ZUNÁI
EM DEBATE
Por que editar uma revista literária
hoje?
Claudio
Willer:
Ao longo
dos últimos anos, houve um crescimento na quantidade e qualidade
das revistas literárias brasileiras, bem como de suplementos
e jornais igualmente dedicados à poesia, narrativa em prosa
e crítica. Isso, focalizando apenas aquelas impressas. Eletrônicas,
então, nem falar. Lembro-me de que, na primeira metade da
década de 1990, depois do fechamento de Leia, o Brasil
parecia um deserto de periódicos literários. Algo deprimente,
se comparado à quantidade de periódicos literários do México
ou da Argentina, entre outros lugares. O panorama começou
a mudar com a criação de Cult, se não
me engano em 1996. Mesmo assim, ao preparar em 1998 um encontro
de periódicos literários ibero-americanos, coordenado por
Horácio Costa, de brasileiros não havia quase ninguém para
convidar. Desde então, houve um salto - em 2000, na minha
última iniciativa pela Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo, foi possível fazer um ciclo de várias sessões com
organizadores dessas revistas e poetas convidados por eles,
reunindo as publicações tradicionais, como o Suplemento de Minas
Gerais e a Revista de Poesia de São
Paulo, e as novidades, como Medusa e Babel. No ano
seguinte, 2001, fui convidado pelo Instituto Goethe para organizar
outro ciclo desses. Sobraram periódicos. Os convidados foram:
Cult, Inimigo Rumor e Ficções, Azougue, Babel,
Literatura - Revista
do Escritor Brasileiro, Rascunho,
Cadernos de Literatura Brasileira;
Suplemento Literário
- MG, Orobó, Linguagem
Viva, Cigarra. A maioria prossegue. E vieram outras. Há Coyote, Etcetera,
Ácaro, Cacto,
entre outras. Mais ou menos na faixa de Cult,
apareceram Entrelivros
e Discutindo Literatura.
Se voltasse a atuar
em instituições ou órgãos culturais, faria uma exposição permanente
dessas revistas. Compensam a redução do espaço para literatura
no que restou da grande imprensa, jornais e revistas. Corrigem
um certo burocratismo da crítica universitária. Por isso, aumentou sua importância
como meio de formação do gosto dos leitores e divulgação de
autores. Claro que refletem, sempre, um sistema de relações,
algo semelhante às paróquias e confrarias; e a adesão em maior
ou menor grau, mais ou menos explícita, a uma poética, uma
escala de valores literários. Mas isso é compensado pela diversidade,
e pela conseqüente pluralidade. Por isso, espera-se que prossigam,
que recebam mais apoio, mais subvenções e patrocínios, que
sejam adquiridas pro redes de bibliotecas públicas e instituições
de ensino. E que continuem a ser tema de debates, cada vez
mais passionais.
Isso, quanto ao panorama atual. Houve épocas mais heróicas;
por exemplo, quando colaborava em Versus, preparando
uma seção de poesia. Era em plena década de 1970 - estávamos
em plena trincheira, regime militar de um lado, militâncias
mais sectárias de outro. Outra hora, falarei desse período.
Claudio
Willer, poeta,
tradutor e ensaísta, é autor de Extrañas Experiencias (poesia,
2004), entre outros títulos.
*
Ademir
Demarchi: Para falar com otimismo de literatura no Brasil e da idéia de que haja um sistema
literário, onde se pudesse inserir uma revista literária,
assim como escritores, livros etc é imprescindível que, em
vez de nos fantasiarmos de escritores, nos fantasiemos antes
de personagens livrescos, mais apropriadamente quixotescos,
de forma a acreditar nesses moinhos de vento e em suas idealizações
fantasiosas, que nos façam, acreditando, afirmar que "somos
escritores", "existem
revistas literárias", "os
livros estão sendo editados e estão sendo distribuídos",
"estamos sendo
lidos", etc. Isso porque vivemos num país que se
caracteriza mais por efemérides do que por políticas de mudança
e é por isso que se realiza anualmente aqui um interminável
"Dia Nacional da Alfabetização", que acabou de ocorrer na
primeira semana deste mês de setembro de 2005, cuja aparente
principal função de ensinar a ler e estimular a leitura é
sempre ofuscada pela ironia maior de divulgar dados sobre
alfabetização que legitimam sua infinita continuidade e gastos
públicos que não levam a mudança alguma, daí a inevitável
lembrança que se tem que fazer do ótimo e também irônico filme
de Sérgio Bianchi, "Quanto vale ou é por quilo?", aplicável
a mais esse setor da vida nacional.
Os dados divulgados portanto nesse
último Dia Nacional de Alfabetização, que compõem o 5.º Indicador
Nacional de Analfabetismo Funcional nos dão o caminho inicial
da iluminação do que seja nosso sistema literário. Segundo
esses dados, 7% da população brasileira são de analfabetos
e 68% são de analfabetos funcionais, ou seja, aqueles que
sabem ler e escrever mas não conseguem interpretar o que estão
lendo ou escrevendo, incapazes, portanto, de ler um livro.
Somados esses dois índices, analfabetos
reais e analfabetos funcionais, temos o resultado cruel de
que 75% da população brasileira não fazem parte do mundinho
em que tentamos fincar os pés lidando com livros - ou seja,
para esses 75%, cerca de 137 milhões de habitantes, o livro
nada significa.
A experiência de ouvir o gaguejo
de se ler sílaba por sílaba feito por um porteiro "alfabetizado"
no prédio em que moro me mostrou exatamente o que é isso:
um preâmbulo que não chega e nunca chegará ao livro. Além,
evidentemente, da constatação de que é raro ver alguém lendo
e que o que se vê são as pessoas lendo certamente o único
livro que alcança essa população, a bíblia. E, nela, o trecho
mais lido parece ser o do apocalipse, que serve para justificar
a própria filiação à religião, como caminho à salvação e o
encontro de um prazer sadomasoquista de se ficar imaginando
a finitude ou que tudo vai acabar mesmo e que o fim já começou,
como disse o porteiro, nas tsunamis e furacões pelo mundo
e até aqui no nosso quintal, na última ressaca que derrubou
muretas na Ponta da Praia em Santos...
A população plenamente alfabetizada,
portanto, é de apenas 1/4 ou 25% do total de 183 milhões de
habitantes segundo estimativa do IBGE em janeiro deste ano,
exposta no site do Governo Federal.
O número de alfabetizados representa,
assim, um universo de apenas 45 milhões de pessoas. Pareceria
um número até razoável para nos alegrarmos e termos a fantasia
de que pelo menos seria esse o mercado de consumidores de
livros, se todos, claro, consumissem livros, o que não é verdade,
e se não soubéssemos também que as edições de livros no Brasil,
quando as há, são em regra de mil exemplares, passando disso
apenas os escritores que já têm alguma visibilidade no mercado,
depois de anos e anos e títulos publicados ou de janela em
jornal, ou fazendo estripulias para chamar a atenção.
