MEKOROT E O APARTHEID DAS ÁGUAS
“Sem o direito à água, o direito à vida fica anulado”
Amnesty Internacional
Natalia Forcat
A empresa estatal israelense Mekorot fornece mais de 80% de toda a água potável consumida em Israel. No site oficial da estatal podemos ver que a empresa se apresenta como uma das mais avançadas do mundo em termos de tratamento de água, dessalinização etc. "Através da inovação investigação, experimentação (...), Mekorot fornece um fluxo constante de água limpa para uma população em rápido crescimento, apesar dos recursos de água doce da região limitados, o clima árido e difíceis realidades geopolíticas" segundo o site da empresa. Seriam estas difíceis "realidades geopolíticas", às quais o site faz referência, a resistência dos palestinos a serem privados de um dos bens mais básicos? Sim, porque esta é a função de Mekorot, contribuir com o saqueio dos territórios palestinos ocupados por Israel com apoio total do próprio exército do país sionista.
Israel promove suas empresas estatais como vanguardistas em termos tecnológicos, sejam estas empresas da área de segurança, armamentistas ou, neste caso, tratamento de água, mas muitas vezes (ou talvez a maioria delas) esta tecnologia foi desenvolvida às custas do sofrimento de um povo que vem sendo vitima do saqueio sionista há mais de 60 anos.
Desde a fundação do estado em 1948, Israel sempre tentou ter o maior controle possível sobre os recursos hídricos e limitar o acesso dos palestinos a estes recursos, essenciais para a sobrevivência. Desta forma, através do controle da água, tem forçado a migração dos habitantes originais da terra. Israel está proibida pelas leis internacionais, de construir assentamentos em territórios ocupados. A mesma lei obriga o estado judeu a garantir o abastecimento dos elementos essenciais a sobrevivência para a população que reside nas áreas ocupadas. Mekorot, como estatal e parceira da política israelense de limpeza étnica, está diretamente envolvida e é corresponsável pelas violações de direitos humanos cometidas contra a população palestina.
Vejamos de onde vêm as águas usurpadas que Mekorot comercializa.
Rio Jordão:
Israel extrai água do lago Tiberíades (Mar da Galileia) - Aproximadamente de 440 a 600 MMC por ano são transportados para fora da bacia do rio Jordão a cidades costeiras israelenses através do Aqueduto Nacional, construído e administrado por Mekorot. Este desvio de água provocou a redução do cauce normal da Parte Baixa do rio Jordão de 1,227 KM3 a 114 km3 anuais, o que também ocasionou a diminuição do nível de água do Mar Morto.
Situação legal: O uso da água do rio Jordão viola a norma fundamental do direito internacional da água e também os acordos de Oslo.
Territórios Palestinos Ocupados e Síria:
Cisjordânia e Gaza: atualmente os palestinos têm acesso a apenas 18 % dos seus recursos hídricos subterrâneos e não tem acesso a águas superficiais. Desta forma Israel dispõe de 90 % de toda a água, enquanto os palestinos têm acesso a somente 10 %. Uma quarta parte da água vendida por Mekorot a Autoridade Palestina provem da própria Cisjordânia ocupada.
Em 1982 a infra-estrutura hídrica da Cisjordânia foi entregue a Mekorot e é controlada pelo exercito israelense. Mekorot administra toda a rede de águas dos assentamentos. Mekorot opera 42 poços em Cisjordânia, principalmente no Vale do Jordão. A maioria da água extraída é para abastecer as colônias ilegais.
Altos do Golã: Israel possui 1967 bombas de extração que permitem a extração dos recursos hídricos do Golã, territórios sírios ocupados por Israel e que são considerados "propriedade do estado" segundo as leis israelenses.
Os colonos utilizam a água subterrânea e a superficial. O lago em Ram, situado perto da aldeia árabe de Mas'ada esta fechado para aproveitamento por parte de árabes. A água é canalizada para ser usada somente em assentamentos judaicos a 70 km de distância.
Situação Legal: A IV Convenção de Genebra proíbe a usurpação de recursos de territórios ocupados.
