ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ZUNÁI EM DEBATE

 

 

Qual é o papel da Internet na divulgação da poesia?

 

 

Daniela Osvald Ramos: Douglas Diegues, poeta, abriu a primeira mesa da tarde na Balada Literária do dia 21 de outubro (composta por Ademir Assunção, Ana Rüsche, Nicolas Behr e Paulo Scott) reivindicando mais espaço nos jornais para a poesia. Seria legítimo que os grandes jornais brasileiros reservassem uma página para a poesia, críticas e poemas. Mas há um problema, ou vários. Poesia não é indústria como cinema, artes plásticas (alguns artistas brasileiros, como Nuno Altas) e até música erudita, que às vezes tem seu espaço e algumas estrelas. Para ser um evento midiático, poesia precisa gerar alguma quantia razoável de dólares, e isso certamente não irá acontecer nos próximos cem anos, quem sabe?

 

Entre outras razões para a defesa da divulgação da poesia em jornais: atingir mais pessoas, chegar ao público jovem. Mas, incrivelmente, na discussão não apareceu o mais óbvio dos fatos. A circulação de jornais tem diminuído há mais de dez anos de forma significativa. O público jovem, na faixa dos 15 anos, não lê mais jornal. Aliás, empresários americanos investem já há algum tempo em tentativas para a renovação do público, com novas editorias ("economia para adolescentes", por exemplo), novos formatos (tablóides, edições grampeadas), sem grande sucesso. Outro fato é que os jovens procuram informação de outras formas.  Celular, internet, programas de mensagem instantânea, blogs, comunidades, games, sites.

 

O jornal acabou. Não existe mais ("Who killed the newspapers?", se perguntavam os editors do The Economist, em setembro). O que existe é um espectro do que era uma mídia bem resolvida há, talvez, trinta anos. Mas os empresários ainda não sabem o que fazer, já que o modelo de negócio ainda funciona, em parte, porque os leitores de jornais que sobreviveram (e ainda estão vivos) são os que decidem as grandes compras na família (carros, eletrodomésticos), e por isso a publicidade ainda vale alguma coisa nessa mídia. Se isso é bom ou ruim é outra história; mas, de novo, o fato é que a internet, que não é só uma mídia, mas uma esfera de convivência, é o meio que divulga poesia, hoje, em grande escala.

 

Salvo discussões de inclusão digital e democracia virtual (problemas que vêm à reboque na internet), quem sabe procurar, acha. Angélica Freitas, que agora é a poeta mais citada em mesas de discussão como uma poeta nova, escreve na rede (o "Tome uma xícara de chá", http://loop.blogspot.com) desde 2001. Lá se vão cinco anos de publicação, que contribuíram para que ela viesse, com qualidade, a publicar em revistas, livros e participar de festivais internacionais.

 

Quem é que legitima um poema, que faz o poema existir? O leitor ou o papel? O leitor ou o livro?

 

Sim, a internet tem um papel importante na divulgação da poesia. Se não fosse a rede, eu não conheceria a Francieli Spohr, que escreveu no extinto blog Algaravária (http://algaravaria.blogspot.com/), citada pelo Paulo Scott na mesma mesa da Balada Literária. Interessante que o Paulo, um escritor legitimado, publicado por uma grande editora, traga à baila uma poeta que até agora publica somente na internet. Ela também está na revista de poesia Máquina do Mundo (http://www.bestiario.com.br/maquinadomundo/ed5/francieli.htm). Paulo e Francieli podem até ser lidos lado a lado, ambos com poéticas inusitadas, "estranhas", "insólitas", como disse Scott.

 

Tive a oportunidade de ter um breve contato virtual com Francieli durante minha participação no Algaravária e posso dizer que ela é um exemplo de que a internet ajuda a divulgar a poesia não somente de quem quer escrever, mas de quem precisa escrever. Porque se não tivéssemos que escrever por algum motivo obscuro, por que não gastaríamos nosso tempo em algo mais útil e lucrativo? Pelo nobre motivo de que a poesia é sublime?

 

Me parece que os poetas, assim como os empresários da comunicação impressa, precisam aprender uma lição de sobrevivência do século XXI: pensar em conteúdo sem papel. E aí, talvez, os jornais possam voltar a dedicar espaço (será papel?) à poesia.

