ZUNÁI
EM DEBATE
Qual
é o papel da Internet na divulgação da poesia?
Daniela Osvald Ramos:
Douglas Diegues, poeta, abriu a primeira mesa da tarde na
Balada Literária do dia 21 de outubro (composta por Ademir
Assunção, Ana Rüsche, Nicolas Behr e Paulo Scott) reivindicando
mais espaço nos jornais para a poesia. Seria legítimo que
os grandes jornais brasileiros reservassem uma página para
a poesia, críticas e poemas. Mas há um problema, ou vários.
Poesia não é indústria como cinema, artes plásticas (alguns
artistas brasileiros, como Nuno Altas) e até música erudita,
que às vezes tem seu espaço e algumas estrelas. Para ser um
evento midiático, poesia precisa gerar alguma quantia razoável
de dólares, e isso certamente não irá acontecer nos próximos
cem anos, quem sabe?
Entre
outras razões para a defesa da divulgação da poesia em jornais:
atingir mais pessoas, chegar ao público jovem. Mas, incrivelmente,
na discussão não apareceu o mais óbvio dos fatos. A circulação
de jornais tem diminuído há mais de dez anos de forma significativa.
O público jovem, na faixa dos 15 anos, não lê mais jornal.
Aliás, empresários americanos investem já há algum tempo em
tentativas para a renovação do público, com novas editorias
("economia para adolescentes", por exemplo), novos formatos
(tablóides, edições grampeadas), sem grande sucesso. Outro
fato é que os jovens procuram informação de outras formas.
Celular, internet, programas de mensagem instantânea,
blogs, comunidades, games, sites.
O
jornal acabou. Não existe mais ("Who killed the
newspapers?", se perguntavam os editors do The
Economist, em setembro). O que existe é um espectro do
que era uma mídia bem resolvida há, talvez, trinta anos. Mas
os empresários ainda não sabem o que fazer, já que o modelo
de negócio ainda funciona, em parte, porque os leitores de
jornais que sobreviveram (e ainda estão vivos) são os que
decidem as grandes compras na família (carros, eletrodomésticos),
e por isso a publicidade ainda vale alguma coisa nessa mídia.
Se isso é bom ou ruim é outra história; mas, de novo, o
fato é que a internet, que não é só uma mídia, mas uma
esfera de convivência, é o meio que divulga poesia, hoje, em
grande escala.
Salvo
discussões de inclusão digital e democracia virtual
(problemas que vêm à reboque na internet), quem sabe
procurar, acha. Angélica Freitas, que agora é a poeta mais
citada em mesas de discussão como uma poeta nova, escreve na
rede (o "Tome uma xícara de chá", http://loop.blogspot.com)
desde 2001. Lá se vão cinco anos de publicação, que
contribuíram para que ela viesse, com qualidade, a publicar
em revistas, livros e participar de festivais internacionais.
Quem
é que legitima um poema, que faz o poema existir? O leitor ou
o papel? O leitor ou o livro?
Sim,
a internet tem um papel importante na divulgação da poesia.
Se não fosse a rede, eu não conheceria a Francieli Spohr,
que escreveu no extinto blog Algaravária (http://algaravaria.blogspot.com/),
citada pelo Paulo Scott na mesma mesa da Balada Literária.
Interessante que o Paulo, um escritor legitimado, publicado
por uma grande editora, traga à baila uma poeta que até
agora publica somente na internet. Ela também está na
revista de poesia Máquina
do Mundo (http://www.bestiario.com.br/maquinadomundo/ed5/francieli.htm).
Paulo e Francieli podem até ser lidos lado a lado, ambos com
poéticas inusitadas, "estranhas", "insólitas", como
disse Scott.
Tive
a oportunidade de ter um breve contato virtual com Francieli
durante minha participação no Algaravária e posso dizer que
ela é um exemplo de que a internet ajuda a divulgar a poesia
não somente de quem quer escrever, mas de quem precisa
escrever. Porque se não tivéssemos que escrever por algum
motivo obscuro, por que não gastaríamos nosso tempo em algo
mais útil e lucrativo? Pelo nobre motivo de que a poesia é
sublime?
Me
parece que os poetas, assim como os empresários da comunicação
impressa, precisam aprender uma lição de sobrevivência do século
XXI: pensar em conteúdo sem papel. E aí, talvez, os jornais
possam voltar a dedicar espaço (será papel?) à poesia.
