Outro caminho pode ser, também, o da realização de mais e mais eventos literários. Ao invés da formação de grupinhos e igrejinhas literárias, porque não unir forças para criar espaços de poesia e outras coisas do gênero.

Na década de 90, fiz parte de um grupo de poesia que fazia perfomances em bares e circuitos alternativos. Tínhamos uma boa afluência de público e uma boa receptividade, apesar de já estarmos na era do audiovisual. Então, a resposta para a pergunta de o que poderia ser feito para ampliar o número de leitores de poesia no Brasil é: investir na juventude. Não adianta as editoras lançarem bons livros no mercado editorial sem ter leitores. Temos que formar os leitores do amanhã. Não adianta ficar deitado em berço esplêndido reclamando que os governo não investem na formação intelectual e educacional da população brasileira. Isso sempre existiu e vai continuar existindo por muitos séculos, porque é cômodo para a classe política manter a situação do jeito que está. Precisamos fazer a nossa parte. E envolver alunos, professores, jornalistas e intelectuais nesta causa. O resto será conseqüência.

Linaldo Guedes é editor do caderno cultural Correio das Artes, da Paraíba.

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Ricardo Cotinho: Em Recife, a Prefeitura Municipal possui uma política editorial que eu acho que ajuda muito. A Secretaria Municipal de Cultura publica livros de boa qualidade, para vender a preços simbólicos. Isso é importante porque o preço do livro está pela hora da morte. É caro para quem compra e, no caso dos poetas (considerando que a maioria banca suas edições), é muito mais caro ainda para quem quer publicar. Me parece que essa é uma tentativa concreta de ampliar o número de leitores. Uma boa contribuição do Poder Público. A antologia de Poesia Marginal que eles publicaram, foi um bom exemplo. Acho que esse é um aspecto, mas isso não é tudo. O Poder Público tem um papel importante para ampliar o número de leitores de poesia, apoiando projetos literários sem interferir na sua execução. Somente os poetas sabem por onde e como devem caminhar para aumentar o número de leitores. Abrir espaços com mostras de todo tipo de poesia ajuda a desmistificar esse gênero para o povo, tantas vezes alheio a complexidade dos movimentos literários que diversificaram muito os conceitos de poesia. E neste sentido é necessário que sejamos o mais democráticos possíveis, colocando numa mesma mostra a Poesia Visual, a Poesia Concreta, Sonetos... Logicamente que preservando a qualidade. Em todos os gêneros existem bons poetas e somente os bons poetas terão a capacidade de ajudar a fazer crescer esse bolo. Deve-se oferecer à população um cardápio completo da poesia contemporânea. O povo que escolha as suas preferências. A poesia exige um leitor especializado, que precisa ser formado gradativamente. E isso somente vai acontecer se a poesia estiver presente no cotidiano das pessoas, nos espaços públicos, provocando o cidadão, instigando-o a raciocinar de forma lúdica e crítica. Enfim, é um longo caminho. Mas os longos caminhos sempre começam pelo primeiro passo, não é mesmo? É importante, por exemplo, que tenham colocado este debate e dividido com pessoas como eu, que não sou poeta, mas apenas um consumidor de arte e um leitor de poesia. Muito obrigado pela lembrança.

Ricardo Coutinho é deputado estadual pelo PSB (PE).