 

 

Daniela Ramos nasceu em Alegrete (RS) em 1973. Mora em São Paulo desde 1997. É jornalista e professora de novas tecnologias da comunicação. Escreve no blog Caderno V e traduz poemas de Henri Michaux, alguns deles já publicados na Zunái.

 

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Virna Teixeira: a internet representa um espaço democrático e de baixo custo de editoração, visto que é difícil e caro publicar livros de poesia no Brasil (a maior parte dos poetas estreantes e nem tão estreantes assim têm que custear suas edições). As editoras, além disso (com algumas poucas exceções), têm resistência a publicar livros de poesia e tradução, as tiragens são pequenas e a distribuição limitada, atingindo um número pequeno de leitores.

 

A internet significa assim uma forma de acesso a um número maior de leitores de poesia, a um leitor também não especializado e que tem pouco acesso às revistas impressas de poesia contemporânea. Os blogs e revistas literárias eletrônicas têm revelado um número muito maior de leitores do que se imaginava existir. A possibilidade de interação direta com o leitor e com outros poetas (como por exemplo nos blogs) é maior, facilitando o diálogo e uma permeabilidade de contato, embora a discussão ainda seja escassa. É possível também criar espaços coletivos, de afinidades que ignoram, que diluem a distância geográfica.

 

Além disso, a possibilidade de utilização de recursos audiovisuais, a facilidade de acesso de qualquer local ou país que se esteja é muito positiva para a difusão da poesia e para a troca com outros países. Há por exemplo um contato maior hoje com blogs de Portugal, para citar um exemplo. A informação circula mais.

 

Um risco que observo, no entanto, é o da pressa na hora de escrever e publicar os poemas, de "acontecer". O risco também da autodivulgação, da mídia. É preciso tempo, projeto. Acalmar a pressa contemporânea, saber usar de forma reflexiva a internet, que além disso é uma excelente ferramenta de pesquisa.

 

Virna Teixeira nasceu em Fortaleza (CE), em 1971. É autora dos livros de poesia Visita e Distância, ambos publicados pela 7 Letras.

 

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Linaldo Guedes: a internet vem funcionando como um meio poderoso de divulgação da poesia. Tão poderoso que para muitos isso também se torna perigoso. Graças às facilidades do mundo virtual, todo mundo pode construir um blogue e nele espalhar sua pretensa produção poética. Isso tem seu lado negativo, é verdade. Negativo no sentido de disseminar muita coisa de baixa qualidade, sem qualquer critério literário. Mas temos que ser compreensivos. Afinal, no caso dos blogues, não podemos esquecer que eles foram criados como uma espécie de diário on line para jovens e adolescentes. Natural, então, que esses jovens e adolescentes façam na net o que faziam antes em seus cadernos: escrever pensamentos, frases que gostam e, claro, o que consideram poemas. Mas não vejo porque temos que temer isso. Como falei, há apenas uma transferência dos métodos antigos - velhos cadernos - para os atuais - os blogues. Nem todos se acham verdadeiramente poetas e estão ali apenas expondo seus pensamentos.  Além disso, sabemos que o tempo define tudo e que, com certeza, esses "poetas" não irão muito longe além dos blogues. Prefiro ver a parte positiva do que a internet vem fazendo para divulgar a poesia. Muitos poetas vêm conseguindo na net o espaço ideal para divulgar sua produção literária, visto que os problemas de circulação da poesia contemporânea brasileira são cada vez mais absurdos. Além disso, a net aproxima as distâncias. Morando aqui na Paraíba, conhecemos poetas dos mais distantes lugares do Brasil. Lembro que o Encontros de Interrogação, promovido pelo Itaú Cultural em 2004, reuniu uma turma grande de jovens poetas de todas as partes do Brasil. A maioria deles só se conhecia por blogues e por e-mails. Outro ponto positivo da net: a criação de mais e mais sites literários. Temos vários, entre eles a própria Zunái. A net barateia os custos e amplia os acessos. Creio que ela veio para democratizar o acesso à poesia contemporânea. Estávamos precisando disso. Com o tempo poderemos avaliar com mais calma os efeitos negativos desta medida.

