ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ZUNÁI EM DEBATE
 

O CONCEITO DE PÓS-MODERNO AINDA É ATUAL?

 

Jorge Lúcio de Campos: o conceito de pós-moderno não passou de uma encenação proposta por alguns intelectuais para o festejamento da maioria incauta. Ele veio a reboque da neo-orgia contracultural dos anos 60, acenando para uma possibilidade de redenção em um momento deveras delicado - a virada dos anos 70 para os 80 - em que o empobrecimento das relações humanas já não era mais sentido como uma possibilidade remota, e sim como uma ameaça concreta. Em meio à trama fina do tédio, à exacerbação programática do desejo, à busca compensatória do prazer a todo custo e à realidade acachapante dos jogos de excesso, foi-se, infelizmente, percebendo a inviabilidade da "nova reforma" e a fragilidade do que se supunha ser uma saída para os nossos grandes embaraços. Na verdade, ele nunca passou de um ímpeto - por mais remota que fosse a possibilidade de voltar a sonhar, coletivamente ou não, nos termos de agora - para recolorir a realidade, para compensar a falência simbólica em curso no afunilamento (Hipermoderno? Neomoderno? Tardo-moderno?) do projeto pragmático-tecnocêntrico, sem dúvida, conduzido e desdobrado com competência pelos atuais rebentos do pancapitalismo burguês.  

Jorge Lucio de Campos é filósofo e poeta.

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Sérgio Medeiros: na famosa carta de 27 de maio de 1867 ao seu amigo Eugène  Lefébure, Mallarmé afirmou que a sua obra estava sendo escrita por eliminação. A negação estética era a novidade poética do período e teve, como se sabe, grande impacto na arte da primeira metade do século XX. Ou melhor, na arte de todo o século XX. Mallarmé, o Dante da Era Moderna, declarou na referida carta: "A Destruição foi a minha Beatriz." Sou leitor de Mallarmé, poeta que releio continuamente, mas, comprometido que estou com a perspectiva histórica, ouso reformular a frase dele, adequando-a à realidade no nosso tempo: "A Multiplicação é a minha Beatriz."  Acredito que, se devesse definir o meu tempo, o nosso tempo, diria que é o tempo da multiplicação paródica e alucinada, às vezes mecânica e inútil, multiplicação vazia  Não estamos mais sob o domínio da poética da subtração, da eliminação. Por pensar assim, escrevi o livro Multiplicação, ainda inédito, onde reflito poeticamente sobre essa questão, atribuindo a Camões, por exemplo, a autoria do nouveau roman, essa multiplicação exaustiva da descrição. A impossibilidade de representar um sublime irrepresentável acabou levando Mallarmé também ao infinito, à multiplicação. No final do seu famoso poema L'Azur, o poeta reconhece que é impossível dizer o indizível: "Je suis hanté. L'azur! l'Azur! l'Azur! l'Azur!" Na tradução desse poema sobre o sublime moderno e inumano, Augusto de Campos escreveu simplesmente, assumindo a multiplicação pós-moderna: "O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul!" Isso daí não é Mallarmé, isso daí somos nós, que multiplicamos o mundo e a linguagem, apelando ao seis, ao sete etc. Para Mallarmé, o infinito estava no quatro, bastava o seu poema repetir uma palavra quatro vezes para tudo cair no desespero, no deserto moderno (cf. Pierre Zima). O poeta impotente e mudo, ou quase mudo, ia assim além do três, o número sagrado, a contagem bíblica. O pós-moderno, para mim, está resumido nesse verso de Mallarmé, infinito, que Augusto de Campos, nosso irmão mais velho, mais exagerado e dionisíaco do que todos nós juntos, transformou num infinito paródico, mecânico, algo tonto, risível: azul, azul, azul, azul etc. Mallarmé não poderia dizer isso, nós podemos e ficamos balbuciando essas sílabas...

