ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

MAQUINARIA DE REVERSOS

 

I

cores anulam-se, inescritas, habitam escuros;
na paisagem do áspero,
prisioneiros alinham-se
sob as vigas
do hospital-labirinto
em sujiatun.
apenas o sol se infiltra
nas brechas do estuque,
perfurando
como um bisturi
às cegas.


II

mordendo os próprios pulsos,
movimenta-se, 
desorientado,
atrofiado,
recurvado,
em galerias de negrume.
reverbera
contínua proliferação
de imagens,
cinema insano
que alguns chamam
realidade.


III

talvez após ler a notícia num portal
que Han ou Chen ou Bin
perdeu falanges
e artelhos,
arrancados pela maquinaria
de reversos,
você considere
que não é este
o absoluto,
nem o único relativo,
no amplo feixe de possibilidades;
talvez reflita que pertencer
a este roteiro
é uma condição alterável,
e o próprio roteiro,
passível de ser reescrito;
ou talvez se conforme à somatória
de enganos,
satisfeito em sua erótica simples,
porca,
sua música de lupanar;
e siga de um a outro lado da calçada,
as mãos no bolso,
olhos de árvore,
confirmando a hipótese
intolerável.

 

Claudio Daniel, São Paulo, janeiro / 2008

 

P.S.: Sujiatun, distrito na cidade de Shenyang, nordeste da China, onde se localiza o Hospital Provincial de Tromboses. Conforme denúncias de dissidentes, veiculadas na internet, no subsolo do edifício encontra-se um presídio para integrantes da seita clandestina Falun Gong, que são vítimas de torturas e da extração involuntária de órgãos para a venda no tráfico internacional. Mais informações nas páginas:

http://www.elenara.com.br/versao2.0/consulta_posts.php?id=1091

http://falunhr.org/index.php?option=content&task=view&id=1576&Itemid=0

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