Um exemplo típico disso é Bernardo
Carvalho, que escreve na Folha
de S. Paulo, tem vários livros publicados, relativamente
vende mais fora do Brasil que aqui e cujo livro Mongólia
vendeu até o fim do ano passado (2004) no Brasil 6 mil exemplares,
depois de indicações para grandes prêmios literários e com
grande exposição de mídia, além, claro, de um certo apelo
ao gosto do consumidor, que é ávido por culturas estranhas
neste quase previsível e globalizado mundo urbano que vivemos.
Se para Bernardo Carvalho se dá o luxo de estar em apenas
uma editora, para a grande maioria ou quase totalidade de
escritores o que há é a realidade de a cada novo livro buscar
nova editora, isso no âmbito da ficção, que afinal vende mais,
pois se formos falar de poesia a coisa é muito pior.
No campo das estrepulias tivemos
o notório caso de Hilda Hilst, que se cansou de buscar uma
editora decente para dar a devida atenção ao seu trabalho,
um sucesso de crítica, e passou a publicar livros escrachados
e tendenciosamente eróticos para chamar a atenção do público,
porém só foi conseguir uma edição decente dos seus trabalhos
depois que morreu, quando a editora Globo a incorporou, ou
seja, quando não precisava mais.
Mais recentemente temos assistido
a lances de marketing em blogues desbocados como o de Clara
Averbuck, que gerou um livro que vendeu bem por seu caráter
apelativo, ou a adoção de rótulos como aqueles incorporados
por Nelson de Oliveira para alavancar um significativo grupo
de escritores, a tão falada "Geração 90" e "Os transgressores".
Cabe aqui também uma nota ao trabalho
de marketing admirável que faz Marcelino Freire, abrindo brechas
no mercado através da criação de livros como Os
Cem menores contos,
que tripudiou um livrão oportunistamente comercial da Editora
Objetiva, Os cem melhores contos do século, um livro de qualidades, certamente,
mas produto típico de editora comercial, agora vendida a um
grupo estrangeiro, denotando outra tendência do mercado.
Sintoma desse estado de coisas, quanto
a essa nova fase da editora e desse grupo, pode se dizer que
inauguram sua presença no Brasil com o aumento da apelação,
como a edição do livro A entrega - memórias eróticas,
da bailarina Tony Bentley, que fez
com que ela, enfim, "chegasse ao topo" - como nos diz Carla
Rodrigues ao entrevistá-la no site No Mínimo -
com "um
relato pessoal sobre a opção preferencial pela prática de
sexo anal",
que
Bentley diz ser "Um
ato de submissão espiritual", denotando de novo que mais alguém
parece ter vislumbrado o apocalipse...
Mas voltemos a tentar definir o que
seja esse fantasioso "mercado" de 45 milhões de letrados -
basta dizer que os autores mais vendidos como Paulo Coelho
ou Fernando Morais mal conseguem vender uma tiragem de um título que chegue a 1% desse
público, ou seja, 450 mil exemplares, proeza só conseguida
por dicionário como o Aurélio, depois de mais de uma década
de vendas e apoios de compras governamentais para distribuição
a escolares. Ou seja, o público consumidor de livros no Brasil
é muito pequeno e arrisco dizer que não chega nem a um milhão
de pessoas, ou seja, 0,5% de toda a população.
Num diagnóstico feito pelo BNDES,
publicado em A Economia
da cadeia produtiva do livro, feito por Fábio Sá Earp
e George Kornis (disponível no site do BNDES na forma de e-book,
publicado neste ano de 2005), constata-se que o que temos
hoje é "uma imensa diversidade da oferta de títulos e a dispersão
dos leitores possivelmente interessados em cada um", caracterizando
uma grande quantidade de editoras, um grande número de títulos,
um grande número de escritores, versus um pequeno mercado
de livrarias e, na ponta final, um pequeníssimo número de
leitores.
Esse diagnóstico feito pelo BNDES
aponta com ressalvas a existência de cerca de 1.500 livrarias
no país, o que parece ser um número por demais inchado pois,
segundo o próprio relatório, o levantamento não é confiável,
uma vez que muitas lojas têm registro como livraria mas vendem
de tudo, sendo os livros um acessório. Quanto a esse aspecto
das livrarias ainda é interessante notar que dessas possíveis
1.500 livrarias, 2/3 delas, ou seja, mil, estão na região
Sudeste, no famoso eixo Rio/São Paulo, incluindo Minas Gerais
e 500 delas no restante do país. A pesquisa, talvez num ponto
mais realista, aponta que 90%
dos municípios brasileiros não têm livrarias e há até
indicações de que o número está diminuindo.
A análise do BNDES paradoxalmente
conclui que "O problema fundamental do editor não é colocar
o seu produto no mercado, mas encontrar o leitor certo para
cada um de seus títulos. O problema fundamental do consumidor
é encontrar os livros que o interessam em meio à multiplicidade
de títulos produzidos. Juntando a oferta fácil com a demanda
difícil, temos de fazer com que os editores e os compradores
de livros se encontrem mutuamente. Há um risco crônico de
superprodução. É por isso que o problema do livro é, acima
de tudo, de distribuição, que depende, sobretudo, de informação
- que é ainda mais importante em uma sociedade (que se pretende)
da informação".
Constata-se, portanto, que o mercado
é neste país um bicho de sete cabeças, necessariamente vinculado
à questão da informação ou formação, e que haveria que se
construí-lo, o que é uma missão desde sempre ilusória que
já tomou tempo de muitos intelectuais deste país em eterna
formação - de um Monteiro Lobato aos modernistas ou, num caso
ainda mais curioso, de Otto Maria Carpeaux que, nos anos 40,
no Suplemento Letras
& Artes do jornal A
Manhã, assumiu a missão iluminista
de tentar formar leitores publicando uma coluna que se chamava
sugestivamente de "A arte explicada ao povo". Quem se meteria
hoje em sã consciência a conceber algo como "A poesia explicada
ao povo?"
Diante disso tudo, por que publicar
uma revista?
Publicar uma revista parece tratar-se
de algo mesmo irrelevante, sobretudo se considerarmos que
uma revista como a Babel
teve tiragem de 1.000 (1ª edição) 400 (2ª a 5ª edições) e
500 exemplares (6ª edição). Mas e daí? Mais radical era o
poeta Sérgio Rubens Sossélla, que se aposentou como juiz e
morou no interior do Paraná, em Paranavaí, onde publicou cerca
de 300 livros, todos com tiragens que iam de 10 a 30 exemplares,
que ele já achava demais, pois usava para sua poesia a prática
judiciária que considera que basta um exemplar enviado a alguém
ou colocado numa biblioteca para "tornar público".
Não importa, assim, a quantidade,
mas a qualidade do que se publica ou faz. Uma revista como
a Babel não tem qualquer vínculo com o mercado ou grupo editorial, sendo
apenas o ato concreto da vontade de algumas pessoas que escrevem
e têm nisso um veículo de experimentação, de expressão de
leituras, de reflexão sobre suas próprias escritas na medida
em que se confrontam com outras e dialogam com um número de
leitores possível a uma publicação especializada.