Sérgio Medeiros é poeta, tradutor e professor de literatura na UFSC

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José Aloise Bahia: uma pergunta espinhosa, que gera dúvidas em muitas pessoas, mas tentarei ser breve na resposta. Neste calor incessante (o clima da Terra está mudando, trata-se de um novo paradigma/acontecimento importante), nas dobras e desdobramentos da atualidade, vejo o termo Contemporaneidades como o mais consistente. Contemporaneidades, no plural. Pois as marcas - talvez um certo esgotamento e não o fim - da modernidade ainda estão presentes de maneiras múltiplas e híbridas na atualidade: convivemos com outras visões de mundo e "quase tudo" é noticiado em escala internacional. Ou seja, "quase tudo" hoje em dia está contaminado/intermediado por uma almagamação sem igual, sejam de culturas, meios de transmissões etc. O Oriente e o Ocidente se misturam sem cessar, e os Pólos estão descongelando. Eis o contexto resumido: a informação está mais rápida a cada dia ("quase todos" têm acesso a algum tipo de informação e o analfabetismo está diminuindo mundo afora. A fome e a guerra, não), o capitalismo globalizado cria os seus blocos econômicos de nações no campo comercial/financeiro, observamos uma contínua sinestesia das artes (semelhante ao que aconteceu no final do Impressionismo e que influenciou o Modernismo. Logo em seguida, Duchamp colocou as artes plásticas numa espécie de "sinuca de bico", que perdura até hoje), explosão da virtualidade e hipervisibilidade, um(a) constante mix/mistura dos gêneros e escolas literárias, preocupações com as questões da ecologia e do aquecimento da Terra, avanços tecnológicos na exploração do universo, fomentações de inter/multi/disciplinaridades nas ciências em geral, expansão do consumo e da reprodutibilidade, crise da razão proposital (tem filósofo que discorda), fragmentação dos discursos etc. Traduzindo, numa escala macro: na minha opinião, ainda vivemos uma extensão da modernidade. Tudo isso para dizer que não uso e compactuo com o termo ou alcunha "Pós-moderno" como oposição à Modernidade. Pois mesmo com o silêncio das vanguardas, ainda não vi uma grande "ruptura" que caracteriza e dá nomes aos bois: ou seja, a humanidade, parte dos seus cientistas e pensadores ainda não deram um atestado científico e o status pertinente sobre o conceito em voga (existem pensadores que utilizam o termo "Pós-moderno" mais para criticá-lo do que a apropriação e a confirmação deste). Conseqüentemente, também ainda não vi algo que distingue e concretize uma certa superação da "Razão da Modernidade" (e olha que isso vem lá do passado, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, que batizam a Idade Contemporânea), pois volto a reiterar: a modernidade ainda está em expansão, desdobra-se numa condição de contemporaneidades. Pra finalizar, vejo o termo "Pós-Moderno" como uma certa conveniência. Este "Pós", portanto, pouco significa. No lugar do termo "Pós-moderno" usaria outro termo: "Contemporaneidades". Ou, talvez os dois termos se equivaleriam... Ainda temos muitas dúvidas se de fato a "Modernidade" foi superada, mesmo observando que a "Razão Moderna" e a "Razão Contemporânea" não conseguem suprir todas as necessidades de explicações e esclarecimentos que as Contemporaneidades demandam...

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, pesquisador e escritor.  Autor de Pavios Curtos (anomelivros, 2004). Participa da antologia O Achamento de Portugal (anomelivros, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos. Autor de Em Linha Direta (dissertação, no prelo). josealoise@terra.com.br