Daniela
Ramos
nasceu em Alegrete (RS) em 1973. Mora em São Paulo desde
1997. É jornalista e professora de novas tecnologias da
comunicação. Escreve no blog Caderno
V e traduz poemas de Henri Michaux, alguns deles já
publicados na Zunái.
*
Virna
Teixeira: a internet representa um espaço democrático
e de baixo custo de editoração, visto que é difícil e caro
publicar livros de poesia no Brasil (a maior parte dos poetas
estreantes e nem tão estreantes assim têm que custear suas
edições). As editoras, além disso (com algumas poucas exceções),
têm resistência a publicar livros de poesia e tradução, as
tiragens são pequenas e a distribuição limitada, atingindo
um número pequeno de leitores.
A
internet significa assim uma forma de acesso a um número
maior de leitores de poesia, a um leitor também não
especializado e que tem pouco acesso às revistas impressas de
poesia contemporânea. Os blogs e revistas literárias eletrônicas
têm revelado um número muito maior de leitores do que se
imaginava existir. A possibilidade de interação direta com o
leitor e com outros poetas (como por exemplo nos blogs) é
maior, facilitando o diálogo e uma permeabilidade de contato,
embora a discussão ainda seja escassa. É possível também
criar espaços coletivos, de afinidades que ignoram, que
diluem a distância geográfica.
Além
disso, a possibilidade de utilização de recursos
audiovisuais, a facilidade de acesso de qualquer local ou país
que se esteja é muito positiva para a difusão da poesia e
para a troca com outros países. Há por exemplo um contato
maior hoje com blogs de Portugal, para citar um exemplo. A
informação circula mais.
Um
risco que observo, no entanto, é o da pressa na hora de
escrever e publicar os poemas, de "acontecer". O risco
também da autodivulgação, da mídia. É preciso tempo,
projeto. Acalmar a pressa contemporânea, saber usar de forma
reflexiva a internet, que além disso é uma excelente
ferramenta de pesquisa.
Virna
Teixeira nasceu em Fortaleza (CE), em 1971. É
autora dos livros de poesia Visita e
Distância, ambos publicados pela 7 Letras.
*
Linaldo
Guedes: a internet vem funcionando como um meio
poderoso de divulgação da poesia. Tão poderoso que para
muitos isso também se torna perigoso. Graças às facilidades
do mundo virtual, todo mundo pode construir um blogue e nele
espalhar sua pretensa produção poética. Isso tem seu lado
negativo, é verdade. Negativo no sentido de disseminar muita
coisa de baixa qualidade, sem qualquer critério literário.
Mas temos que ser compreensivos. Afinal, no caso dos blogues,
não podemos esquecer que eles foram criados como uma espécie
de diário on line
para jovens e adolescentes. Natural, então, que esses jovens
e adolescentes façam na net o que faziam antes em seus
cadernos: escrever pensamentos, frases que gostam e, claro, o
que consideram poemas. Mas não vejo porque temos que temer
isso. Como falei, há apenas uma transferência dos métodos
antigos - velhos cadernos - para os atuais - os blogues.
Nem todos se acham verdadeiramente poetas e estão ali apenas
expondo seus pensamentos.
Além disso, sabemos que o tempo define tudo e que, com
certeza, esses "poetas" não irão muito longe além dos
blogues. Prefiro ver a parte positiva do que a internet vem
fazendo para divulgar a poesia. Muitos poetas vêm conseguindo
na net o espaço ideal para divulgar sua produção literária,
visto que os problemas de circulação da poesia contemporânea
brasileira são cada vez mais absurdos. Além disso, a net
aproxima as distâncias. Morando aqui na Paraíba, conhecemos
poetas dos mais distantes lugares do Brasil. Lembro que o
Encontros de Interrogação, promovido pelo Itaú Cultural em
2004, reuniu uma turma grande de jovens poetas de todas as
partes do Brasil. A maioria deles só se conhecia por blogues
e por e-mails. Outro ponto positivo da net: a criação de
mais e mais sites literários. Temos vários, entre eles a própria
Zunái. A net
barateia os custos e amplia os acessos. Creio que ela veio
para democratizar o acesso à poesia contemporânea. Estávamos
precisando disso. Com o tempo poderemos avaliar com mais calma
os efeitos negativos desta medida.