O apartheid da água
Mekorot é cúmplice da política de apartheid praticada pelo estado de Israel, beneficiando a população judaica e impedindo o acesso de árabes (palestinos ou sírios) ao vital recurso. Em tempo de seca, são os colonos que têm prioridade para o uso da água. Os 450.000 colonos judeus, recebem muita mais água que os 2.300.000 palestinos que vivem na Cisjordânia. A qualidade de tratamento de água dos palestinos é pior que a qualidade da água recebida pelos israelenses. Um cidadão israelense consome, me media de 350/400 litros de água por dia, um palestino apenas 40 litros diários e em algumas regiões 20 litros diários (a OMS- Organização Mundial de Saúde – recomenda o acesso de 100 litros diários a cada pessoa). O preço da água recebida pelos palestinos é mais cara que o preço da água recebida pelos israelenses.
Enquanto todas as colônias israelenses têm pleno acesso a água, uns 180.000 a 200.000 palestinos, principalmente os que habitam comunidades rurais, não tem acesso a água tratada. O controle dos recursos naturais é ponto-chave do apartheid israelense. E quando não conseguem controlá-los, tratam de degradá-los a ponto de tornar a vida insustentável para as famílias palestinas, forçando estas a abandonar as áreas degradadas.
Situação Legal
A ONU proclama o “direito a um acesso equitativo e não discriminatório a una Quantidade suficiente de água”. O Principio 4 de a Conferencia de Dublin de 1999 estabelece “…direito fundamental de todo ser humano a ter acesso a água pura e saneamento por um preço acessível”
Mekorot impede acesso dos palestinos à água
A estatal faz parte de um sistema burocrático e militar que impede sistematicamente o acesso dos palestinos e dos habitantes do Alto do Gola à água.
O muro ilegal construído na Cisjordânia tem mais de 800 km de comprimento. O Tribunal Russell alertou que a rota do muro é praticamente idêntica a "linha vermelha" elaborada em 1967 pelo ex-comisionado da água de Israel Menachem Cator, para delimitar as regiões da Ribeira Ocidental das quais Israel poderia se retirar sem ter que renunciar as principais fontes de água.
Entre 1967 e 1996, Israel concedeu aos palestinos apenas 37 licenças para a construção de novos poços. Os palestinos só podem fazer poços de até 300 metros de profundidade, enquanto os poços dos colonos judeus podem ter uma profundidade de 1.500 metros. Até os canos de abastecimento para os povoados palestinos tem diâmetros significativamente menores que os das casas israelenses. Não é raro que as autoridades israelenses destruam poços de água e tanques palestinos, principalmente nas regiões rurais mais pobres. Também é comum o confisco de caminhões com água. Durante a Operação Chumbo Fundido, 70% da população de Gaza ficaram sem acesso à água, foram destruídos 4 poços e 8.693 tanques de água e em algumas regiões até 50% da rede hídrica foram destruídos. Israel não permite a reconstrução da infraestrutura hídrica, por esse motivo se calcula que de 90 a 95 % da água de consumo em Gaza não é potável.
160.000 beduínos palestinos, cidadãos de Israel no Negev, vivem em 45 aldeias às quais Israel nega o reconhecimento e impede a construção de redes hídricas de água potável.
Situação legal:
A Convenção de Genebra estipula que Israel, como potência ocupante, é responsável pelo bem-estar da população dos territórios ocupados e deve garantir os elementos fundamentais para a sobrevivência. O artículo 54 (2) da Convenção dos Estados afirma que "fica proibido atacar, destruir, subtrair ou inutilizar bens indispensáveis para a sobrevivência da população civil tais como [...] instalações de água potável. O Principio 4 da Conferencia de Dublin de 1999 estabelece o “…direito fundamental de todo ser humano a ter acesso a água pura e a saneamento por um preço acessível”.
Crimes contra a humanidade na gestão das águas
As práticas em relação à gestão das água, formam parte das políticas israelenses que violam os direitos humanos mais básicos, violam a lei internacional (incluindo a lei humanitária internacional) e desrespeitam as resoluções da ONU.
Os crimes contra a humanidade cometidos por Israel com a cumplicidade da empresa estatal Mekorot são:
-Expulsão forçada:
Israel aplica uma política de deslocamento forçado desde 1948. As autoridades israelenses utilizam varias práticas militares, burocráticas e legais para expulsar as comunidades ou tornar a vida destas comunidades impossível. As praticas de Mekorot sobre as águas tem um papel central nesta política.
