CARTA DE RAMALLAH
Lejeune Mirhan
Car@s, finalmente estou em terras palestinas ocupadas. Uma verdadeira maratona que relato de forma resumida. Muita emoção, é bem verdade. Faço-lhe a partir dessa mensagem um breve relato da visita.
Saímos meia-noite da segunda. Viajamos para Istambul por 12 horas seguidas em voo com muitos turcos e turistas brasileiros. Com o fuso horário, temos que adiantar nossos relógios brasileiros em cinco horas. Fiquei seis horas na capital da Turquia. O suficiente para visitar o centro da cidade com um juiz de direito que conheci no avião, que ia para uma conferência internacional sobre infância em Seul. Uma pessoa muito progressista. Dividimos despesas de táxi de ida e volta, jantamos na cidade. Deu para ver como nossa moeda esta forte. Um real equivale a uma lira turca. Para termos uma idéia, o jantar, nosso comercial no Brasil, mais uma garrafa de água e o chá ou café ficou por nove reais. O próprio táxi, 40 reais, em uma distância equivalente de Cumbica ao centro, que dividimos. Consegui visitar a Hagia Sofia, hoje um museu, a Mesquita Azul e parte do Poerto no estreito de Bósforo, bem como o mercado municipal e o bazar do povo ao lado da Blue Mosque. Valeu muito a pena. Como bom sociólogo, pergunto coisas o tempo todo. Praticamente cem por cento do povo é muçulmano, mas não praticante (a maioria não reza cinco vezes ao dia, pelo que pude ver). E o centrista Erdogan está com a popularidade em alta.
Bem, na madrugada de terça para quarta, partimos para Tel Aviv, em mais uma hora e meia de voo. Já nesse voo, muitos israelenses presentes. É claro que minha dúvida seria era se pudéssemos ser barrados na alfândega. E aconteceu. A funcionária encarregada de conferir o passaporte fez muitas perguntas. Pedi para não carimbar o meu passaporte. Momento de muita tensão. Pois não é que as coisas ficaram piores? Ela saiu de sua cabine e pediu que eu a acompanhasse. Fui colocado em uma sala onde já havia cinco pessoas, inclusive uma muçulmana jovem, provavelmente palestina. Veio no mesmo voo que eu vim. Vi na sua mochila um botton com a bandeira palestina. A tensão aumentou. Depois disso, vieram duas pessoas me perguntar mais coisas. Pediram documentos, convite do evento de que participaria, cartão de crédito, nome do hotel etc. Até o limite do meu cartão internacional e quantos dólares em moeda eu tinha na carteira. Depois disso, as coisas pioraram ainda mais.
Veio um agente da polícia federal – ou seria do Mossad? – ele mostrou a identificação, mas em hebraico, que não entendo nada. Fez um intenso interrogatório. Perguntou até se eu era muçulmano. Disse que era ateu... ele riu, como quem diz, isso pode... ser muçulmano é crime! Incrível isso. É a democracia israelense. Voltei à sala de espera. Tiraram xerox de tudo. Então, finalmente, fui liberado. Uma hora e meia de tensão. Chegamos 2h30 da madrugada desta quarta e saia dali às 4h. depois, encontrei-me com um camarada sindicalista sul-africano e um camarada da General Union of Palestine Workers nos esperava para uma jornada de mais uma hora de carro até Ramalláh.
No caminho, vimos dois assentamentos/ocupações israelenses. Fortemente iluminadas e protegidas. Chegamos ao hotel às cinco. Nos levantamos às 8h30 e tomamos café. Praticamente duas noites sem dormir. Mas nada de sono. Por isso faço o presente relato.
No café de hoje travamos contato com o camarada Mohamed, da executiva da Federação Sindical Mundial (a sigla em inglês é World Trade Union Federation). Ele nos informou que amanhã, quinta, 22, teremos representantes de 20 países e cerca de 25 centrais sindicais que virão para a Conferência Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. O próprio secretário-geral, Georges Mavrikos, da Grécia e deputado do PC Grego, chega hoje e fará a conferência de abertura que contará com ou Mahmoud Abbas ou Fayed, primeiro ministro ou ambos inclusive.
Esperamos poder conhecer Jerusalém e vamos visitar aldeias palestinas para vermos de perto como a ocupação israelense funciona, a humilhação que impõe aos palestinos nos chamados check-points etc. O que sempre soube por leituras vou ver com meus próprios olhos. Mandarei outros relatos. Amanhã, na abertura, falarei em nome da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a quem vim representar por delegação do nosso presidente Wagner Gomes. Lerei uma carta que ele enviou. Por aqui o inglês é a segunda língua. Praticamente todos falam. De minha parte, depois que destravamos – e desde o avião foi assim – a fluência esta melhor do que previa.
Para os amig@s que não sabem, a nossa FSM tem centenas de centrais sindicais filiadas nos cinco continentes. A chinesa é observadora. Ela afirma representar cem milhões de sindicalizados (a outra, a CIS, da qual no Brasil a Força e a CUT são afiliadas, diz representar 250 milhões). Ainda temos no Brasil a CGTB como filiada, mas não confirmou a presença. Uma grande responsabilidade a minha por ser o único brasileiro presente.
Bem, vamos inclusive tratar do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre, que por aqui tod@s já sabem e têm muitas expectativas sobre isso.
Dr. Ibrahim, nosso embaixador, que nos tem dado todo o suporte possível, acionou a própria ANP em apoio ao evento e à nossa estadia, a quem agradeço de público. Aproveito para dizer que, além de mim, os camaradas e companheiros Emir Mourad, Ricardo Abreu e Eduardo Elias, deveremos receber uma medalha de homenagem como apoiadores da causa palestina assinada pelo próprio Abbas. Isso deve acontecer na próxima terça, dia 27 de março, provavelmente às 19h. Estamos vendo um local para essa pequena solenidade. Comunicar-me-ei com tod@s sobre isso. Temos – felizmente! – internet livre no hotel que estamos, que é o Eastern, de excelente qualidade (café da manhã com vários pratos árabes...).
Bem, fico por aqui, mas ligado, plugado e aceso, sem sono algum... pronto para a “batalha”. Agora que lhe escrevo, aqui são 12h40. Vamos almoçar daqui a pouco e sairemos para conhecer as proximidades do hotel e travarmos contatos com as delegações que estão chegando. Tanto no momento da chegada como agora ao meio dia ouvi e em alto e bom som o chamado do muezin para a oração na mesquita aqui ao lado. Não entendo quase nada, não me ligo em religiões, mas esse som, deveras me cativa. Primeiro por me remeter à voz de meu avô sírio, na loja onde nasci e morei em Corumbá. Segundo, convenhamos, Maomé poderia ter sido até uma pessoa de poucas letras, mas não conheço texto com uma rima igual a do Corão.
Abraços fraternais
Prof. Lejeune Mirhan, sociólogo, escritor e arabista. Colunista do Portal Vermelho e da Revista Sociologia.
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