 

Linaldo Guedes é poeta e editor da revista Correio das Artes, de João Pessoa (PB).

 

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Diniz A. Gonçalves Júnior: acredito que as mudanças ocorridas com o advento da internet sejam difíceis de mensurar; certamente, ela altera o panorama em todos os campos incluindo a criação e divulgação da poesia, mas, como não tenho uma noção clara dos desdobramentos que virão, prefiro fazer um relato da minha experiência com a  internet.

 

No ano de 2002,  o meu ex-professor , o poeta Omar Khouri  fez o convite  para que eu participasse do  site  Sígnica ( http://signica.vilabol.com.br), um projeto dele junto com alunos do Instituto de Artes da Unesp. Até então, eu não tinha noção das possibilidades do meio digital, mas logo vi que aqueles recursos como animação e som não eram utilizados como adereços, mas funcionavam como parte constitutiva da fatura poética .

 

Meu interesse sobre essas possibilidades aumentaram e foram desaguar em uma participação na Artéria 8 (www.arteria8.net), outro projeto de Omar Khouri em parceria com Fábio Oliveira Nunes e Paulo Miranda. A revista Artéria, que começou em 1974, muda de pele nas suas várias edições, já foi sacola de poemas, caixa de fósforos, fita K-7 e agora se rendia ao espaço digital com a vantagem de poder expandir o número de poetas e ser vista por um número muito maior de visitantes do que as edições impressas com tiragens reduzidas.

 

Em abril de 2004, criei o blog Desmemorias.  No começo, os blogs eram mais comuns entre adolescentes e eram vistos como um espaço destinado a desabafos e questões pessoais. Essa idéia foi alterada  quando os poetas, jornalistas, entre outros, perceberam a liberdade de poder ser editor, poder apresentar sua produção artística, críticas, opiniões, sem depender da aprovação de terceiros, como ocorre em revistas e jornais. Dessa forma ocorre uma saudável descentralização do poder, e só por esse fato já podemos dizer que a internet conseguiu alterar um panorama que  parecia inabalável.

 

 

Diniz A. Gonçalves Júnior escreve semanalmente no blog Desmemorias,  www.desmemorias.zip.net. Tem poemas publicados em nas revistas  Artéria, Zunái, O Casulo, Nóisgrande, Sígnica, A Cigarra e no Suplemento Literário de Minas Gerais. Publicou também críticas de cinema no site Mnemocine.

 

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Sérgio Medeiros: a e-poesia, ou poesia eletrônica, pressupõe um subjétil  (um suporte, uma superfície) que não é material. O subjétil eletrônico permite que a forma se faça e se desfaça, irrequieta. Ensaiar, errar, refazer, tudo isso se torna, no subjétil eletrônico, uma necessidade, e por isso o informe não trai a linguagem do poeta. Forma instável, a e-poesia acolhe o súcubo, a bruxa do acaso, o demônio feminino que desordena a casa ou multiplica os cômodos, abrindo as portas a todas as linguagens. Seguindo a leitura de Derrida (refiro-me ao seu ensaio sobre Artaud, "Enlouquecer o subjétil"), penso que o subjétil eletrônico é aquele que se deixa "atravessar", é maleável, poroso: vai-se alargando, conforme as linguagens pululam. A forma poética o amassa e o estende, infinitamente. O subjétil eletrônico não é um tecido, não "é". Não se pode cortá-lo, fazê-lo em pedaços, mas emendá-lo, infinitamente, ou dobrá-lo sobre si mesmo, sem poder detê-lo. Ele escapa. Essa é a regra da e-poesia, uma poesia escrita/desenhada/falada sobre uma superfície que se esvai, que escapa para todos os lados, arrastando com ela os signos. Se pensarmos o livro eletrônico a partir do seu subjétil, veremos que ele é muito diferente do livro impresso. O subjétil eletrônico não serve de suporte para qualquer poesia - precisa ser poesia "eletrônica", escrita com esse espírito. A maioria dos poetas talvez traia o subjétil eletrônico, usando-o como subjétil material, de papel.

 

Sérgio Medeiros é autor de dois livros de poesia Alongamento (2004) e Mais ou menos do que dois (2001). Ensina literatura na UFSC.