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Lau Siqueira: Posso ser óbvio? O primeiro passo seria, logicamente, a erradicação do analfabetismo. Mas quando falo de analfabetismo, me refiro também ao que Mário Quintana dizia: o pior analfabeto é aquele que aprende a ler e não lê. O barateamento do preço do livro seria, por exemplo, um grande incentivo. As grandes obras (que são as que nos ensinam a gostar de poesia) possuem um preço inacessível para a maioria. Não nos enganemos. O preço do livro é um grande entrave! E já que o assunto é esse, cabe-nos denunciar a atuação de uma verdadeira máfia. O ¿fator oculto¿ no que se refere ao preço do livro. Falo das distribuidoras que ficam com mais de 50% do preço de capa. Para uma obra entrar numa livraria precisa se submeter a esta extorsão e isso é um absurdo. Esse é um fator excludente. Um entrave. A forma como as escolas empurram poesia goela abaixo na juventude é um horror. Na escola, geralmente, os jovens são estimulados a não gostar de poesia, mas a aprender o nexo das gaiolas formais que separam o barroco do parnasiano, o modernismo do simbolismo e por aí vai. Para que poesia? O que vale é passar no vestibular, não é mesmo? Acho que a Internet, com seu aspecto anárquico tem ajudado muito a democratizar o incentivo à leitura de poesia. Você pode observar em milhões de blogs que os jovens estão lendo poesia sim. E me refiro aos jovens porque quando se fala em aumentar o número de leitores, incentivar a leitura essa é a fatia do bolo social mais acessível, mais receptiva. Estimular uma criança a ler, sem querer que ela sinta aquilo como mais uma tarefa escolar é muito importante para que tenhamos uma geração de leitores em geral. É um investimento de longo prazo. Só lê poesia quem antes criou o hábito da leitura, não é mesmo? E o leitor precisa ser formado cotidianamente. Ele precisa sentir aquilo como um prazer e não como um atestado de erudição, um fardo de representações sociais.
Penso que as revistas com bom padrão editorial e gráfico, como a Coyote, A Cigarra, a Et Cetera e outras estão realizando um grande trabalho no sentido de incentivar a leitura de poemas. Mesmo sem gostar de ler, o cara é dragado pela sedução do projeto gráfico. E porque essas revistas valorizam muito a poesia contemporânea, o novo leitor vai acabar encontrando identidades com as linguagens usadas pelos poetas publicados. Isso é extremamente sedutor para quem não tem o hábito de ler poesia, mas tem sensibilidade. ¿Todo sonhador inflamado é um poeta em potencial¿, já dizia Bachelard.

Também agendas bonitas, como as da Editora Tribo, fazem muito mais pela poesia brasileira que o Ministério da Educação. Não quero ¿pollyanizar¿ o debate, mas acho que as coisas estão melhorando. Na realidade, isso depende muito, também, de alguns poetas que precisam deixar de sonhar com as páginas amarelas da Revista Veja e beijar a boca escancarada das ruas. Também seria bom que alguns poetas deixassem de ser tão pedantes. Tem cara que assusta o leitor. Aí, quem é que não tendo o hábito de ler poesia, vai querer ler um sujeito encastelado na vaidade e na arrogância? O poeta precisa ter um pouco mais de humildade, inclusive, para ler um poema ruim. Porque quem escreve um poema ruim, na pior das hipóteses, é um leitor de poesia em potencial. Ele pode descobrir o que uma amiga minha, Nálu Nogueira, disse uma vez e que eu achei genial: ¿ler é uma forma honesta de lembrar que sou poeta.¿ Tenho dito!

Lau Siqueira, poeta, publicou os livros O Guardador de Sorrisos (1988), O Comício das Veias, este em parceria com a contista Joana Belarmino (1993), e Sem Meias Palavras (2002).

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Ademir Demarchi: É muito curiosa essa questão. Dirigida às revistas de poesia, ela tem ares de despropositada (exceto, naturalmente, para suscitar o debate, daí o acerto de Zunái em propô-la). A particularidade que a aparenta despropositada está no fato de que as revistas de poesia no Brasil são pouquíssimas, cerca de uma dezena - o que já aí aponta uma desproporção se compararmos esse número com a população do país, os números do mercado editorial, o número de leitores, as minúsculas verbas destinadas à literatura ou ao livro - a começar pela aquisição para formação de bibliotecas, que é uma política existente apenas no papel. Mais despropositada ainda parece a questão se considerarmos o fato de que as revistas de poesia no país são feitas pelos próprios poetas, pagas por eles mesmos a duras penas (o mesmo se dá como os livros), o que só permite pequenas tiragens que, quando muito, chegam a 500 exemplares, impossibilitando a busca de leitores fora do âmbito dos próprios poetas. A eles, portanto, essa missão antes iluminista, agora mercadológica, de buscar leitores parece não dizer respeito pois estão fora do mercado e publicar revistas nessas condições já é praticamente tudo que podem fazer, além de mendigar espaços para realizar leituras públicas, o que, teoricamente, também aumentaria o número de leitores.