Aquele impulso iluminista de Carpeaux,
portanto, hoje é incabível a um escritor, sendo bem resolvido
por publicações comerciais eficientes e objetivas como Entrelivros
e Cult, entre outras,
que buscam a informação e formação de um público leitor.
Revistas de escritores, como a Babel,
são projéteis, geringonças experimentais
que têm a função de ignorar a lógica
para propor outras concepções de pensamento,
trazer à luz o esquecido, enfatizar o desprezado, situar-se
deliberadamente à margem para buscar a inovação
ou o diferente em relação ao que se tem como
regra corrente. Se a clareza dos tempos que vivemos nos diz
que não é possível mais uma vanguarda,
entretanto ela mesma, essa clareza, nos ensina que, não
sendo possível o novo pelo novo, é possível
mudar o foco em relação ao que existe, na medida
mesma em que, como uma câmera, se dirija o olhar para
outro ponto oculto como uma ferida que anuncia a morte paradoxal
desse sistema que se combate o tempo todo, porém infindável
na mesma medida em que se renova em sua onipotência
econômica.
Se
a ação pedagógica parece uma impensável hoje, no entanto há
uma luta constante para se existir, vislumbrar um esboço de
pensamento e sobreviver num tal estado de coisas cuja maior
função é dizimar a cultura, submeter à miséria. Num ensaio
recente Nelson de Oliveira dizia o seguinte sobre essa luta
constante que fazem os escritoes:
"A boa propaganda duela com armas brancas, sempre.
É ela que leva os escritores da "geração 90" a ler
seus textos em praças e escolas, organizar saraus, criar revistas
e blogs, falar de literatura 24h por dia e muitas vezes pagar
do bolso a edição de um livro. O
livro pronto, recomeça a batalha: enviá-lo a críticos, jornalistas
e outros escritores, insistir para que os livreiros o aceitem
nas livrarias. Por que essa trabalheira? Porque acreditam
que estão escrevendo a melhor literatura do planeta. E muitos
estão. Todo esse movimento é sinal de vida literária, de sangue
correndo no corpo. Tudo isso bate de frente com a literatura
de gabinete, voltada apenas para o cânone e distante do corre-corre
cotidiano, postura aristocrática".
Por isso creio que um país tão complicado
econômica e socialmente como este, com uma sociedade empobrecida,
vazada por corrupção e com hordas de famintos e analfabetos,
tem exigido um encontro dele mesmo com a realidade e por isso
tem gerado uma forte resposta nos últimos anos em várias áreas,
como em filmes como Cidade
de Deus, de Fernando Meireles, 16060,
dos irmãos Mainardi ou Cronicamente
Inviável e Quanto
vale ou é por quilo, de Sérgio Bianchi, mas sobretudo
na ficção, com livros que partem de um realismo naturalista
e de denúncia social, ou senão explicitamente isso, de insatisfação
com a sociedade, expresso nas ficções de Marcelino Freire,
Marçal Aquino, Fernando Bonassi, Paulo Lins, Luiz Ruffato,
Marcelo Mirisola, Joca Reiners Terron e tantos outros, que
também chega em menos casos à poesia, mas com
intensidade como em Zona
Branca, de Ademir Assunção, ou na poética crítica e irônica
de Glauco Mattoso.
Publicar revista, assim, é criar
focos de resistência e de reflexão sobre esse estado de coisas
que, no que se refere à literatura, passa longe dos jornalões
e revistas comerciais.
Como escritores, mesmo que fantasiosamente
vivendo neste farsante mercado somente podemos dizer com Schopenhauer,
com o devido crédito ao Nélson de Oliveira pela citação, que
"somos movidos pela vontade, pelo desejo, pelo querer, razão
pela qual jamais encontraremos a paz e o sossego definitivos".
Ademir
Demarchi, escritor, autor do livro Passagens
- Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa
Oficial, 2002) é editor da revista de poesia Babel
.
*
Marcelo
Chagas:
" XXVIII - Falemos agora das
artes. Por que os espíritos conceberam e transmitiram tantos
conhecimentos que passam por excelentes, a não ser por sede
de glória? Foi à custa de vigílias e de suores que uns homens,
na verdade extremamente loucos, acreditaram comprar essa fama,
que , na verdade, é a mais vã de todas as coisas. Assim é
que deveis à Loucura todas as preciosas comodidades da existência,
pelas quais, o que é infinitamente agradável, tirais partido
da loucura alheia." Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam
(1466 -1536)1
"27ª Tese Pregam futilidades
humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao
cair na caixa a alma se vai do purgatório. 39ª Tese É extremamente
difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante
do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e,
ao contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar. 82ª Tese
Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma
só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima
caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas,
havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro
para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras
delas, logo por motivo bastante infundado? " As 95 Teses
afixadas por Martinho Lutero na Abadia de Westminster a 31
de outubro de 1517, fundamentalmente "Contra o Comércio
das Indulgências"
Freqüentemente acontecem processos
de relativização do valor cultural das principais matrizes
vigentes, em dado local e período histórico, momentos que
carregam a justificativa de outorgar validade para discursos
estéticos e políticos que se encontravam à margem das instituições
culturais e do debate social mais amplo. Momentos como o chamado
Renascimento, Iluminismo, Romantismo, etc. Alguns teóricos
querem afirmar que estamos vivendo um momento com essas características,
de grande diversidade de referências, muitas delas contraditórias
e coexistindo num regime de hibridismo e realinhamento conceitual.
Principalmente depois da queda dos maniqueísmos entre os blocos
sobreviventes da Guerra Fria, e o progressivo "entregar
de armas" para a mundialização de mercados, a prima-dona
desse processo de uniformização cultural pelo mercado tem
sido a cultura globalizada.
De vinte anos para cá, vem junto
na MacOferta: batatinha-frita, Tom Wolfe, hambúrger, Faulkner,
sundae e Harold Bloom. Toda uma onda reacionária, transvestida
de nova subjetividade contemporânea, que saboreia todos os
produtos com seu peculiar excesso de gordura, açúcar e aromatizantes.
Também é freqüente nas análises históricas que para as metrópoles
imperiais, quando alcançam sua supremacia militar, política
e cultural, só restam as bênçãos do excesso de peso e da promiscuidade.
Quem não se lembra de Nero, ou Calígula, Bill Clinton, ou
mesmo do cidadão comum, acima da média, de peso, americano.
É também nesse ambiente que prosperam a sátira e a comédia.
Nesse mesmo pacote, de brinde, uma
enxurrada de instituições. Para cada novo produto, uma instituição
que a celebre. Da associação dos pipoqueiros da Carolina do
Sul, aos produtores de pornografia, passando pela world music,
latin poetry e todo tipo de cânone que espelhe uma "nova
subjetividade". E o produto mais cobiçado dessas instituições
são as coletâneas de top 10 a top 100. Onde se pode colocar,
lado a lado, Homero, Einstein, Mozart, Picasso, Cicciolina,
Madonna e o digníssimo "Sr. Qualquer Um" de qualquer
área industrial. Nesse contexto de diversidade institucional
surgem como figuras fortes da cultura os editores, curadores,
e as bancas de júri: os novos vendedores de indulgências,
os salvadores dessas almas que pretendem, à qualquer custo
sair do limbo do anonimato.
