ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ZUNÁI EM DEBATE

 

O que pode fazer o poder público para incentivar a divulgação da poesia?

Convidados pela revista, seis autores brasileiros escreveram sobre a seguinte questão: O que pode fazer o poder público para incentivar a divulgação da poesia?


Claudio Willer - Por várias vezes, já me manifestei, principalmente em editoriais do jornal O Escritor, da UBE, sobre o que chamo de miserabilismo cultural, a redução de verbas para a cultura, o empobrecimento da nossa administração cultural pública. Promover difusão da poesia é fácil, é só querer e dispor de um mínimo de recursos. Resultados já obtidos mostram que há público e há interesse. Por exemplo, série de palestras e de leituras em agosto do ano passado, patrocinadas pela Secretaria. de Estado da Cultura de São Paulo, sobre centenário de Drummond (UBE e Companhia de Poesia), repercutiram e lotaram o Teatro Sérgio Cardoso. Devia haver algo assim pelo menos uma vez por mês. Era preciso dar continuidade ao que já foi feito de bom. A SEC tinha, por volta de 1990, uma boa programação de oficinas literárias, depois extinta. Por ela passaram poetas que hoje têm prestígio, e lá formaram-se grupos literários. A mesma secretaria, na década de 80, também tinha bons programas de visitas de escritores ao Interior do Estado, além de patrocinar debates e palestras. Idem a Secretaria Municipal da Cultura (de 1993 a 2000 cuidei dessa programação), tivemos dezenas de apresentações públicas de poesia, leituras, cursos etc., além do programa Escritor nas Bibliotecas, incluindo, é claro, bastante poetas, e concursos de poesia falada, freqüentemente lotando auditórios, e com resultados fáceis de aferir e comprovar. É só dar continuidade, não interromper e zerar tudo a cada nova administração. Diante dos problemas que temos em aproveitamento escolar, capacidade de leitura e interpretação de textos, baixo índice de leitura de livros, analfabetismo funcional, etc., tais programações deviam ser consideradas estratégicas, prioridade da administração pública. O Departamento Nacional do Livro da Fundação Biblioteca Nacional precisava ter mais recursos, ampliar e abrir sua atuação. A Revista Poesia Sempre é, a meu ver, equivocada; em vez de uma enorme revista a cada ano ou menos, cara, que depois a própria Biblioteca não consegue distribuir, que se façam mais números de algo com menos páginas. E uma verba para incentivo para todas essas novas revistas - Cacto, Etcetera, Coyote, Sibila, Ácaro, entre outras - que andam saindo. Verbas e programas de compra de livros pelo Ministério da Cultura para bibliotecas de municípios deviam ser ampliados. As verbas do MEC deviam ser mais abertas, menos concentradas, sempre, em uns poucos títulos e um número reduzido de editores, sempre os mesmos. E, principalmente, literatura, em geral, e poesia em especial tinham que ser mais valorizadas no ensino. Repito: tudo isso é fácil. Funciona, como sabe quem participou disso. Por exemplo, agora estou colaborando mais ativamente com município de Santo André, entre outros lugares, e resultados são evidentes, saltam aos olhos. Não fazem porque não querem, por um arraigado conservadorismo cultural e baixo populismo. Muitas administrações municipais gastam em um único show o que sustentaria uma boa programação literária por um ano, e depois vêm dizer que não têm verbas.


Claudio Willer, poeta, ensaísta e tradutor, publicou, entre outros títulos, Jardins da Provocação, Os Dias Circulares e Volta, além de traduções de Lautréamont, Artaud e Ginsberg. É presidente da União Brasileira de Escritores (UBE).


Mauro Faccioni Filho - Geralmente a intromissão do governo em assuntos da criação cultural leva para a conservação e a reação. A poesia é um caso extremo, pois não está encaixada no processo comercial, no processo de troca de valor. Então não há o que o governo possa fazer para a poesia "em si". O que ele pode fazer é propiciar a estrutura comercial, que mal ou bem sustenta a difusão dos poemas, manter-se viva e funcionando. Refiro-me às editoras e as livrarias, especialmente as pequenas. Nesse sentido o governo pode ser um incentivador dessas micro-empresas, criando mecanismos imediatos de fomento de negócios, da mesma forma que se está fazendo com os pequenos produtores rurais, com as pequenas indústrias de base tecnológica etc. Para as editoras deve-se criar programas de compra de percentuais de edições de autores nacionais, para colocação em bibliotecas públicas. Para as livrarias deve haver facilidades fiscais. E para todas devem ser criadas linhas especiais de financiamento. Havendo um fortalecimento de tais estruturas de negócios, haverá maiores facilidades para a difusão da poesia. Problemas relativos à qualidade, seleção, critérios de publicação, e todas as outras coisas que se referem ao valor inerente aos trabalhos, não devem estar sob responsabilidade governamental.