A exceção nesse cenário naturalmente é a revista Inimigo Rumor, a mais duradoura, apoiada no trabalho de uma pequena editora basicamente de poesia e que, com a recente associação com outra editora de maior porte, a Cosac & Naif, ampliou sua tiragem para três mil exemplares, melhorando a distribuição e a apresentação gráfica da revista, além de outros fatos que possibilitam sua expansão.

É exemplar nesse mercado o trabalho da Cosac & Naif, ainda que apenas no início, ao criar coleções de poesia e editar os livros com qualidade, coisa que nenhuma grande editora faz, restringindo-se apenas a publicar alguns poetas que atingem a terceira idade e passam a ser chamados pelos suplementos culturais dos jornalões de "o mais velho poeta em atividade", anunciando o embalsamamento da próxima múmia. Ou seja, se as grandes editoras se prestassem a criar coleções de poesia e editá-las decentemente, certamente se conseguiria visibilidade no mercado, aumentando o número de leitores, além do que são elas que têm condições de efetuar a distribuição de livros no país, num mercado constituído por talvez uma centena, se muito, de livrarias, que parece inalcançável às pequenas editoras em virtude dos custos e dificuldades administrativas, além do desinteresse dos livreiros por livros de poesia - quanto a isso é esclarecedor entrar nas livrarias e procurar a estante de poesia - em geral só existe em grandes livrarias.

Curiosamente, essa mesma questão proposta por Zunái foi colocada como tema de uma mesa-redonda com alguns editores de revistas de poesia na Primavera dos Livros de 2003, realizada em outubro pela Libre, uma associação de pequenas editoras, associação essa, bem como a feira que realizam, que já são em si uma iniciativa em busca de leitores e melhor colocação de seus livros no mercado pois, como já sugeri, fundamentalmente são as pequenas editoras que publicam poesia no Brasil.

Por fim, a ampliação do número de leitores (de poesia se se quiser) é papel do governo, que deveria priorizar mais a educação e sobretudo investir na aquisição de livros, formando bibliotecas, tendo nisso uma política constante e não sazonal como é, ao transformar isso, tal como tudo, em campanhas publicitárias do tipo dessas de alfabetização ou Fome Zero.

É digno de nota o que está acontecendo no Paraná, Estado que, no governo passado, aprovou lei, já colocada em prática por duas vezes, de aquisição de 10 livros (creio que mil exemplares de cada título) de autores daquele Estado para distribuição nas bibliotecas, anualmente; neste novo governo está em andamento um programa de implantação de bibliotecas em TODOS os municípios do Estado (Programa 100% Bibliotecas), que se alia ao fornecimento de acervos de milhares de livros com patrocínio de um programa da Petrobrás.

Outro aspecto importante nesse cenário é o da criação de leis municipais ou estaduais de incentivo à cultura, que têm resultado na ampliação da publicação de livros, significativamente de poesia. Já há leis assim dando importantes resultados, incrementando o número de livros publicados, em Joinville (SC), Londrina e Curitiba (PR) e Brasília, (e provavelmente outros lugares, que desconheço) iniciativa essa que é um caminho a ser explorado. Isso tem motivado a criação de pequenas editoras como a Letradágua, de Joinville ou a Atrito Art Editorial, de Londrina e a Medusa, de Curitiba, com pequenos mas significativos catálogos.

