CARTAS DE LONDRES (II)
Cara
Virna,
O mês
de março e a primavera estão no ar! Não Acho! Tempestades de
granizo e um vento cortante! Não está exatamente frio -
tivemos nosso "inverno" - por um dia em fevereiro. Foi quando
havia apenas neve suficiente para minha filha mais nova me
acertar convincentemente numa guerra de bolas de neve. Mas foi
uma estação de 24 horas e desde então tem voltado para o velho
clima ameno peculiar (ainda bem, ou eu agora seria o coração
congelado de um boneco de neve atingido). De certa parece
forma errado chamar a estacão de Primavera - afinal, estamos
na primavera há seis meses.
No
entanto, isto não interrompe o acontecimento de algumas coisas
com uma freqüência anual típica: na poesia, os três primeiros
meses do ano representam a estação dos prêmios. Então talvez
esta estação esquisita entre inverno e primavera deveria ter
um nome específico: "gongo"?
Havia
aqui um programa de cão e gato na tevê chamado "Pets Win
Prizes" (Animais Ganham Prêmios) e, para mim, essa frase
ressoa nesta época do ano. Quando era estudante ganhei um ou
dois prêmios de poesia e não posso deixar de recordar a
euforia competitiva de triunfo misturada com o repugnante
desconforto de ser marcado, então pensei, como um "mascote do
professor". Ao ganhar um prêmio há o reconhecimento público
vital de que você é, apesar de tudo, um "poeta", mas essa é
realmente uma palavra de orgulho, uma palavra categórica, até
mesmo uma palavra antiquada, na qual uma inclinação natural em
direção a hesitação estética explorativa não pode confiar o
bastante. E se você não vence, o que acontece com a maioria de
nós, então a resposta está provavelmente em algum lugar no
espectro emocional que inicia em tentativa de evidência e
termina em denúncia raivosa. Tento encontrar uma estação onde
o canal do rádio mostra "Filosófica" no entanto quando eu ligo
o rádio percebo que tem sido freqüentemente sintonizada em
"Encolhimento de ombros".
Mas a
estação do gongo é provavelmente o mais próximo que a poesia
contemporânea britânica se aproxima de uma celebração da mídia
de poesia como tal: é uma das poucas vezes que editores de
poesia são convidados para compartilhar polegadas de coluna e
minutos de tevê com seus primos mais ricos nas indústrias da
arte e entretenimento. E o mundo da poesia tem que escrever
seus próprios convites em primeiro lugar. De fato, é o motivo
pelo qual estes prêmios foram montados: especificamente para
colocar a poesia na discussão nacional e popular, para
defender poesia e vender mais poesia aumentando o seu
entusiasmo por ela. Eu teria pensado que apesar da sua imensa
atratividade formal para os jornais e mídia de transmissão, a
poesia é pouco usada e pouco discutida no cotidiano, então
editores de poesia têm fornecido algo que conecta rapidamente
com as demandas mais imediatas da mídia - prêmios ajudam a
criar estórias sobre controvérsias de disputa, as produções de
listas dos melhores, oportunidades, 'árvores genealógicas' e
'hierarquias' da poesia; o tipo de aparato resumido que também
contém suposto interesse do leitor.
E
quanto aos poemas em si nos jornais e na tevê? Acho que ao
invés dos anúncios publicitários são essencialmente os poemas
que são escolhidos; curtos, inteligentes, engraçados, e/ou
anúncios sensuais preenchem o território ideal para muitos
poemas. Anunciantes pagam, é claro, mas penso que sua
apresentação e textos freqüentemente ganham em bases
estéticas, também: eles podem ser tão bons quantos ou melhor
que muita poesia contemporânea. Poesia é um agrupamento grande
- mas talvez enquanto alguma poesia necessite tornar-se muito
boa em ser completamente diferente de algo que a mídia pode
oferecer, outra poesia necessita empregar a excelência da
publicidade e competir em inteligência e profundidade de
atração. A internet oferece tanto um lugar de experimentanção
como publicação em larga escala para isto: um tema ao qual
espero retornar em outra carta. A dimensão secundária
necessita estar em cena também: para meu conhecimento, apenas
o jornal The Guardian discute poesia de forma
consistente - usualmente um ou dois livros uma vez por semana
no suplemento de sábado (este é um jornal impresso, mas as
resenhas críticas são publicadas no site eletrônico do
Guardian). É extremamente raro que se discuta algum livro
de poesia na tevê no Reino Unido ainda que um dos críticos
mais famosos da TV seja um poeta, Tom Paulin: talvez somente
um ou dois livros por ano são analisados no programa semanal
Newsnight Review da BBC.