A moeda corrente mais aceita hoje
é o elogio, a menção, a entrevista, a titulação, a premiação.
Afinal, como sobressair à descarga diária de novos produtos
culturais, nem todos contemplados com a atenção da máquina
publicitária das mídias, nem todos com um escândalo para promover
seus nomes. São ex-jogadores de futebol, ex-drogados, ex-prostitutas,
todos querendo contar as suas histórias e dividir o peso de
suas consciências. Talvez, movidos pela curiosidade ou culpa,
essas lamúrias por escrito chamam a atenção e se destacam
como alguma coisa verdadeira nesse mar de ficção. Engrossam
a fila as atrizes com seus casamentos perdidos, os escritores
medíocres que viram a morte de perto em algum acidente, e
as minorias tradicionais. Cada um com seu cânone próprio no
bolso e a justificativa das suas "idiossincrasias"
nas teses acadêmicas que professam a complexidade do mundo
contemporâneo.
Andy Warhol:
Lênin, Howdy Doody, Kafka, Pat Hearn
Quem já não viu um professor doutor
com sua malinha, à la Gato Félix, de onde tira a cura para
toda desconfiança quanto aos cânones. "É o herói!".
A figura proeminente do "Crítico criador de mitos",
lição bem aprendida com Andy Warhol. Não há superficialidade
que resista à alguns goles de bom champanhe e caviar - servidos
pelas mesmas mãos negras de sempre, com luvas. Escrevem seus
catálogos, cada vez mais pesados - seu peso medido em quilos.
Derrisão é a pedra filosofal de uma retórica burguesa que
faz questão de afirmar que o tempo da luta de classes já passou.
Hoje, em tempos de complexidade, quem pode dar uma opinião
definitiva sobre qualquer coisa? Aranhas a tecer sua renda
de citações, armadilha conceitual, arquitetura de saliva,
na expectativa de que a mariposa nela se enlace e debata,
até extinção de suas forças.
Em tempos pós-modernos a disputa
é pelos espólios, heranças, influências tardias ou inspiração,
que seja. Faz lembrar Hamlet escavando seu encontro com o
bobo-da-corte:
"Deixa-me vê-lo (segura o crânio)
Ai ! Pobre Yorick ! Eu o conheci, Horácio: era um homem engraçadíssimo
e de fantasia portentosa. Mil vezes me carregou nas costas
e, agora, sinto horror ao recordá-lo! Meu estômago até se
revolta ! Aqui pendiam aqueles lábios que eu beijei não sei
quantas vezes. Que fizeram de teus sarcasmos, de tuas cabriolas,
de tuas canções, de teus rasgos de bom humor, que faziam toda
a mesa prorromper em gargalhada ? Nada, nem uma só graça sequer
para ridicularizar tua própria careta ? (...)"2
A lembrança metafísica que o bobo-da-corte
provoca garante a última dignidade possível hoje: a dos defuntos.
Nesse caso, vale a lógica dos abutres, escarafuchadores e
arqueólogos. Um restinho de carne no osso, uma moeda rara,
ou ponta de lança, um prêmio inestimável para quem não tem
nada de próprio para dizer.
Mesmo as vozes discordantes do coro
pós-moderno, a louvar, ininterrupto, a abundância de oportunidades
dos novos tempos, caminham numa linha tênue entre ironia e
enquadramento. Escarnecem do jogo, dentro dele, prestando
atenção a cada movimento. Novos enfant-terribles, com seus
blusões de couro, aro tartaruga, cachimbos, ou qualquer muleta
de personalidade que valha, procuram imitar trejeitos e, quem
sabe, inventar novos, nessa comédia de mau gosto, que se tornou
a cultura mundializada. Que de mundializada só tem a mediocridade,
pois a metrópole prefere seus próprios idiotas, english-speakers,
para lhes entreter. Passa a valer na colônia o canibalismo
sem virtude e a lógica fura-fila, na enorme procissão de desempregados
com títulos, caminhando sem imagem para louvar, sem igreja
para ir.
"A própria sociabilidade é a
participação na injustiça, na medida em que finge ser este
mundo morto no qual ainda podemos conversar uns com os outros,
e a palavra solta, sociável, contribui para perpetuar o silêncio,
na medida em que as concessões feitas ao interlocutor o humilham
de novo na pessoa que fala." Minima moralia, Theodor
Adorno.3
Por que editar uma revista literária
hoje? Para tentar não reproduzir a farsa, ou sintoma, que
tomam conta dos espaços de cultura. Sem cair na ingenuidade
romântica, ou na presunção de salvador da pátria, uma alternativa
seria reduzir a escala das expectativas, trazer o diálogo
para uma realidade não tão mediada pelas promessas de sucesso
de mercado, pela mais valia da erudição ilustrada, pelo corporativismo
dos acadêmicos. Ao invés de "viver de arte", com
toda a conotação parasitária possível, "viver com arte",
eticamente. O lugar dessa satisfação é o espírito. Não o ego.
O espírito, lugar de encontro entre os sujeitos. O poeta instala
no outro um espaço seu, a partir da sua imaginação. Entre.
Esse lugar, o espírito, que não encontra
endereço na anatomia, dificulta a produção de estatísticas
de satisfação do consumidor. Não mora na barriga, no rosto
ou nos genitais. Nem no arranha-céu, muito menos nos altares
santificados. Irritantemente indefinível. Um lugar próximo
ao endereço da Loucura, como afirma Erasmo. Sem cor, sem raça,
sem gênero, sem pátria, como definí-lo ? Segundo Hegel, "o
verdadeiro é unicamente essa diversidade que se reinstaura
ou a reflexão de si mesmo no ser-outro. Não é unidade original
enquanto tal, ou imediata enquanto tal. É o devir de si mesmo,
o círculo que pressupõe seu fim como seu alvo, tem esse fim
como princípio e é efetivo somente por meio da sua realização
e do seu fim." 4
A idéia de editar uma
revista é a de compartilhar essa diversidade irredutível,
desenvolvendo um diálogo que possa trazer sínteses críticas,
mesmo que provisórias, mas que possam, de forma autônoma aos
valores excludentes da "sociedade de abundância",
nortear um paradigma ético e político mais solidário e tolerante.
As vanguardas artísticas que, através de uma total reversão
cultural e lingüística, se afastaram do cidadão comum, com
o objetivo de reinstaurá-lo numa outra sociedade, transformada
pela empreitada estética, acabaram abandonando, gradativamente
essa missão, e redundando em práticas formalistas e auto-referenciais
fetichizadas. O que veio para ampliar o espectro do imaginário
humano desaguou numa enorme redução de sensibilidade, a serviço
da uniformização dos hábitos culturais em rotinas de consumo.
Todo o cuidado possível com um ceticismo
exagerado, niilismo mais próximo da capitulação sem luta.