Por fim, há em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo um projeto de lei do deputado Vicente Cândido, criando um Fundo Estadual de Cultura, exemplar em sua concepção, que, por isso, tem recebido amplo apoio e pressão para aprovação, por parte de todos os artistas e envolvidos nesse setor, projeto esse que, se for implantado de fato, mudará o cenário cultural do Estado, inclusive na literatura, permitindo que inúmeros projetos se concretizem, da publicação à incrementação da leitura.

Em essência, portanto, sob meu ponto de vista, o aumento do número de leitores de poesia é de maior responsabilidade dos governos, que têm a obrigação de implantar bibliotecas, constituir acervos e tornar a política de aquisição de livros uma prática constante. Noutra ponta, cabe às editoras, às grandes principalmente, criarem coleções de poesia que tenham qualidade e visibilidade, com um mínimo de investimento em divulgação para tornar mais atrativos os livros de poesia.

Quanto aos poetas e brincantes publicadores de revistas, deixo para reflexão um comentário que me fez um poeta que morreu recentemente (em 18 de novembro passado), Sérgio Rubens Sossélla: numa conversa que tive com ele, Sossélla disse que, ao escritor, como restou a Van Gogh, somente cabe a missão trágica de realizar uma obra, ou seja: ao escritor cabe escrever, disseminar sua escrita, entregar-se a essa tarefa. De sua parte, ele editava artesanalmente cada título (chegou a quase 300 títulos!) com tiragens de 15 a 30 exemplares que distribuía religiosamente para a Biblioteca Pública do Estado e para alguns amigos, considerando-os publicados ou tornados públicos (compreende-se: era um juiz). E, inspirado nessa ética vangoghiana, ele escreveu um poema, publicado em 1992 no livro estudos para um retrato de van gogh, "pincel intorcível", que diz o seguinte: "van gogh nunca torceu um milímetro o seu pincel/ a fim de contentar quem quer que fosse vendendo/ só um quadro em toda a sua vida".

Ademir Demarchi, poeta, é autor de Passagens - antologia de poetas contemporaneos do Paraná (2002). Edita a revista literária Babel.

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Marcelo Montenegro: Sinceramente. Não sei. E acho que qualquer tentativa de resposta a essa pergunta dificilmente conseguirá se desvencilhar dos clichês habituais. Digo: subvenções, dinheiro oficial, apoio institucional, ato governamental. Eu não acredito nisso. Isso pode até fazer parte do processo, óbvio. Mas pra falar a verdade acho que só atrapalha. Definitivamente o aumento de leitores de poesia - e de literatura, como um todo - não passa por aí. Não adianta nada propaganda, incentivo à leitura. Esse tipo de coisa é muito chato. Tipo campanha anti-droga. Tipo o Galvão Bueno falando que "ler é um exercício". Aí fudeu. Ler, ler mesmo, curtir poesia, fazê-la, etc., é um ato espontâneo, de busca, de descoberta, e não de intromissão, imposição, por mais que sejam nobres as intenções. E sempre são. E politicamente corretas. E cá entre nós isso tudo é tremendamente chato, careta, repele.

Sinceramente: acho que deviam aumentar o número de pessoas legais no planeta. Esse é o meu clichê. Minha ficção-científica. Chamada educação. Digo isso porque já tive a feliz e exaustiva experiência de dar aula por três anos. E nem de literatura era. De história. Pra terceiros colegiais. Que hoje chamam de Ensino Médio e não poderia haver nome mais adequado. E não é que eu "perdi" alguns livros ali? Temporada no Inferno, do Rimbaud, que emprestei pra Sara. Uma coletânea de contos do Bukowski - a de capa verde - pro Rogério. Memórias de um Gigolô, do Marcos Rey, pro Fernando. E não esqueço da Sara, toda vez que eu entrava na sala, vindo me falar coisas malucas que essas meninas de 17 anos com brilho nos olhos não costumam dizer. De encontrar o Rogério, depois de ter sido expulso da escola, chapado e irresponsável, rindo e falando daquele conto em que o cara tá no mercado com a filha e a caixa brinca com ela e a menininha nem olha e o pai não faz questão nenhuma de soltar um "olha filha, a moça tá falando com você". E eu não cheguei assim, tó, lê essa coisa porque vocês vão ficar mais inteligentes. Porque isso É BOM. Porque vai cair na prova. Bobagem. Foram eles que me pediram, mesmo sem saber que o fizeram.