Então
quem ganhou o gongo da poesia? Bem, o poeta irlandês Seamus
Heaney recebeu o prêmio T. S. Eliot Prize com sua nova coleção
District and Circle, o título do poema uma reflexão
sobre seu pai, no metrô de Londres (o título refere-se ao
nomes de duas linhas do metrô), e em mortalidade: "And so by
night and day to be transported / through galleried earth".
Gosto do seu trabalho, mas provavelmente com uma afeição
perplexa que limita minha própria resposta. Não tenho certeza
que a constante reutilização dos mitos grego e romano na
poesia irlandesa moderna tenha a gravidade que parece estar
tentando adquirir, por exemplo, nem que a pequena variedade
formal em escritores tais como Heaney, Longley, e Mahon, possa
sustentar releitura com um aprofundamento de entendimento,
mais do que releitura como um prazer confortante e sensual
(todos dos quais, todavia, eu gosto também). No mesmo fôlego,
eu deveria dizer que comando de formas tradicionais renovadas,
pentâmetro iâmbico e terza rima, não é pouca coisa e admiro
isto. Mas reconheço a minha própria sede como leitor por uma
novidade formal e temática que seu trabalho não tem intenção
de extingüir (deus sabe que acusações isto abre para o meu
próprio trabalho como um poeta!); ao contrário, seu trabalho
tem a integridade da lentidão meditada e honestidade mas
usualmente generosamente didática, ambas as quais deveriam ser
um alerta para mim que este leitor e estes poetas estão com
objetivos contrários. Mas em Heaney há ainda os prazeres
simples de objetos trabalhados belamente descritos, valores de
compromissos coloquiais quando compromissos coloquiais não
devem ser desprezados - eles podem ser vida e morte - e ainda,
no mais remoto Station Island, há trabalho conceitual
mais complexo.
E o
outro grande prêmio? O pouco conhecido John Haynes ganhou o
Costa Poetry Prize com seu livro Letter to Patience,
uma espécie de romance na terza rima de Dante, preocupado com
política da Nigéria, saudade, e amizade. É publicado pela
relativamente pequena editora Seren, estabelecida no
País de Gales, e causou uma sensação tão próxima da que pode
ser causada no mundo interativo da mídia e poesia. O crítico
Jeremy Noel-Tod, que foi também um dos jurados, comenta melhor
que eu e o relaciona com outro poeta do norte da Irlanda, o
tecnicamente talentoso Paul Muldoon: "O material é abertamente
pessoal, ainda que a terza rima iâmbica seja discretamente
manuseada, com apenas abreviações de fala ocasionais
("then's") e encavalgamento ("back- / bone") em favor da rima.
É confessadamente não um descanso radical de formas rimadas,
tal como aquele efetuado por Paul Muldoon nos poemas
transversionalmente mais compridos que Letter to Patience
que às vezes evoca. Ainda como um poeta de realismo
autobiográfico em grande escala, Haynes é o equivalente de
Muldoon, Heaney ou Hill, enquanto sua modéstia filosófica é
única. Cheio de inteligência, aprendizado e humanidade, esta é
uma escrita ampla que deve ser largamente conhecida."
"Inteligência, aprendizado e humanidade" - aquelas descrições
seriam muito apropriadas para o trabalho de outra poeta,
Penelope Shuttle, com quem li umas semanas atrás em um
relativamente recente festival anual organizado por umas das
universidades de Londres, Royal Holloway: o Runnymede
Festival. Runnymede, geograficamente falando, é a larga
curva no Tâmisa cerca de vinte milhas à oeste do centro de
Londres. Quando nós vivíamos perto eu costumava levar meus
filhos ao longo da trilha da margem do rio para o parque de
jogos ali. É um lugar adorável para observar o clube de remo
local pegar seus longos e esqueléticos barcos até a água e
famílias que fazem piqueniques - famílias turcas, acho,
especialmente gostam do lugar. Runnymede tem uma ressonância
especial na história da Inglaterra (embora não na história da
Escócia - eram dois países separados naquela), porquê foi onde
o monarca medieval rei João negociou com 'os barões', os ricos
nobres donos da terra que pareceram perceber que João estava
se tornando mais do que um pouco maníaco por poder. Juntos, em
1215, eles negociaram a Magna Carta, uma capítulo visto como
uma das bases do sistema inglês 'democrático' porque limita os
poderes do monarca. Costumava-se pensar que os nobres o
forçaram mas se sugere agora que pode ter sido uma maneira de
João manobrar elementos indisciplinados através do reino.