Mauro Faccioni Filho é poeta e crítico literário.


Antônio Mariano - A curto prazo soa um pouco como milagre e é bom não acreditar em milagres vindos do governo, seja qual for o seu matiz ideológico. Depois, é sempre bom não esperar muito. Mecenatos oficiais não resolvem muita coisa e há sempre uma corja de espertos que levam a melhor. Creio, entretanto, que as esferas públicas municipais, estaduais e federais poderiam fazer uma coisa importante, sim, para que a poesia e a arte em geral começasse a chegar mais a seu público: investimento na educação. Sem desprezar a óbvia necessidade da atenção ao profissional da área, uma ação mais efetiva voltada para a formação do leitor seria o primeiro passo. Primeiro o professor, depois o aluno, os dois ao mesmo tempo. Professor que não lê (e esta realidade é patente no país) não pode incentivar o seu alunado neste sentido. Mas isso, como vimos, nos remete à velha valorização de sua categoria. E fico sem responder a pergunta porque tudo tinha que ter começado há vinte anos para que, daqui a mais vinte, pudéssemos colher os frutos. Comecemos por atuar, contribuir, exigir isso agora.

Antônio Mariano é poeta. Publicou os livros O gozo insólito (1991) e Te odeio com doçura (1995).


Sérgio de Castro Pinto - Já publiquei um livro por uma editora de porte: a Civilização Brasileira. Mas se o publiquei, tal se deveu à generosidade de Moacyr Félix e à existência do Instituto Nacional do Livro que, em regime de co-edição, publicava livros à mão cheia. Hoje, porém, torna-se difícil às editoras se mostrarem receptivas à poesia, gênero que sempre reivindicou, em todos os tempos e lugares, um leitor especializado, mais atento à linguagem. Creio que a revitalização do Instituto Nacional do Livro - sanados, naturalmente, os vícios do passado - poderia abrir novas perspectivas para os poetas brasileiros, sobretudo para aqueles nos quais as grandes editoras evitam investir, temendo o malogro comercial. Tenho quase certeza: o regime de co-edição, através do INL, seria a solução para esse impasse.

Sérgio de Castro Pinto é poeta.


Jorge Lúcio de Campos - A curto prazo, não vejo melhor providência que a de subvencionar tanto edições e co-edições de coletâneas quanto eventos que permitissem não só sua divulgação, mas também um amplo debate sobre a literatura brasileira contemporânea e a própria pedagogia do poema. O governo poderia liberar recursos exclusivamente para a edição/co-edição de obras literárias a serem distribuídas (ou, na pior das hipóteses, vendidas nas livrarias a um preço acessível) em bibliotecas, escolas, universidades etc. Uma primeira comissão (suficientemente sensível, representativa, diversificada e dinâmica para atender às diversas tendências e evitar o perigo das panelinhas e apadrinhamentos) se responsabilizaria pela seleção dos autores e uma outra se encarregaria de promover e gerenciar atividades de divulgação de nossa produção atual junto aos vários segmentos da sociedade. Os debates, mesas-redondas, palestras, conferências e oficinas daí resultantes implementariam uma apresentação 'situada' de cada dicção individual relativamente ao panorama geral de nossa literatura (e à cultura contemporânea como um todo) e uma discussão acessível (de caráter inter e transdisciplinar) sobre as diversas possibilidades - com suas respectivas 'defesas' - de concepção-construção do poema, visando o esclarecimento do público acerca de suas potências e ambições no planos histórico e simbólico.


Jorge Lúcio de Campos é poeta, ensaísta e professor de filosofia. Publicou os livros de poesia Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1997) e À maneira negra (1998), além de volumes de ensaios.

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