Cara. Há uma molecada ávida por coisas interessantes quase que desistindo que alguém um dia possa lhes mostrar. Assim. Espontânea, informalmente. Questão de linguagem. Aliás me irrita profundamente qualquer tipo de discurso politicamente correto do tipo: poesia é bom, Big Brother é ruim. Pô, sério? Nem tinha reparado... - mas deixa pra lá. Por exemplo. Desde pivete cultivei o hábito extremamente prazeroso de gravar fitas cassetes pros meus amigos e namoradas. E grande parte do que conheço e adoro hoje de poesia foi graças a essas trocas. Nada mais bacana do que um amigo te falar, empolgado, sobre um determinado autor que descobriu. Nada como a alegria - e não há nenhum ato heróico ou edificante nisso, pelo amor de deus - de você ser um dos responsáveis por uma menina de 17 anos conhecer Rimbaud, "que minha professora de Português não conhece", "que me deu D naquela prova sobre O Triste Fim de Policarpo Quaresma". De ver um moleque repetindo "É proibido pisar na grama/ O jeito é deitar e rolar", do Chacal. Da Samanta escrevendo na agenda das amigas que "o homem sem a loucura é apenas um cadáver adiado que procria".

O Eugênio Evtuchenko, na sua Autobiografia Precoce, cita dois caras que apareceram na sua vida que "possuíam grandes conhecimentos que, de coração, partilharam comigo". O problema é que muita gente utiliza "o estudo como um escudo", como já disse uma vez o amigo e poeta Ademir Assunção. O problema é que muita gente se leva a sério demais. O problema é que via de regra pessoas legais, bem informadas, anti-institucionais, tão fora da escola. E aí não adianta nada você despejar uma porrada de bons livros do Drummond, do Bandeira, do Guimarães Rosa e de seja lá quem for nas bibliotecas das escolas. E, sinceramente, não adianta ficar fazendo de conta que a carroça das exceções vai pular na frente dessa imensa regra de bois em que estamos metidos. Pessoas legais brother. Que estejam a fim de conhecer; que estejam a fim de apresentar coisas. Sei que soa um tanto vago, mas desconfio que vocês entendem perfeitamente o que quero dizer. Educação. Alguma espécie de didática da sinalização.

Olha só. Você tem Casemiro de Abreu, que é genial, mas tem também, sei lá, Paulo Leminski, Mário Quintana, Augusto dos Anjos, Cacaso, Ferreira Gullar, Glauco Matoso. Você tem Nelson Rodrigues, mas se liga ali, fica esperto, tem também um Mário Bortolotto. Chico, Caetano, beleza. Mas tem Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Sérgio Sampaio. Machado de Assis, ótimo. Mas tem também Reinaldo Morais, Campos de Carvalho, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Cortazar, Kerouac, Caio Fernando Abreu. Educação meu chapa. Desde lá. De antes. Um monte de gente legal fazendo isso. Ganhando bem pra fazer isso. Pra puxar essa carroça de informalidade contra a corrente. Atiçando esse troço chamado curiosidade. Relação humana, troca, cumplicidade, busca, descoberta, cair fora. Se há algo que pode aumentar o número de leitores de poesia no Brasil ou seja lá onde for acho que passa, distraidamente, por aí.

Marcelo Montenegro, poeta, é autor de Orfanato Portátil (2003), entre outros títulos.

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