Machiavelli - que a retardatário!
Às
vezes acho que os poemas de Penelope Shuttle voltam no tempo
muito antes da assinatura da Magna Carta em Runnymede (que,
por coincidência, é apenas
um par
de milhas de onde os Shuttle cresceram). O encanto,
inventário, e os componentes de semi-catecismo no seu trabalho
são um tipo de paganismo moderno, uma mágica que consegue
invocar energias imaginativas enquanto sabe do que elas são
poeticamente feitas: as quais talvez enxergam mito, ritual e o
fantástico como formas de expressão das emoções mais
profundamente sentidas. Shuttle é viúva do poeta Peter
Redgrove e no último ano da sua vida ela não escreveu nada;
este silêncio continuou por outro ano após a morte de
Redgrove. Mas o trabalho mais recente de Shuttle,
laconicamente entitulado Redgrove's Wife (Bloodaxe
2006) tem visto um retorno à poesia com elegias que têm o
humor terno e encantamento do seu melhor trabalho:
Like any married woman
I dream of great houses
disabled by fire,
of maps that grow of themselves,
like old experiments
in organic chemistry
Like any widow
I have a garden
where twelve Apostles and a Christ
dine on mist and rain
de "Wife, Widow"
Como qualquer mulher casada
sonho com casas grandes
inválidas pelo fogo,
com
mapas que crescem de si,
como velhos experimentos
de
química orgânica
Como qualquer viúva
tenho um jardim
onde doze apóstolos e um Cristo
jantam neblina e chuva
Já
tinha ouvido a leitura de Shuttle antes, e desta vez eu outra
vez estava espantado em como uma palavra quase barroca de
detalhe é pronunciada em um tom direto, de senso comum, que
ajuda o tema de 'deuses do lar'.
Quanto a mim, leio alguns poemas que escrevi que foram
nomeados depois da área contígua de Runnymede, Spelthorne. O
nome é anglo-saxão e significa Speech Thorntree
(Espinheiro da Fala). Acredita-se que se refere a uma árvore
onde locais se encontrariam para conversar sobre coisas e
decidir como organizar atividades que precisavam fazer juntos;
gosto da sílaba "spell"*, também, e do foco construtivo
anárquico-sindicalista que constrasta entre as preocupações
aristrocáticas 'nacionais' de Runnymede, e então terminarei
com uma amostra:
Pardais
Você não vê muitas cercas vivas estes dias, e as cercas vivas
que você vê não são tão espinhosas, é uma pena, e quando eu
digo uma cerca viva não estou falando de uma fila de gravetos
entre duas filas de arame farpado enferrujado, ou mais
provavelmente apenas uma grande pradaria onde havia cidades
inteiras de cercas vivas não há cinqüenta anos atrás, mais
como um grande deserto, e quero dizer cercas vivas espessas,
com árvores nas proximidades para um pouco de sombra e um
campo não uma estrada não muito longe para que você possa sair
rapidamente para um inseto ou dois quando você ou os jovens
sentem fome, um sistema completo de cercas vivas, como diz o
livro, e sete entre dez pardais dizem o mesmo, e que isso é
subestimado, queremos um lugar para nos sentirmos seguros
outra vez, somos animais sociais, queremos nossa vida social
de volta, e quanto mais rápido melhor, porque numa boa cerca
viva você sempre pode discutir as coisas, tomar decisões,
brincar se você quiser, cantar, mesmo com uma voz como a
minha!
(de "A Spelthorne Bird List", Lucky Day, Carcanet,
2005)
Até a
próxima -
Richard
O livro
Lucky Day de
Richard Price's (Carcanet, 2005) foi indicado para vários
prêmios.
Ele é
Head of Modern British Collections na British Library e é co-autor,
com David Miller, do British Poetry Magazines 1914-2000: a
history and bibliography of 'little magazines' (2006).
Ele escreve aqui de forma independente.
*
Refere-se neste caso à Spelthorne (spelt -
passado de spell, soletrar, enquanto spell como
substantivo significa encantamento) |