Prefiro, teimosamente, insistir que a arte é um fazer coletivo,
sua legitimidade passa por uma afirmação do individual, mas
deve alcançar o coletivo com uma força libertadora. Exceto
as obras feitas por encomenda para colecionadores, ou execução
em salões privados, a arte e o estudo que utiliza financiamento
público deve tomar consciência que todo o recurso empregado
nela tem uma fonte e um endereço comum: a sociedade. Da mesma
forma, a crítica, que toma emprestada essa legitimidade, deve
evitar a privatização dessa pretensa base moral, em direção
a uma reflexão de fato, que leve em conta, não apenas o lugar
comum das tradições eruditas estabelecidas, mas a real necessidade
de criar - ou recriar - práticas políticas, intrínsecas nas
obras de arte e nas outras instâncias culturais.
[1] Elogio da loucura - Erasmo de
Rotterdam; trad. Maria Ermantina G.G. Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1990
[2] Hamlet, príncipe da Dinamarca - William Shakespeare; trad.
F. Carlos de Almeida e Oscar Mendes. São Paulo: Nova Cultural,
1993
[3] Minima Moralia - Theodor W. Adorno; trad. Luiz Eduardo Bicca.
São Paulo: Ática, 1993
[4] A Fenomenologia do Espírito - Georg W. F. Hegel; trad. Henrique
Cláudio de Lima Vaz. São Paulo: Abril, 1974
Marcelo
Chagas, editor da revista eletrônica Critério (www.revista.criterio.nom.br),
crítico de arte, semioticista, designer
gráfico, produtor cultural, colaborador da revista de poesia,
tradução e crítica Babel.
Trabalha e reside em Santos (SP).
*
Edson
Cruz: Há quem acredite serem as revistas literárias
tão importantes quanto as obras-primas de uma determinada
literatura. Se isso for verdade, é mais do que oportuno pensar
e questionar o papel das mesmas no contexto de nossa literatura
através da história, e mais ainda, a sua importância na literatura
contemporânea.
As revistas, pelo que podemos observar,
sempre foram um pólo aglutinador de criadores e pensadores
das questões que permeavam a produção e a recepção das obras
literárias. Quase todo grande movimento literário digno de
nota gerou, e nas primeiras horas sustentou-se numa revista
que lhe servia de porta-voz e por meio da qual se articulavam
manifestos, poemas, contos, ensaios críticos no calor da hora,
fragmentos de romances, etc.
Não teremos tempo, nesta pequena
introdução a questão, de analisar os vários períodos históricos
de nossa literatura tupiniquim e suas respectivas publicações
de luta e afirmação. Basta lembrarmos que o modernismo brasileiro
seria impensável sem as publicações das revistas Klaxon (1922-1923);
Revista Verde (1928); Revista de Antropofagia (1928-1929);
Festa (1927-1929 e 1934-1935); e, mais recentemente, fundamentando
o plano piloto do movimento de poesia concreta, as revistas
Noigandres (1952-1958) e a Invenção (1962-1964).
Convém ressaltar que essas revistas
tinham um engajamento quase que "romântico" no sentido de
que eram feitas na "raça" e "às próprias custas" sem o benefício
das leis de incentivo e de verbas governamentais que hoje
custeam grande parte das revistas literárias que conseguem
se manter por mais de um ano.
O que gostaríamos de avaliar, nesta
reflexão, é como se dá o funcionamento das revistas literárias
contemporâneas tendo em vista a imbricação triádica complexa
que são as relações entre o autor, a obra e o público e a
partir daí apreendermos a validade de se editar uma revista
literária hoje.
Por uma questão de foco, centrei-me
em duas revistas contemporâneas que são aparentemente distantes
uma da outra, tanto em seu projeto editorial e gráfico, quanto
em seu posicionamento geopolítico e estético. Digo aparentemente,
pois não estou certo de que seus projetos sejam tão díspares
assim, mas através delas me foi possível refletir algumas
questões que me surgem em minha própria experiência como editor
de site e de revista literária on-line.
Falo da revista carioca Inimigo Rumor e da cearense Arraia
Pajéurbe.
As revistas literárias, a meu ver,
são um campo privilegiado para a reflexão do fazer literário,
no sentido de que - a margem do mercado - podem (e normalmente
o fazem) abrir espaço para novos poetas, e para os já estabelecidos,
mostrarem seus trabalhos e avaliarem a sua receptividade,
pois como disse Valéry, "o homem dificilmente está sozinho",
e de alguma forma estará sempre "mais ou menos consciente
do efeito que será produzido" pela sua obra no público leitor
ou "consumidor", para adotarmos a designação emprestada da
Economia por Valéry.
Dizem por aí que "há um público cada
vez menor de leitores de poesia". Se há dúvidas de que essa
assertiva seja correta, o que nos parece mais evidente é que
as editoras bem estabelecidas publicam cada vez menos poesia.
O que poderia nos levar a concluir (creio que erroneamente)
que há um desinteresse pela produção poética por parte do
grande público. Erroneamente, penso eu, pois os autores já
estabelecidos pela 'tradição' ou pela academia, ou pela crítica
literária, continuam a serem reeditados, lidos, comentados,
revisados, "afortunados", diria eu.
Ou seja, há sim um público leitor
de poesia. O que não há é um público de leitores da poesia
que se está fazendo hoje com toda a diversidade de dicções
e motivações apresentadas.
Passado o momento heróico do estabelecimento
do plano piloto da poesia concreta, onde buscava-se "novas
condições para novas estruturações da linguagem" chegando-se
ao que foi denominado pelos seus engendradores como uma conquista
da relação dos "elementos verbivocovisuais", no dizer de Décio
Pignatari, e passado também seu momento de diluição na prática
dos novos criadores influenciados por este programa importantíssimo,
o que se observa nas revistas contemporâneas mencionadas (entre
tantas outras) é a retomada e a eleição do verso como forma
predominante da construção poética. De maneira geral, o verso
livre -devemos ressaltar -, mas ainda assim o verso.
Ou seja, tal adoção de procedimentos
demonstra que o projeto concretista, embora seja notória sua
presença e influência na propaganda, na paginação das revistas
e de jornais, nas diagramações dos livros, nos 'slogans' da
TV, veio mais para sanear e "higienizar" as práticas literárias
que eram feitas até então, colocando outras idéias e autores
em discussão, do que para estabelecer-se como uma nova forma
a ser adotada a partir de então. Algo que não foi mantido
nem pelos seus próprios criadores.
Porém, temos que concordar com Augusto
de Campos em sua introdução a 1ª edição da Teoria
da poesia concreta, quando diz:
"O movimento de poesia concreta alterou
profundamente o contexto da poesia brasileira. Pôs idéias
e autores em circulação. Procedeu a revisões do nosso passado
literário. Colocou problemas e propôs opções.
No plano nacional, retomou o diálogo
com 22, interrompido por uma contra-reforma convencionalizante
e floral. Surgiu com um projeto geral de nova informação estética,
inscrito em cheio no horizonte de nossa civilização técnica,
situado em nosso tempo, humana e vivencialmente presente.
Ofereceu, pela primeira vez, uma totalização crítica da experiência
poética estante, armando-se de uma visada e de um propósito
coletivos. Enfrentou a questão participante, mostrando que
alistamento não significa alienação dos problemas da criação,
que conteúdo ideológico revolucionário só redunda em poesia
válida quando é veiculado sob forma também revolucionária.