 

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Gilberto Mendonça Teles: na literatura (e possivelmente em todas as artes), o processo de transformação, no sentido do melhor, é inicialmente dialógico, uma tensão entre a visão consagrada  (que predomina) e a que se quer diferente e, para isso, se diz nova, revolucionária. O que resulta dessa "briga" entre o velho e o novo é mesmo um velhonovo ou um novovelho, uma coisa assim  que só com o tempo se deixa distinguir melhor, ganhando às vezes um nome especial no panorama literário. Nesta perspectiva a relação entre Internet e Arte tem de ser, inicialmente, vista levando-se em consideração dois aspectos de uma única questão:  A Internet favorece ou avilta a Arte literária? a)  "A internet favorece"? Penso que sim: ela põe o conhecimento à disposição de maior número de interessados que, facilmente, pode comparar e avaliar os elementos da Arte Poética em todo o mundo. Se o internauta é curioso e está picado pelo desejo de saber, ele acaba adquirindo meios de fazer, de experimentar e de criar o seu objeto literário. b) "A Internet aviltou a Arte Literária"?  Olhada como facilidade e pela ignorância dos que não a conhecem bem, pode-se pensar num possivelmente "aviltamento", no sentido de que a arte não gosta do fácil, pois, como no poema de Drummond, o fácil é o fóssil. Uma possível conclusão é que o talento literário, com Internet ou sem ela, sempre saberá  extrair do novo ou do velho o sumo, a soma e, por isso mesmo, a suma de alguma coisa  original. É o que me ocorreu escrever para você, antes de mergulhar em busca de um sumo qualquer.

 

Gilberto Mendonça Teles é ensaísta e poeta. Teve sua obra poética reunida em Hora Aberta (Ed, Vozes/2003).

 

 

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Tavinho Paes: na função de mídia para simples divulgação e distribuição de material poético, a plataforma da grande rede mundial, por si própria, responde a qualquer questão sobre sua praticidade e eficiência. A proliferação astronômica de blogs e webSites com conteúdos poéticos não só promovem o intercâmbio entre poetas afins e/ou curiosas, como também, em casos específicos, instituem zonas participativas em que grupos constroem, a várias mãos, pequenas antologias digitalizadas, eternamente armazenadas numa dimensão além do tempo e do espaço. A biblioteca vazia que está sendo formada numa galáxia maior e mais elástica do que a via-láctea, nem Alexandria poderia supor que existiria um dia. Nelas, todos têm prateleiras para seus trabalhos e todos têem acesso ao que está arquivado. Só não é grátis porque a porta de entrada é particular. Sobre sua excelência em nosso dia-a-dia, pensemos: nem Cazuza, nem Gláuber Rocha, nem Hélio Oiticica tinham sites ou e-mails; mas, hoje, estão no orkut, no youtube, na wikipedia.. 

 

É claro que a objeção para este fenômeno democrático constrói sua base de tiro no fato de que a ausência total e absoluta da crítica (não sei se vale a pena incluir a auto-crítica neste raciocínio) dá margem para que o binômio qualidade versus quantidade não estabeleça limitações ao que é publicado aos borbotões na web. Revistas de literatura (junto com blogs polêmicas e cultas) figuram entre as melhores opções de navegação na rede, mas, o que nela redunda em abundância são os diários de bordo pessoais falando de amores e namoros que não valem uma lágrima; os gordurosos vômitos espontâneos de reclamantes e/ou provocadores moderninhos ordenhados pelas relíquias da estética retaliadora da escola de Frankfurt (Adorno e seus pares são peças de uma cristaleira dos anos 50); excrementos de simpáticos tagarelas prontos para imprimirem seus profundos eu acho isso e aquilo sobre qualquer coisa (é incrível como a maioria das pessoas só conhecem, dos pronomes, a primeira pessoa do singular). Outros flúidos como estes escorrem sem sangue ou suor num ambiente em que o frio é controlado e qualquer incêndio apagado pelo falta de oxigênio. Grita-se preces carentes de uma divindade para um muro de lamentações surdo e transparente. Não chega a ser o fim do mundo, mas um certo tipo de mundo, com certeza, está indo à galope para o beleléo. Este mundo que se vai, não vai deixar saudades, mas um tesouro de ali-babá: quem advinhar a palavra mágica (senha/password) entra é leva o que puder antes da caverna novamente se fechar...