Linaldo
Guedes
é poeta e editor da revista Correio
das Artes, de João Pessoa (PB).
*
Diniz A. Gonçalves Júnior:
acredito que as mudanças ocorridas com o advento da internet
sejam difíceis de mensurar; certamente, ela altera o panorama
em todos os campos incluindo a criação e divulgação da
poesia, mas, como não tenho uma noção clara dos
desdobramentos que virão, prefiro fazer um relato da minha
experiência com a
internet.
No
ano de 2002,
o meu ex-professor , o poeta Omar Khouri
fez o convite
para que eu participasse do
site
Sígnica ( http://signica.vilabol.com.br),
um projeto dele junto com alunos do Instituto de Artes da
Unesp. Até então, eu não tinha noção das possibilidades
do meio digital, mas logo vi que aqueles recursos como animação
e som não eram utilizados como adereços, mas funcionavam
como parte constitutiva da fatura poética .
Meu
interesse sobre essas possibilidades aumentaram e foram
desaguar em uma participação na Artéria
8 (www.arteria8.net),
outro projeto de Omar Khouri em parceria com Fábio Oliveira
Nunes e Paulo Miranda. A revista Artéria,
que começou em 1974, muda de pele nas suas várias edições,
já foi sacola de poemas, caixa de fósforos, fita K-7 e agora
se rendia ao espaço digital com a vantagem de poder expandir
o número de poetas e ser vista por um número muito maior de
visitantes do que as edições impressas com tiragens
reduzidas.
Em
abril de 2004, criei o blog Desmemorias.
No começo, os blogs eram mais comuns entre
adolescentes e eram vistos como um espaço destinado a
desabafos e questões pessoais. Essa idéia foi alterada
quando os poetas, jornalistas, entre outros, perceberam
a liberdade de poder ser editor, poder apresentar sua produção
artística, críticas, opiniões, sem depender da aprovação
de terceiros, como ocorre em revistas e jornais. Dessa forma
ocorre uma saudável descentralização do poder, e só por
esse fato já podemos dizer que a internet conseguiu alterar
um panorama que
parecia inabalável.
Diniz A. Gonçalves Júnior
escreve semanalmente no blog Desmemorias,
www.desmemorias.zip.net.
Tem poemas publicados em nas revistas
Artéria, Zunái, O Casulo, Nóisgrande,
Sígnica, A Cigarra e no Suplemento
Literário de Minas Gerais. Publicou também críticas de
cinema no site Mnemocine.
*
Sérgio
Medeiros: a e-poesia, ou poesia eletrônica,
pressupõe um subjétil
(um suporte, uma superfície) que não é material. O
subjétil eletrônico permite que a forma se faça e se desfaça,
irrequieta. Ensaiar, errar, refazer, tudo isso se torna, no
subjétil eletrônico, uma necessidade, e por isso o informe não
trai a linguagem do poeta. Forma instável, a e-poesia acolhe
o súcubo, a bruxa do acaso, o demônio feminino que desordena
a casa ou multiplica os cômodos, abrindo as portas a todas as
linguagens. Seguindo a leitura de Derrida (refiro-me ao seu
ensaio sobre Artaud, "Enlouquecer o subjétil"), penso que
o subjétil eletrônico é aquele que se deixa
"atravessar", é maleável, poroso: vai-se alargando,
conforme as linguagens pululam. A forma poética o amassa e o
estende, infinitamente. O subjétil eletrônico não é um
tecido, não "é". Não se pode cortá-lo, fazê-lo em
pedaços, mas emendá-lo, infinitamente, ou dobrá-lo sobre si
mesmo, sem poder detê-lo. Ele escapa. Essa é a regra da
e-poesia, uma poesia escrita/desenhada/falada sobre uma superfície
que se esvai, que escapa para todos os lados, arrastando com
ela os signos. Se pensarmos o livro eletrônico a partir do
seu subjétil, veremos que ele é muito diferente do livro
impresso. O subjétil eletrônico não serve de suporte para
qualquer poesia - precisa ser poesia "eletrônica",
escrita com esse espírito. A maioria dos poetas talvez traia
o subjétil eletrônico, usando-o como subjétil material, de
papel.
Sérgio Medeiros é autor
de dois livros de poesia Alongamento
(2004) e Mais ou menos
do que dois (2001). Ensina literatura na UFSC.