Pensou o nacional não em termos exóticos, mas em dimensão
crítica."
Em outras palavras, o movimento concretista
nos educou a todos. Mesmo os que se posicionaram diferentemente
ou reativamente, adotando outras práticas ou "práxis", tiveram
que, de certa forma, perder a ingenuidade e colocar-se com
mais consciência, historicidade e criticidade em seu fazer
poético.
Antes de mostrarmos o "plano piloto"
das duas publicações em questão, vale citar as reflexões feitas
no 'calor do momento' em que vivemos, por Nelson de Oliveira
em seu livro de 2003, Verdades
provisórias. Ao analisar as revistas literárias atuais,
em relação às de nosso passado próximo, ele se ressente de
um excesso de crítica e ensaios, em detrimento da "criação"
propriamente dita.
"A julgar pelo
que se vê hoje em dia, a função de uma publicação literária
qualquer é basicamente a de criticar e avaliar a produção
poética e ficcional. Criticar e avaliar - mais do que apresentar
amostras desta produção: contos, poemas, trechos de romance
etc."
Em
outro momento ele analisa:
"Dá-se
no Brasil do pós-Segunda Guerra o momento áureo das revistas
literárias, que durou mais ou menos trinta anos e ocorreu
lado a lado com o auge do modernismo tardio tanto na prosa
quanto na poesia. Coincidência? Momentos de pico da criatividade
literária viriam necessariamente acompanhados de boas publicações
críticas, destinadas ao amplo público? Ou uma coisa não tem
nada a ver com a outra? Tendo a acatar esta segunda opção:
a homologia não é obrigatória. Grandes críticos literários
- e grandes publicações literárias - podem existir mesmo quando
não há nenhum grande escritor em atividade, e vice-versa.
Como disse Anelito de Oliveira, editor do Suplemento Literário
de Minas Gerais, resumindo a questão: "Ausência de literatura
é notícia tanto quanto presença de literatura". § A
crítica literária está vivendo, no Brasil, um momento relativamente
esquizofrênico. Por um lado, muitos escritores estreantes
- entre eles o pernambucano Marcelino Freire, o gaúcho Altair
Martins, o carioca Carlito Azevedo e o mineiro Fabrício Marques
- têm sido recebidos com salva de palmas por resenhistas e
leitores de todos os níveis, dentro e fora das redações, dentro
e fora das universidades. Por outro lado, até agora não surgiu
ninguém disposto a fazer o balanço do que foi, por exemplo,
a literatura brasileira na última década, muito menos uma
voz que reunisse e resumisse todas essas salvas de palmas
numa fórmula matemática clara, cuja decodificação provasse
por A mais B que a literatura brasileira recente vai de vento
em popa. O que se ouve, da parte da crítica, é o veredito
mais ou menos unânime de que a literatura brasileira nunca
esteve tão ruim das pernas. Noutras palavras, continua sendo
consensual a afirmação de que depois da geração de prosadores
que estourou na década de 70 e dos poetas da geração do mimeógrafo,
nada de muito instigante tem acontecido nas letras produzidas
neste torrão do Ocidente. Se torcermos um pouco o rumo da
discussão, daremos de cara com a seguinte pergunta: E quanto
às revistas literárias?"
Nelson
segue sua análise da importância das revistas literárias para
a literatura, concluindo melancolicamente:
"De
tudo isso, o que parece ficar é a esquizofrenia mencionada
no início deste artigo. Vencida a péssima fase econômica dos
anos 80, a quantidade de publicações especializadas cresce
a cada dia. É prematuro ser categórico quanto a isso, mas
tudo indica que o tempo da hegemonia da criação, nas grandes
publicações literárias, parece que já passou. Até na Internet,
onde proliferam as páginas de jovens prosadores e poetas ávidos
por mostrar seu trabalho, o número de páginas destinadas à
resenha e ao ensaio não é nem um pouco desprezível. Agora
é a hora da crítica nas publicações de grande circulação,
que estão levando ao pequeno Brasil que as consome ensaios
de veteranos como João Alexandre Barbosa e Ivan Teixeira,
e da nova geração de críticos, composta por nomes como José
Castello e Miguel Sanches Neto."
Se
o que diz Nelson de Oliveira for verdade, encontraremos nas
revistas mais textos analíticos e críticos do que a produção
dos autores contemporâneos, desconhecidos ou não.
Talvez
sua análise seja verdadeira em relação às revistas "literárias"
de grande circulação, aquelas que foram encampadas por editoras
e vendem em bancas de jornais com distribuição nacional. Se
o modelo a ser questionado, então, for o da "Cult" ou da "Bravo"
seu raciocínio é totalmente verdadeiro, pois estas revistas
dedicam ínfimas páginas à criação.
Seu
raciocínio, porém, não é verdadeiro se nos debruçarmos sobre
as revistas literárias de circulação e tiragem restrita: as
chamadas "nanicas". Mesmo no caso daquelas que possuem uma
boa distribuição garantida (ou mesmo a edição, como se dá
com a Inimigo Rumor) por editoras estabelecidas, não é isso
que observamos em suas páginas.
No
caso das duas revistas que escolhemos para cotejar, a porcentagem
de ensaios e de crítica é muito inferior a porcentagem de
criação, seja ela poesia, prosa ficcional, "poema em prosa"
(que por sinal teve uma edição especialmente dedicada a esta
forma criativa, na revista Inimigo Rumor de nº 14), ou mesmo
a fotografia que permeia e dialoga o tempo todo nas edições
da revista Arraia Pajéurbe.
No
começo de meus questionamentos ressaltei a possível disparidade
entre estas duas publicações: a carioca Inimigo Rumor e a
cearense Arraia Pajéurbe. Ao nos depararmos com as duas revistas
essa possível disparidade salta aos olhos devido, inicialmente,
ao projeto gráfico tão diferenciado de ambas.
A
Inimigo Rumor, que nasceu em 1997, e hoje está em seu número
16, tem seu projeto gráfico mais associado (até onde tive
acesso aos números mais antigos) ao formato livro. Desde o
começo, seu projeto já estava ligado a editora 7Letras. A
partir do momento que foi encampada, também, pela editora
Cosac & Naify, o seu 'anseio em se tornar um livro' (vamos
colocar desta forma) tornou-se visualmente mais explícito.
Seu formato brochura ganhou uma capa dura, a qualidade do
papel melhorou e ampliou sua distribuição, chegando hoje a
ter uma edição em Portugal que não coincide integralmente
com a edição brasileira.
Poderíamos
deduzir desta escolha do formato livro, embora se intitulando
de revista, uma busca de receptividade mais específica nas
camadas leitoras que atribuem um maior "valor" a este formato,
em detrimento do formato revista (aquele que é passível de
se encontrar em bancas de jornais) que traria consigo, por
adequação semântica e estética, um "valor" menos nobre, atribuído
também ao conteúdo que o formato abraça.