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Gilberto Mendonça Teles: Não só a literatura, mas toda a produção artística latino-americana (povos de língua hispânica, portuguesa e francesa) está hoje sujeita a uma pluralidade de processos de análise e de interpretação, de  verificação e de confirmação da identidade política e cultural de cada país.  Uma "identidade"  problemática, que se volta para "dentro" de sua cultura "autóctone" e que,  ao mesmo tempo,  se abre para "fora", para o transnacional, para o globalismo que se vai impondo e motivando, pelo computador e pela internet, o aparecimento de novas formas de conhecimento, de pensamento e de ação. Neste sentido é que se pode falar nas três faces ou três modelos de interpretação cultural na atualidade.  O primeiro - o mais comum nos trabalhos universitários - parte do acervo de métodos e critérios, se não tradicionais, pelo menos divulgados e experimentados ao longo do século XX, sob o primado da modernidade. É o modelo que se fez e se aprimorou através do longo debate entre as formas literárias do século XIX e as  propostas artísticas das vanguarda européias, que começaram a ser introduzidas na América a partir de 1909, no mesmo ano do primeiro manifesto futurista, de Marinetti, conforme mostramos em Vanguardias latino-americanas[1]. Por intermédio deste modelo os estudiosos se valeram e ainda se valem da  "antropofagia", da "deglutição" das técnicas estrangeiras a fim de com elas trabalhar artisticamente a matéria nacional. Isto explica o diálogo cultural entre o nacional e o internacional, entre o regional e o universal, entre o mesmo metropolitano em face do outro colonial [mais tarde se inverterá a perspectiva: o mesmo será o colonial;  e o outro, a metrópole],  enfim, entre a Europa e a América Latina, num processo comparatista que, dadas as suas inúmeras possibilidades de aplicação, ainda está longe de se esgotar nas teses e nos estudos de arte e de literatura nos países latino-americanos.

O segundo modelo - que vai ganhando adeptos entre os mais novos e se fazendo presente na linguagem universitária - nasce da evolução, da extensão, da repetição,  da exaustão e  da própria transformação da modernidade do século XX e, claro, de seus estudiosos, que não se contentam com os critérios vistos como tradicionais e se lançam em busca da "originalidade" de ver o já visto, melhor, de revalorizar o que havia ficado à margem da produção modernista. Parecem mais preocupados com a adoção de modelos novos e estrangeiros do que com o próprio sentido de identidade nacional. Surge daí o que se poderia denominar de crise epistêmica da modernidade, ou, melhor dizendo, da "pós-modernidade" que tem motivado muitas análises inadequadas e apressadas, mais teóricas que fundadas em práticas e exemplos indiscutíveis da cultura brasileira, por exemplo. O interessante é que essa "onda" de estudos, geralmente na universidade, é paralela à crise do sistema universitário brasileiro, em que a pesquisa se vai tornando cada vez mais livresca, sobretudo na área de Letras. Tem sido mais  "fácil"  valer-se de modelos "enlatados" e aplicá-los indistintamente do que realmente criar um método especial ou pensar e repensar a matéria nacional à luz de uma nova metodologia crítica. Os escritores retomam temas e técnicas que não foram totalmente exploradas pelas gerações anteriores, mas que estavam nas propostas modernistas. E vêm os estudiosos e "descobrem" aí  temas e formas "novas" e as redenomimam  de pós-modernas, espécie de palavra-mágica que dá o tom de atualidade à maioria dos estudos universitários dos últimos dez anos, no Brasil.

O terceiro modelo - o mais radical e inteiramente dentro da moda da vanguarda cibernética - parece ser, não a síntese dialética dos modelos anteriores, mas a consciência totalitária da semiótica da máquina, do fétiche  do novo no terceiro milênio, a convicção apressada de que tudo mudará com o computador,  com  a  internet, com o novo espaço do site,  e com o sentido virtual na utopia da Web. Escudado na simultaneidade do olhar que se volta ao mesmo tempo para "dentro" (nacional) e para "fora" (transnacional), este modelo abre-se  para o centro e para as margens e fronteiras, aspira ao nacional mas teme perder a barca da globalização. Mas não houve tempo para se dar conta de que a substância cultural continua à espera de pesquisas, comparações e interpretações que podem vir de qualquer um desses modelos, sobretudo do grande auxílio da cybercultura. Embora se fale na morte do livro (como se falou outrora na morte de Deus e da Poesia ou como no filme de Truffaut sobre o Farenheit 451, de Ray Bradmury),  o melhor ainda é pensar que toda a parafernália cibernética vai-se pôr tranqüilamente a serviço do homem para auxiliá-lo na sua tarefa de estudar a vida,  o mundo e, por aí, a cultura latino-americana.

 

[1] TELES, Gilberto Mendonça e MÜLLER-BERGH, Klaus. Vanguardiias latino-americanas, tomo I: México y América Central. Madrid: Iberoamericana, 2000. p. 27 a 31.

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[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]