-Crime de apartheid
A ONU codificou o crime de apartheid na Convenção Internacional sobre Repressão e o Castigo do Crime de Apartheid, aprovada em 1973. Em setembro de 2011, o Tribunal Russell considerou que Israel submete o povo palestino a um regime de apartheid segundo as normas estabelecidas pelas leis internacionais. Entre as praticas o Tribunal citou em particular o acesso discriminatório à água.
Mekorot e sua política chegam a América Latina
A estatal israelense responsáveis por tantos crimes já chegou a América Latina. Durante o Fórum Social Mundial Palestina Livre que aconteceu em Porto Alegre em dezembro de 2012, aconteceu um debate organizado por diversas entidades em que os representantes argentinos fizeram diversas denúncias e relataram a luta que esta acontecendo neste momento para impedir a privatização das águas da província de Buenos Aires, Argentina. Entre outras denúncias foi relatado o uso de diversas ilegalidades jurídicas para favorecer a estatal israelense.
Durante a mesa-redonda El Apartheid del agua en Palestina y la privatización del agua del agua a nível mundial: Mekorot, el agente israelí del roubo de águas, organizada por Stop the Wall, Amigos de la Tierra Brasil, ATE (Asociación de Trabajadores del Estado Argentino), Federación de Entidades Argentino-Palestinas, Lifesource e FEPAL (Federação Árabe Palestina do Brasil) diversos aspectos das atividades da estatal Israelense foram tratados. Foram apresentados informes e denúncias documentadas in loco, pareceres de tribunais e provas dos crimes cometidos e do desrespeito às mais básicas leis do direito internacional, questões que precisam ser urgentemente levadas a um público mais amplo mas que, não por acaso, vem sendo ignoradas pela grande mídia.
Mekorot, de olho no Brasil
Em algumas regiões do Brasil já existem parcerias com a Mekorot, especialmente na Bahia e outras regiões do semi-árido brasileiro, recentemente surgiram denúncias sobre uma possível parceria entre Mekorot e a prefeitura de Porto Alegre.
Uma parceria entre Mekorot e Porto Alegre envolveria a prefeitura da capital gaúcha no financiamento de uma empresa co-responsável de crimes de guerra, denunciada em diversos tribunais internacionais por desrespeito aos direitos humanos mais elementares. Firmar contratos com uma empresa que comete tamanhos crimes poderia ser considerado até imoral, além de danoso à imagem da cidade, que é conhecida no mundo todo por seu processo de democracia participativa e é sede de grandes eventos internacionais como o Fórum Social Mundial. Atualmente, Porto Alegre é abastecida pela DMAE, uma empresa pública de água e saneamento, que é considerada referência. Por esse motivo, preocupam ainda mais as declarações de funcionários ligados ao governo municipal sobre possíveis contratos com a estatal israelense Mekorot e outras empresas israelenses do setor de tratamento de águas.
O titular da Direção Municipal de Produção, Industria e Comercio de Porto Alegre (SMIC), Valter Nagelstein, manifestou num artigo jornalístico que estava emocionado com a possibilidade de reduzir os resíduos da estação Serreria, que forma parte do Projeto Ambiental Integrado (PISA), trabalhando em parceria com empresas israelenses. Em outra ocasião, representantes do DMAE declararam interesse em sistemas desenvolvidos por empresas israelenses de águas. Causa preocupação que uma empresa como a DMAE, comprometida com o bem público, mantenha contato para possíveis parcerias com empresas que enviariam o seu lucro para financiar atos de guerra e violações de direitos humanos.