Em
sua edição de nº 16, comemorativa de oito anos de existência,
ressalta-se em seu editorial o fato de ter-se mantido fiel,
neste tempo todo, às propostas iniciais de seu projeto, a
saber:
1)
"Abrir espaço para os poetas estreantes" (ou seja, estreantes
recém publicados em primeiro livro, ou nunca publicados).
A revista durante seus anos de existência publicou mais de
cinqüenta poetas estreantes.
2)
"Divulgar material inédito de poetas e ensaístas brasileiros
já estabelecidos" (neste quesito a revista confessa ter assumido
"sem qualquer estardalhaço teórico ou qualquer sentimento
de culpa, a herança modernista recente, incorporando os poetas concretos, os marginais
dos anos 70 (Francisco Alvim, Zuca Sardan, Ana Cristina César,
Eudoro Augusto e Cacaso, em especial), além de autores independentes
como Ferreira Gullar e Sebastião Uchoa Leite".)
3)
"Disponibilizar poemas e ensaios estrangeiros que aumentem
nosso repertório de poesia e crítica em português".
A
proposta consistiria em provocar "turbulências" na "pacificada
produção poética brasileira" com o contato/atrito com experiências
poéticas estrangeiras.
Neste
aspecto, em nenhum momento a revista explicita quais, e de
que tipo, seriam estas experiências poéticas estrangeiras.
E deixa claro que, num tempo em que, segundo ela, estaríamos
distantes "da era das vanguardas e seu dogmatismo doutrinário",
pretende com o amplo espectro de vozes que abriga, manter
o "poder de impacto" que seria característico das revistas
literárias.
Me
parece, nesta questão, que o grande "poder de impacto" das
revistas literárias do passado era, mais do que possibilitar
um amplo espectro de vozes, conseguir alinhar em suas fileiras
vozes afinadas a um projeto estético claro e definido. Neste
sentido, as revistas atuais - e isso vale para as duas cotejadas
neste trabalho - seriam somente uma antologia de vozes sem
dicção e projeto estético definido.
Por
outro lado, a Inimigo Rumor, de maneira geral, cumpre bem
o que se propôs. É inegável a amplitude e a qualidade dos
textos que abrigou (e abriga) em suas edições. De Glauco Mattoso
a Jacques Roubaud, passando pelos concretistas, pelos já citados
herdeiros modernistas (o que precisaria ser mais aprofundado
e esclarecido, mas que não conseguirei fazer aqui), até aos
poetas contemporâneos franceses, argentinos e espanhóis. Em
duas edições, pelo menos, a revista disponibilizou, em formato
menor e anexo, livros na íntegra de autores não editados ainda
por aqui: Tamara Kamenszain, poeta argentina, e Leopoldo María
Panero, poeta espanhol.
Suas
edições, sem dúvida, contribuem para aumentar nosso repertório
poético contemporâneo, o que, talvez, seja algo por demais
importante de ser feito neste momento chamado por muitos de
pós-modernista e pós-utópico.
Já
a revista cearense Arraia Pajéurbe, com apenas três números
editados, e ainda desconhecida do público consumidor de poesia
e de projetos literários veiculados pelas revistas, explicita
a intenção de seu projeto editorial (seu plano piloto) da
seguinte forma:
"Os
artistas brasileiros, os escritores brasileiros, seus poetas
de todos os âmbitos e artes estamos mesmo aparentemente por
baixo. Fomos postos para fora do proscênio, da assembléia
dita democrática. Mas queremos é mesmo estar fora do círculo
pois saltamos, com esta revista, dessa geometria. Estamos
fora de todos os lados, da esquerda, da direita, do centro
e de suas mais que maquiavélicas misturas. Estamos resolutamente
de fora. ... Precisamos, portanto, emanar o ímpeto do sonho,
fazê-lo matéria e matérias do espírito. Reportagens poéticas,
sutis curvaturas de sentido, a foto de ângulo impossível:
rediagramar as páginas e as coisas. Transmitir o que está
acontecendo e fazer aquilo que não ia acontecer, acontecer
no delírio prático da arte. Criticar a ausência e o afastamento
da mídia, geral, imposto, tiranizante de toda a literatura,
arte e cultura brasileiras. Abrir uma nova fronteira a partir
de Fortaleza, Ceará, Nordeste, Brasil, América Latina. De
forma nenhuma aderir aos já totalmente desmoralizados padrões
e conteúdos da arte, da literatura que se julga dominante.
..."
O
projeto foi levado a sério, diria que, quase até as últimas
conseqüências. Embora seja uma revista notoriamente de literatura,
abriu-se para outras artes, principalmente a fotografia e
a elaboração gráfica.
A
partir de um formato cheio de arestas, triangular, a simular
uma vela de Mucuripe, torna-se efetivamente uma revista-objeto,
com toda materialidade explicitada, da qual não sabemos direito
nem como abri-la, muito menos por onde começar a lê-la.
A
diagramação inusitada de suas páginas, aliada a profusão de
cores e os ângulos improváveis de suas fotos, tornam a leitura
dos textos um exercício de superação, como se o tempo todo
ela nos dissesse: "se você acha a leitura de poesia difícil,
vamos ver como você se vira agora".
Em
alguns momentos, a meu ver, aquela "estrutura" buscada no
plano piloto da poesia concreta se revela, como a apreensão
de um ideograma. No processo de composição das páginas, as
várias coisas, imagens, textos, reunidos, não produzem uma
terceira ou quarta coisa, mas sugerem uma relação fundamental
entre elas: o caos magnífico. Aquele tipo de caos, citado
por Niestzche, onde podemos perceber uma 'estrela cintilante'.
É
um projeto de exuberância neobarroca (para usar uma palavra
do momento), onde as "noções tradicionais de princípio-meio-fim,
silogismo" tendem a desaparecer e são superadas por uma outra
organização, como queria a poesia concreta, "poético-gestaltiana",
visual e táctil. Não estou querendo dizer com isso que a revista
'concretize', ou se paute, pelos anseios da vanguarda concretista,
e sim que em muitos momentos a resultante oferecida pela revista
soa-me como o mais próximo da vanguarda entre as revistas
literárias disponíveis.
Mas,
no que se refere aos textos poéticos apresentados pela revista,
os versos são mantidos (versos brancos, mas ainda versos),
os textos não são explodidos em suas formas, diria, mais convencionais.
A inovação na revista se dá, a meu ver, mais no campo gráfico,
espacial e visual, do que propriamente literário. Mas, isso
não é pouco, pois uma revista que se produz como uma obra
(com a força criativa que ela ostenta) gerada fora dos grandes
centros de produção, tanto econômico quanto estético, deve
ser celebrada.
Há
poesia e há prosa em suas páginas, de autores que não trafegam
(em sua grande maioria) no circuito editorial do 'sul-maravilha',
e brasileiros em ampla maioria.
Para
concluir acrescento que, pelos exemplos tomados neste questionamento,
devemos assumir que o papel do leitor enquanto consumidor,
embora ativo e produtor de sentidos, é sempre mediado pela
possibilidade de acesso a obra, e quando o acesso se dá, a
boa recepção -ou não- da mesma é sempre colorido, e matizado,
pelo repertório acumulado pelo leitor/consumidor.