 

Essa infinita possibilidade de expressão desordenada, no contra-pé do pas-des-deux entre o poeta e seu leitor, concorre para que a produção literária on-line não possa, por-si mesma, impor sua estética polissêmica como farol piscando em código morse mensagens de orientação aos novos navegantes do Mar das Palavras. A tempestade que está ocorrendo nesta latitude é implacável, mas os pingos da chuva não molham ninguém. No meio desta espiral, formada por fractais de versos brancos rimando ao som das ondas, o que aparentemente surge como infinito, por conta das contradições dialéticas envolvidas em seu caldeirão caótico, acaba fazendo escoar pelo ralo dos lugares-comuns todas as liberdades disponíveis. Diga-se, a bem da verdade, que estas liberdades não foram exatamente conquistadas, mas oferecidas num balcão como brinde aos ávidos consumidores neo-liberais que a história esqueceu de contabilizar em suas contas correntes. Digamos que tal contra-senso filosófico tenha tido sua origem na adoção à bangú das bases racionais exibidas pelo iluminismo. Foram estas ferramentas que determinaram as revoluções do século 18 e ainda apertam parafusos no milênio que apenas começou. Fala-se de democracia como uma opção que sempre existiu na história da civilização (embora ela so tenha uns 250 anos, divididos antes e depois de Cristo). Parece que Democracia é uma dieta de urnas, sufrágios, escrutínios... Kant (e suas idéias) está sendo absorvida como autor de manuais de auto-ajuda!

 

Minha avaliação particular, independente das questões teóricas envolvidas, é que a interNet tem um papel fundamental e intransferível para a exposição da produção poética contemporânea, mesmo que este papel esteja restrito à função de ferramenta e que esta ferramenta ainda esteja passando por transformações técnicas cujos resultados mudam diariamente e que, tão cedo, não tendam a chegar a uma conclusão definitiva. Numa perspectiva egípcia, o conteúdo poético do que está sendo veiculado nos algorítimos binários da grande rede, expande-se lateralmente, como uma poça: não há nada na mira da flecha de quem maneja este arco zen. A terceira dimensão, neste pano de fundo, depende das bolhas que podem surgir na superfície inundada, como miasmas ou fantasmas que não nos assustam nem chamam a nossa atenção...

 

O ambiente etéreo e heterodoxo em que a circulação das informações sobre poemas e poetas circulam, desde que os computadores chegaram, ampliou nossas capacidades comunicativas e ofereceu a todos cartões de boas-vindas tão elétricos quanto tomadas. Ao mesmo tempo, a quantidade das informações que recebemos, cheias de e-mails e spams, entupiram o canal de saída do que estava sendo informado em camadas. Na mídia convencional, as portas fechadas pelos interesses políticos e econômicos foram teoricamente arrombadas pelo big-bang cibernético, embora as janelas da ante-sala que nos permitiram entrar ainda mantenham seus poderes de articulação ativos em circuitos sob total controle corporativo. Por mais que se afirmem as possibilidades, ainda estão nos oferecendo apenas um cafézinho e um sofá, na sala de espera...

 

Hoje, qualquer borra-bosta posta suas poesias na web, monta seu grupo de amigos num servidor e atua num segmento em expanção, cujo futuro é o mesmo da galáxia: o big-crunch! Alimentando esta saída de emergência, os vetores do neo-capitalismo, consagrados com o extermínio das utopias socialistas, imprimiram comportamentos sociais cada vez mais egóicos e individualistas, onde o instinto de sobrevivência comunal age na base de cada um por si, todos por mim e o outro que se foda! A vaidade e a soberba disputam com o egoísmo e a usura o trono vazio da monarquia digital. Todo mundo tem seu trabalho, acha alguma coisa sobre qualquer coisa e não quer dividir o que é seu com quem quer que seja mesmo que isso possa multiplicar o que pode vir a ser de todos. Cada ego só tem uma meta: invadir o super-ego dos outros!

