ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

DESASSOMBRO

 

 

 

 

Severo Snape lê a poesia completa de Bruno Tolentino em aramaico

 

entre um gole de suco de abóbora

 

e um gesto teatral com sua capa preta.

 

Lord Voldemort bebe sangue de unicórnio,

 

escreve 65 sonetos neoclassicistas

 

e faz anotações em seu blog sobre a crise da poesia

 

na pós-modernidade.

 

Bombas de fósforo branco caem sobre Gaza, Bagdá, Beirute,

 

minas terrestres explodem em Luanda e Maputo,

 

indiferentes a discussões estéticas sobre Manuel Bandeira

 

ou o último desfile da São Paulo Fashion Week.

 

Poetas brasileiros imitam limitações de Drummond,

 

falam de lirismo e subjetividade,

 

e vão empilhando diminutivos e palavras singelas

 

no jazigo de CDA, como ex-votos.

 

Lucius Malfoy tem uma coleção de bonecas lésbicas estranguladas

 

em sua casa mal-assombrada;

 

aqui, poetas brincam de boneca, em total desassombro.

 

Die Narbe der Zeit

 

tut sich auf

 

und sezt das Land unter Blut -

 

Die Doggen der Wortnacht, die Doggen

 

shlagen nun an

 

mitten in dir:

 

("a cicatriz do tempo

 

abre-se

 

e afoga a terra em sangue -

 

Os dogues da noite das palavras, os dogues

 

atacam agora

 

bem dentro de ti").

 

Paul Celan acordou do pesadelo da história nas águas do rio Sena

 

sem nenhum desassombro.

 

Poesia é algo que faz as palavras cantarem

 

- não como alaúdes (ataúdes)

 

mas como nervos expostos da linguagem.

 

*

 

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