E
se já não estamos mais em época de vanguardas, e seus doutrinamentos,
torna-se mais importante ainda a proliferação deste campo
privilegiado para reflexões e criações literárias e estéticas
que são as revistas.
Note-se
que nos exemplos tomados para análise não mencionei as revistas
literárias virtuais. Para mim, no momento, a Internet é o
local privilegiado da criação em todos os níveis. É de lá
que surgirá (se é que ainda não surgiu) aquela estrutura buscada
no plano piloto da poesia concreta. E muitas outras sequer
imaginadas em qualquer plano piloto ou projeto.
Já
podemos vislumbrar o que virá por aí. É só dar uma olhada
na revista Mnemozine, na Germina, na Zunái, na Errática, e
no próprio site Cronópios (embora esteja mais para um jornal
do que para revista, pelas suas edições diárias) que edito
juntamente com este artista genial que é o Pipol.
Bibliografia
consultada e citada:
___Campos, A., Campos H., Pignatari,
D. "Plano piloto para poesia concreta". In: Teoria da
poesia concreta. São Paulo: duas Cidades, 1975.
___Oliveira,
Nelson. Verdades provisórias. São Paulo: Iluminuras, 2003.
___Valéry, Paul. "Primeira aula
do curso de poética". In:
Valéry, P. Variedades.
Org. João
Alexandre Barbosa. São Paulo: Iluminuras.
___Foucault,
Michel. O que é um autor? Lisboa: Veja, 1969.
___Lima,
Luiz Costa. Limites da voz: Montaigne, Shlegel. R. de Janeiro:
Rocco, 1993.
___Revistas
literárias: "Inimigo rumor"; "Arraia Pajéurbe"; "Azougue";
"Coyote": vários
números.
Edson
Cruz é músico, poeta e co-editor do site Cronópios
(http://www.cronopios.com.br)
e da revista Mnemozine
(http://www.cronopios.com.br/mnemozine/).
E-mail: sonartes@cronopios.com.br
*
Linaldo
Guedes: Nos tempos de hoje, parece loucura
apostar na produção de uma revista literária. Sim, porque
editar uma revista literária é viver no limite. No limite
do equilíbrio entre as igrejinhas literárias. No limite do
stress de quem banca a revista e não aceita a inclusão de
textos mais densos nela, sugerindo a superficialidade dos
textos jornalísticos. No limite do sonho, de fazer com que
a literatura seja realmente digerida pelos leitores. No limite
da ausência de cúmplices, a dividir com o editor as agruras
e as incompreensões do material editado. No limite do silêncio,
ao não encontrar eco nos leitores para o material editado.
No limite da frustração, por faltar mais recursos técnicos
e humanos a ajudar na construção rotineira da revista. Editar
uma revista literária hoje é estar sempre no limite. Algo
assim como os atletas dos esportes radicais: sempre com a
adrenalina à mil. Sempre insatisfeito, querendo mais e melhor.
Sempre buscando novos recordes, que no caso da revista é a
ampliação dos leitores e mais qualidade nas colaborações.
Por isso que é preciso estar sempre editando uma revista literária.
Porque na Literatura estamos sempre no limite, entre a procura
e a vaidade. Quando achamos uma, perdemos a outra, e vice-versa.
E é este limite que faz a revista literária imprescindível,
nestes tempos de revistas Caras e Bundas e Vejas e outras
coisas sem limite de banalidades.
Linaldo
Guedes é poeta e editor da revista Correio das Artes, de João Pessoa.
*
Luiz Edmundo Alves: Por vaidade. Por utopia. Por divertimento. Pela necessidade
de me comunicar e fazer amigos em outros lugares. Por sina
e destino. Todos esses motivos me empurram como editor de
Tanto.
Nestes anos muitas vezes me perguntaram como é fazer
uma
revista literária, se ganho dinheiro, se tenho auxiliares,
se eu mesmo faço o trabalho braçal, quantos visitantes em
média, mas é a primeira vez que me perguntam por quê?
. E não tenho uma resposta clara. Só sei que me divirto muito,
que fiquei mais criativo, mais aberto, mais conhecido, que
aprendo bastante, que me surpreendo com a beleza e a diversidade
da literatura brasileira. E enquanto houver alegria e contentamento,
continuarei fazendo, sem por quê.
Luiz Edmundo Alves
é editor da revista literária eletrônica Tanto.
*
Teódulo López
Meléndez: Quizás
todo poeta ha soñado con tener su propia revista literaria.
Quizás todo escritor ha soñado con tener una librería. Algunos
más locos, como en mi caso, nos hemos metido a editores. Esas
pretensiones generalmente van asociadas a la impotencia. Si
las publicaciones existentes rechazan los textos, pues nos
inclinamos a tener nuestro propio medio. Eso ya es posible
hoy. Con Internet. ha terminado la prepotencia de la prensa
escrita, han sido eliminadas las llamadas "listas negras"
que algunos medios tenían por arrogancia o maldad, han llegado
a su fin los periodistas que sólo entrevistaban a los amigos.
La web ha permitido una insurgencia de las manifestaciones
literarias. Las páginas web y los blogs son el nuevo medio
de expresión, la libertad reconquistada de poder decir lo
que nos venga en gana.
Todo esto es cierto, pero los deseos
de fundar una revista literaria siguen allí, con la diferencia
de que las fundamos en la web. Hoy las fundamos por las mismas
razones de ayer, con las facilidades de no tener que usar
papel y tinta ni andar mendigando en las oficinas gubernamentales
una ayuda económica. Las fundamos, porque a pesar del carácter
necesariamente gregario de poetas y escritores, tenemos un
sentido de la solidaridad (especial y original) que nos impulsa
a publicar a los colegas. Las fundamos porque la satisfacción
de darle forma a un acto que reúne textos creativos no tiene
parangón. Las fundamos porque, muchas veces sin estar conscientes
de ello, un instinto nos indica que cada publicación nueva
que nace es una batalla ganada a la muerte, a la perversión
del idioma, al enemigo consumista que declara la creación
literaria como algo superfluo. Las fundamos porque sabemos
que en el lenguaje está la clave de la vida, porque sabemos
que cuando el poema es esparcido estamos dando nuestra contribución
para evitar la muerte de lo humano, porque sabemos que cuando
la novela y el cuento son lanzados estamos transformando al
mundo en un nivel muy pequeño, pero transformándolo. Cuando
lanzamos el ensayo, sabemos que alguna minúscula idea se habrá
colado para evitar el triste fin del hombre.
Las fundamos porque nos da la gana,
esto es, encarnamos la voluntad soberana del ser, ejercemos
el supremo valor de la libertad, utilizamos la suprema arma
del lenguaje que es la que nos permite llamarnos humanos y
tener esperanzas de no desaparecer de la faz de la tierra.
Teódulo
López Meléndez, poeta, ficcionista, ensaísta e
tradutor venezuelano. Dirige a editora Ala de cuervo, em conjunto
com a escritora Eva Feld, e também a página www.aladecuervo.net
onde veicula a revista literaria Logogrifo.
Seu mail é teo@aladecuervo.net
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