 

Para um poeta, o que a interNet colocou no seu campo de visão sensitiva é tematicamente diferente do que Baudelaire viu nos primórdios da idade moderna. O tédio/spleen daquele desenvolvimento impressionante do meio urbano parisiense do século retrasado foi turbinado por virtuoses tecnológicas e se transformou em histeria diante das consecutivas novidades do dia-a-dia. As Flores do Mal, hoje, seriam Flores do Mau e a maldade a que elas estão colorindo (dependendo do monitor, o arco-íris disponível tem mais de 4 milhões de tons)  nada tem a ver com seres humanos: estas flores, by the web: são de plástico. Se não morrem: matam!

 

Para a Poesia Falada (Spoken Words, Rap ou seja lá o nome que estejam dando), diferencial em movimento do que estamos vivenciando, a interNet caiu como uma luva de mão esquerda numa mão direita: a palma da mão, agora, está virada para cima! Os suportes e plataformas disponíveis, ao invés de simples bases de recepção e difusão, tornaram-se contingentes. Poemas podem ser lidos nas telas dos computadores, publicados em arquivos PDF (eBooks), disponibilizados globalmente; mas, a tendência desta nova configuração, é que ela seja dita, falada, recitada... e aí, a web oferece os veículos de som em vários formatos para levar ao ar estas palavras. O poema que se lê passou a ser falado. O ouvido passou a acompanhar o que os olhos vêem. Daí, de forma irreversível e irrefreável, na próxima tendência que se espalha... a voz, a audição e o olhar acabarão se fundindo: não há dúvidas, a poesia do século 21 será irremediavelmente audioVisual!

 

...é nesse sentido, seguindo esse sinal, que meu radar me informa que a interNet é uma dimensão em que a poesia contemporânea dispõe de recursos de escrituração de alta performance. A pedra de Rosetta está à disposição dos rabiscos de todos: os escribas podem usar a tecla SAP no caso de não entenderem o que o outro está dizendo. A poesia visual pode fazer suas variadas informações se movimentarem, interagirem com desejos e comandos do interlocutor. As imagens e sons de um poeta falando seus poemas num boteco carioca podem chegar simultaneamente ao Japão dos hay-kays, à Grécia de Homero, à Rússia de Maiakovsky. O livro do poeta não precisa mais capa-dura: publicado em casa, no Brasil, pode estar no balcão de uma loja na Flórida, ao vivo e à cores, contendo plug-ins em que o leitor pode ouvir sua voz recitando os poemas ou ver sua mise-em-scène num palco improvisado de um restaurante vulgar, numa esquina de sua cidade natal. Isto para não falar que seu leitor anônimo passa a poder dispor de intimidades comunicativas, via e-mail...

 

A globalização é um fenômeno irreversível. Há quem veja em suas conseqüências algo como um retro-vírus pandêmico capaz de contaminar tudo que a vida tem de melhor. Em sã consciência, pode-se até contrariar suas influências, rejeitar suas opções, contestar sua eficiência, escapar de sua abdução; mas é de um cinismo impraticável ignorar a magnitude de sua onipresente interface.

 

Especificamente para a poesia, a interNet pode ser apenas um meio de transporte digital; mas para o poeta, ela é como uma pá para cavar uma cova; uma mágica que faz um tapete voar; uma metralhadora giratória disparando poemas em várias direções; um sonar enviando sinais para reconhecer o que está vivo à sua volta. Quem ainda não caiu na teia, não conhece o segredo da aranha. Quem não está na colméia, não sabe quão doce é o mel (que, aliás, até salgado pode ser). Quem resiste, não existe: assiste sem participar, não vê vista para um mar. No ambiente dessa façanha, por estas e outras...

 

...eu, Tavinho Paes, poeta que nenhum livro teve publicado por nenhuma editora e cujos poemas nunca deixaram de ser lidos e escutados por muita gente, declaro para os devidos fins, a quem interessar possa e em cortesia a quem atenção der: a interNet é minha alavanca e é com ela que movo o mundo no qual minha vida passou a valer o prêmio que minha morte há de me oferecer na hora da passagem orto-molecular!

 

  

 

Tavinho Paes (51) é poeta. Tem mais de 100 publicações independentes, do  mimeógrafo ao computador, realizadas desde 1973. Como compositor, tem mais de 200  registros musicais.  Edita o site www.poemashow.com.br, que serve de apoio ao evento e ao jornal tablóide homônimos.

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