*
Gilberto
Mendonça Teles: na
literatura (e possivelmente em todas as artes), o processo de
transformação, no sentido do melhor, é inicialmente dialógico,
uma tensão entre a visão consagrada (que
predomina) e a que se quer diferente e, para isso, se diz
nova, revolucionária. O que resulta dessa "briga"
entre o velho e o novo é mesmo um velhonovo ou um novovelho,
uma coisa assim que só com o tempo se deixa
distinguir melhor, ganhando às vezes um nome especial no
panorama literário. Nesta perspectiva a relação entre
Internet e Arte tem de ser, inicialmente, vista levando-se em
consideração dois aspectos de uma única questão: A
Internet favorece ou avilta a Arte literária? a) "A
internet favorece"? Penso que sim: ela põe o
conhecimento à disposição de maior número de interessados
que, facilmente, pode comparar e avaliar os elementos da Arte
Poética em todo o mundo. Se o internauta é curioso e está
picado pelo desejo de saber, ele acaba adquirindo meios de
fazer, de experimentar e de criar o seu objeto literário. b)
"A Internet aviltou a Arte Literária"? Olhada
como facilidade e pela ignorância dos que não a conhecem
bem, pode-se pensar num possivelmente "aviltamento",
no sentido de que a arte não gosta do fácil, pois, como no
poema de Drummond, o fácil é o fóssil. Uma possível
conclusão é que o talento literário, com Internet ou sem
ela, sempre saberá extrair do novo ou do velho o
sumo, a soma e, por isso mesmo, a suma de alguma coisa original.
É o que me ocorreu escrever para você, antes de mergulhar em
busca de um sumo qualquer.
Gilberto
Mendonça Teles é ensaísta e poeta. Teve sua obra poética
reunida em Hora Aberta (Ed, Vozes/2003).
*
Tavinho Paes: na
função de mídia para simples divulgação e distribuição
de material poético, a plataforma da grande rede mundial, por
si própria, responde a qualquer questão sobre sua
praticidade e eficiência. A proliferação astronômica de blogs
e webSites com conteúdos poéticos não só promovem o intercâmbio
entre poetas afins e/ou curiosas, como também, em casos específicos,
instituem zonas participativas em que grupos constroem, a várias
mãos, pequenas antologias digitalizadas, eternamente
armazenadas numa dimensão além do tempo e do espaço. A
biblioteca vazia que está sendo formada numa galáxia maior e
mais elástica do que a via-láctea, nem Alexandria poderia
supor que existiria um dia. Nelas, todos têm prateleiras para
seus trabalhos e todos têem acesso ao que está arquivado. Só
não é grátis porque a porta de entrada é particular. Sobre
sua excelência em nosso dia-a-dia, pensemos: nem Cazuza, nem
Gláuber Rocha, nem Hélio Oiticica tinham sites ou e-mails;
mas, hoje, estão no orkut,
no youtube, na wikipedia..
É
claro que a objeção para este fenômeno democrático constrói
sua base de tiro no fato de que a ausência
total e absoluta da crítica (não sei se vale a pena
incluir a auto-crítica neste raciocínio) dá margem para que o binômio
qualidade versus
quantidade não estabeleça limitações ao que é publicado
aos borbotões na web. Revistas de literatura (junto com blogs polêmicas e cultas) figuram entre as melhores opções de
navegação na rede, mas, o que nela redunda em abundância são
os diários de bordo pessoais falando de amores e namoros que
não valem uma lágrima; os gordurosos vômitos espontâneos
de reclamantes e/ou provocadores moderninhos ordenhados pelas
relíquias da estética retaliadora da escola de Frankfurt
(Adorno e seus pares são peças de uma cristaleira dos anos
50); excrementos de simpáticos tagarelas prontos para
imprimirem seus profundos eu
acho isso e aquilo sobre qualquer coisa (é incrível como
a maioria das pessoas só conhecem, dos pronomes, a primeira
pessoa do singular). Outros flúidos como estes escorrem sem
sangue ou suor num ambiente em que o frio é controlado e
qualquer incêndio apagado pelo falta de oxigênio. Grita-se
preces carentes de uma divindade para um muro de lamentações
surdo e transparente. Não chega a ser o fim do mundo, mas um certo
tipo de mundo, com certeza, está indo à galope para o
beleléo. Este mundo que
se vai, não vai deixar saudades, mas um tesouro de
ali-babá: quem advinhar a palavra mágica (senha/password)
entra é leva o que puder antes da caverna novamente se
fechar...