A água como bem público
Muitos movimentos sociais estão se movimentando e organizando para lutar contra a privatização da água e para defender a idéia de que o acesso à água é um direito humano básico do qual não se pode abrir mão. Nas frequentes crises do capitalismo e com o aumento da degradação ambiental cada vez mais acentuado, a apropriação dos recursos ambientais esta em expansão. Por isso estão surgindo varias redes de cooperação entre países do Mercosul e o estado palestino. Ações diplomáticas no Mercosul e na Unasul são parte da estratégia dos movimentos sociais para fazer frente aos interesses da Mekorot, assim como a campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). A Marcha Mundial das Mulheres considera que a luta pela água como bem público é uma luta feminista, pois seriam as mulheres as principais vítimas da falta de acesso a água, e por isso apóiam diversas iniciativas nesse sentido como no Rio Grande do Sul, onde fazem parte do Comitê em Defesa da Água Pública, e na luta das mulheres da Chapada do Apodi-RN, contra os projetos de hidronegócio.
Campanhas internacionais de boicote a Mekorot.
Lisboa
A campanha de BDS contra Mekorot recebeu apoio de três partidos políticos majoritários, dois dos maiores sindicatos, assim como de membros do governo e do parlamento.
Los Angeles
EUA concedem 3 bilhões ao ano em ajuda militar e outras quantias também elevadas como ajuda econômica indireta ao estado de Israel, mas em 2008 os cidadãos de Los Angeles se opuseram a que o Departamento de Água e Energia (LADWP) firmasse um memorando de entendimento com a estatal israelense Mekorot.
Buenos Aires
A licitação pouco clara e o aumento das tarifas de ate um 33 % por obras que no seriam necessárias provocaram a mobilização de sindicatos e usuários que conseguiram paralisar as obras. A campanha de boicote esta vigente e por causa disso Mekorot ainda não começou obras que foram prometidas para 2011.
Denúncias de organizações internacionais e campanhas contra a Mekorot
Entre as instituições e organizações que tem denunciado a Mekorot por seu envolvimento direto com violações dos direitos humanos e desrespeito de leis internacionais estão:
Instituições públicas e das Nações Unidas:
Jean Ziegler, Relator Especial sobre o direito a alimentação, informe da 60 ª seção da Comissão de Direitos Humanos, outubro de 2003: http://www.righttofood.org/new/PDF/Occupied%20Palestinain.pdf
Sr. Miloon Kothari Relator Especial sobre uma vivenda adequada como elemento integrante do direito a um nível de vida adequado, informe a 59 ª seção da Comissão Human Rights, Junho 2002: http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/36351ea8a4425f1cc1256c84003e0c84/$FILE/G0214506.pdf
Missão da Comissão de Assuntos Exteriores do Parlamento francês, Informe de dezembro 2011:
http://www.assemblee-nationale.fr/13/pdf/rap-info/i4070.pdf
Organizações internacionais e palestinas:
Amnistia Internacional, Troubled Waters: Palestinians denied fair access to water, 2009, http://www.amnesty.org.uk/uploads/documents/doc_19771.pdf
Human Rights Watch: Separate and Unequal Israel’s Discriminatory Treatment of Palestiniansin the Occupied Palestinian Territories, 2010, http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/iopt1210webwcover_0.pdf
EWASH e al Haq: Joint Parallel Report to the Committee on Economic, Social and Cultural Rights, September 2011:
http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/ngos/EWASH-Al-Haq_Israel_CESCR47.pdf
ADALAH: Report to the UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights “The Rights of Palestinian Arab Citizens of Israel”, October 2010, http://alturl.com/8xbdb
COHRE, Policies of denial: Lack of access to water in the West Bank, December 2008: http://www.cohre.org/sites/default/files/policies_of_denial_-_water_in_the_west_bank_dec_2008.pdf
Mais informações:
French parliament report accuses Israel of water 'apartheid' in West Bank: http://www.haaretz.com/print-edition/news/french-parliament-report-accuses-israel-of-water-apartheid-in-west-bank-1.407685
The Russell Tribunal on Palestine: http://www.russelltribunalonpalestine.com/en/wp-content/uploads/2011/11/RToP-Cape-Town-full-findings3.pdf
Aguas Turbulentas: http://www.amnesty.org/en/library/asset/MDE15/027/2009/en/41cff16c-a5b1-4fc7-abc0-142218e77047/mde150272009es.pdf
La géopolitique de l’eau: http://www.assemblee-nationale.fr/13/pdf/rap-info/i4070.pdf
NOTA
Artigo elaborado conforme informações de Stop The Wall e Marcha Mundial das Mulheres.