ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ZUNÁI EM DEBATE

 

Como foi a recepção da poesia clássica japonesa em Portugal?

 

 

 

Zunái: Como aconteceu o seu contato com a cultura japonesa, e em especial com a poesia japonesa? Quais as repercussões desse contato em seu trabalho criativo?

 

Casimiro de Brito: Em 1957, publiquei o meu primeiro livro, Poemas da solidão imperfeita. A crítica foi muito favorável, mas um dos três críticos principais em Portugal disse que a minha poesia era inspirada na poesia de Álvaro de Campos, e que, por isso, tinha muito mérito. Nas primeiras semanas, depois de ler esse texto, o que li agradou-me mas, passado pouco tempo, começou a desagradar-me. Bom ou menos bom o que eu desejava era encontrar a minha originalidade. Em 1958, numa espécie de exílio político (para me libertar do eminente recrutamento para a Guerra Colonial), fui para Londres e freqüentei o Westfield College. Era um curso de verão, organizado pela BBC, e coube-me ficar instalado nos aposentos de um professor de Poesia Oriental. Foi um deslumbramento – estar dentro de uma pequena biblioteca de poesia que eu desconhecia. E os livros de haiku deslumbraram-me. Na Universidade havia alunos de mais de 50 países e, entre eles, uma japonesa. Aproximei-me dela, contei-lhe quem era e ao que vinha: que ela me ajudasse a traduzir alguns daqueles poetas já que algumas das traduções inglesas não me agradavam. Disse-me que sim, e foram semanas, meses de trabalho delicado e quase abençoado; foi uma relação amorosa iluminada pela poesia. Quando regressei a Portugal a minha poesia transformou-se noutro mundo porque não só se desenvolvia na tradução dos famosos mestres japoneses como eu próprio comecei a escrever de outra maneira. O livro intitula-se Telegramas, já “inspirado” na aparente simplicidade da poesia japonesa (e não só).     

 

 

Zunái: Como a cultura japonesa era divulgada em Portugal nessa época? E hoje?

 

Casimiro de Brito: Quase nada, para não dizer nada. Wenceslau de Moraes viveu no Japão grande parte da sua vida mas, quando se lembrou de traduzir alguns haiku, fé-lo terrivelmente (“os anjos são terríveis”, diria Rilke) numa das mais usuais formas poéticas portuguesas: a quadra popular! E, que eu saiba, não houve mais ninguém a ocupar-se amorosa e sistematicamente da poesia japonesa. Isto quando um dos maiores especialistas mundiais do gênero, o prof. Stephen Reckert (professor por esse tempo no King’s College, em Londres), que visitei, tendo feito, com Sophia de Mello Breyner e por influência dele, uma leitura de poesia na Poetry Society. De notar, de passagem, que (salvo erro) a revista de poesia dessa sociedade, a Poetry Review (fundada há mais de cem anos e considerada a mais importante revista de poesia do mundo) só havia publicado, de entre os poetas portugueses, Fernando Pessoa – e que no último número inclui um poema meu, traduzido pelo poeta americano Louis Bourne. De notar ainda, agradecendo, que a revista brasileira Poesia Sempre, da vossa Biblioteca Nacional, dedicou o seu n. 17 (dezembro / 2002), na altura dirigida por Marco Lucchesi, à Poética do Japão e que a parte japonesa da revista foi dirigida por mim e pelo meu colaborador japonês Ban’Ya Natsuishi. Para além de uma antologia de traduções dos melhores poetas japoneses do século XX, contém uma longa entrevista entre mim e o Ban’Ya e um excelente ensaio do prof. Reckert.   

 

 

Zunái: Quais poetas portugueses, em sua opinião, tiveram mais influência da poesia japonesa?

 

Casimiro de Brito: Poucos, ou quase nenhuns (da poesia oriental tout-court sim, a começar pelos dois maiores poetas portugueses depois de Luís de Camões: Camilo Pessanha e Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa). Quase nenhuns mas alguns, claro: um Jorge da Silva Ramos, um Liberto Cruz, um Albano Martins trabalharam com a poesia japonesa. Quanto a mim, estou a falar de uma coisa quase desconhecida: é que, para além de algumas traduções, do renga que “escrevi” com Matsuo Bashô – À sombra de Bashô – e de outro renga que escrevi com o Ban’Ya, Através do ar (em quatro línguas: português, japonês, inglês e francês), publicados em Tóquio – a minha “poesia japonesa”, dividida em dez livros de cem poemas cada, encontra-se quase toda inédita, pois estou a tentar completar mais dois livros de traduções, um de haiku clássicos e outro de haiku contemporâneos. Dentro de dias sairá mais um desses livros, que terei o prazer de te mandar.

 

Devo notar ainda que a edição em Tóquio do Através do ar foi razão para que eu tivesse sido recebido por Michico, a imperatriz do Japão, quando da publicação do livro – numa cena em que recebeu dois poetas estrangeiros e cerca de 50 poetas japoneses e por ocasião de um prêmio atribuído pela embaixada da Suécia a um poeta japonês. E noto ainda, com imenso prazer, que a própria Michico é poeta e acaba de publicar um excelente livro de tanka, esse gênero clássico que deu lugar ao haiku.

 

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