Essa
infinita possibilidade de expressão desordenada, no contra-pé
do pas-des-deux
entre o poeta e seu leitor, concorre para que a produção
literária on-line não
possa, por-si mesma, impor sua estética polissêmica como
farol piscando em código morse mensagens de orientação aos
novos navegantes do Mar das Palavras. A tempestade que está
ocorrendo nesta latitude é implacável, mas os pingos da
chuva não molham ninguém. No meio desta espiral, formada por
fractais de versos brancos rimando ao som das ondas, o que
aparentemente surge como infinito, por conta das contradições
dialéticas envolvidas em seu caldeirão caótico, acaba
fazendo escoar pelo ralo dos lugares-comuns todas as
liberdades disponíveis. Diga-se, a bem da verdade, que estas
liberdades não foram exatamente conquistadas, mas oferecidas
num balcão como brinde aos ávidos consumidores neo-liberais
que a história esqueceu de contabilizar em suas contas
correntes. Digamos que tal contra-senso filosófico tenha tido
sua origem na adoção à bangú das bases racionais exibidas
pelo iluminismo. Foram estas ferramentas que determinaram as
revoluções do século 18 e ainda apertam parafusos no milênio
que apenas começou. Fala-se de democracia
como uma opção que sempre existiu na história da civilização
(embora ela so tenha uns 250 anos, divididos antes e depois de
Cristo). Parece que Democracia é uma dieta de urnas, sufrágios,
escrutínios... Kant (e suas idéias) está sendo absorvida
como autor de manuais de auto-ajuda!
Minha
avaliação particular, independente das questões teóricas
envolvidas, é que a interNet
tem um papel fundamental e intransferível para a exposição
da produção poética contemporânea, mesmo que este papel
esteja restrito à função de ferramenta
e que esta ferramenta
ainda esteja passando por transformações técnicas cujos
resultados mudam diariamente e que, tão cedo, não tendam a
chegar a uma conclusão definitiva. Numa perspectiva egípcia,
o conteúdo poético do que está sendo veiculado nos algorítimos
binários da grande rede, expande-se lateralmente, como uma poça:
não há nada na mira da flecha de quem maneja este arco zen.
A terceira dimensão, neste pano de fundo, depende das bolhas
que podem surgir na superfície inundada, como miasmas ou
fantasmas que não nos assustam nem chamam a nossa atenção...
O
ambiente etéreo e heterodoxo em que a circulação das
informações sobre poemas e poetas circulam, desde que os
computadores chegaram, ampliou nossas capacidades
comunicativas e ofereceu a todos cartões de boas-vindas tão
elétricos quanto tomadas. Ao mesmo tempo, a quantidade das
informações que recebemos, cheias de e-mails
e spams, entupiram o canal de saída do que estava sendo informado em
camadas. Na mídia convencional, as portas fechadas pelos
interesses políticos e econômicos foram teoricamente
arrombadas pelo big-bang cibernético, embora as janelas da ante-sala que nos
permitiram entrar ainda mantenham seus poderes de articulação
ativos em circuitos sob total controle corporativo. Por mais
que se afirmem as possibilidades, ainda estão nos oferecendo
apenas um cafézinho e um sofá, na sala de espera...
Hoje,
qualquer borra-bosta posta suas poesias na web,
monta seu grupo de amigos num servidor e atua num segmento em
expanção, cujo futuro é o mesmo da galáxia: o big-crunch!
Alimentando esta saída de emergência, os vetores do
neo-capitalismo, consagrados com o extermínio das utopias
socialistas, imprimiram comportamentos sociais cada vez mais
egóicos e individualistas, onde o instinto de sobrevivência
comunal age na base de cada um por si, todos por mim e o outro
que se foda! A vaidade e a soberba disputam com o egoísmo e a
usura o trono vazio da monarquia digital. Todo mundo tem seu
trabalho, acha
alguma coisa sobre qualquer coisa e não quer dividir o que é
seu com quem quer que seja mesmo que isso possa multiplicar o
que pode vir a ser de todos. Cada ego só tem uma meta:
invadir o super-ego dos outros!
Para
um poeta, o que a interNet
colocou no seu campo de visão sensitiva é tematicamente
diferente do que Baudelaire viu nos primórdios da idade
moderna. O tédio/spleen
daquele desenvolvimento impressionante do meio urbano
parisiense do século retrasado foi turbinado por virtuoses
tecnológicas e se transformou em histeria diante das
consecutivas novidades do dia-a-dia. As Flores do Mal, hoje, seriam Flores
do Mau e a maldade a que elas estão colorindo (dependendo
do monitor, o arco-íris disponível tem mais de 4 milhões de
tons)
nada tem a ver com seres humanos: estas flores, by
the web: são de plástico. Se não morrem: matam!
Para
a Poesia Falada (Spoken
Words, Rap ou seja lá o nome que estejam dando), diferencial em movimento
do que estamos vivenciando, a interNet
caiu como uma luva de mão esquerda numa mão direita: a palma
da mão, agora, está virada para cima! Os suportes e
plataformas disponíveis, ao invés de simples bases de recepção
e difusão, tornaram-se contingentes. Poemas podem ser lidos
nas telas dos computadores, publicados em arquivos PDF (eBooks),
disponibilizados globalmente; mas, a tendência desta nova
configuração, é que ela seja dita, falada, recitada... e aí, a web oferece os veículos de som em vários formatos para levar ao ar
estas palavras. O poema que se lê passou a ser falado. O
ouvido passou a acompanhar o que os olhos vêem. Daí, de
forma irreversível e irrefreável, na próxima tendência que
se espalha... a voz, a audição e o olhar acabarão se
fundindo: não há dúvidas, a poesia do século 21 será
irremediavelmente audioVisual!
...é
nesse sentido, seguindo esse sinal, que meu radar me informa
que a interNet é
uma dimensão em que a poesia contemporânea dispõe de
recursos de escrituração de alta performance. A pedra de
Rosetta está à disposição dos rabiscos de todos: os
escribas podem usar a tecla SAP no caso de não entenderem o
que o outro está dizendo. A poesia visual pode fazer suas
variadas informações se movimentarem, interagirem com
desejos e comandos do interlocutor. As imagens e sons de um
poeta falando seus poemas num boteco carioca podem chegar
simultaneamente ao Japão dos hay-kays, à Grécia de Homero,
à Rússia de Maiakovsky. O livro do poeta não precisa mais
capa-dura: publicado em casa, no Brasil, pode estar no balcão
de uma loja na Flórida, ao vivo e à cores, contendo plug-ins
em que o leitor pode ouvir sua voz recitando os poemas ou ver
sua mise-em-scène
num palco improvisado de um restaurante vulgar, numa esquina
de sua cidade natal. Isto para não falar que seu leitor anônimo
passa a poder dispor de intimidades comunicativas, via
e-mail...
A
globalização é um fenômeno irreversível. Há quem veja em
suas conseqüências algo como um retro-vírus pandêmico
capaz de contaminar tudo que a vida tem de melhor. Em sã
consciência, pode-se até contrariar suas influências,
rejeitar suas opções, contestar sua eficiência, escapar de
sua abdução; mas é de um cinismo impraticável ignorar a
magnitude de sua onipresente interface.
Especificamente
para a poesia, a interNet
pode ser apenas um meio de transporte digital; mas para o
poeta, ela é como uma pá para cavar uma cova; uma mágica
que faz um tapete voar; uma metralhadora giratória disparando
poemas em várias direções; um sonar enviando sinais para
reconhecer o que está vivo à sua volta. Quem ainda não caiu
na teia, não conhece o segredo da aranha. Quem não está na
colméia, não sabe quão doce é o mel (que, aliás, até
salgado pode ser). Quem resiste, não existe: assiste sem
participar, não vê vista para um mar. No ambiente dessa façanha,
por estas e outras...
...eu, Tavinho Paes,
poeta que nenhum livro teve publicado por nenhuma editora e
cujos poemas nunca deixaram de ser lidos e escutados por muita
gente, declaro para os devidos fins, a quem interessar possa e
em cortesia a quem atenção der: a
interNet é minha
alavanca e é com ela que movo o mundo no qual minha vida
passou a valer o prêmio que minha morte há de me oferecer na
hora da passagem orto-molecular!
Tavinho Paes
(51) é poeta. Tem mais de 100 publicações independentes, do
mimeógrafo ao computador, realizadas desde 1973. Como
compositor, tem mais de 200
registros musicais.
Edita o site www.poemashow.com.br,
que serve de apoio ao evento e ao jornal tablóide homônimos.
|