Qasaêd ila Falastin
(Poemas para a Palestina)
Jamas
Para as crianças de Gaza
suicidar
a morte
encaixar beleza num castelo
de naufrágios
faces deformadas
pequenos lords:
as animálias
da resistência
repensar o vivo
como súbito
alegorias em mudas macas
(carbonizadas)
desfilando rua abaixo
sem esforço
quem os diria... reis?
dos próprios escombros
lavando o asfalto, os olhos
repintados pelo lodo
(quando nasce a flor na rua
é de concreto:
cinza alastra dizimando
o solo - infértil)
Lara Amaral
Paula Freitas
20/11/2012
FILM, 1959
Hoje não vamos para Köln. Nem hoje,
amanhã ou dois mil e catorze, meu bem.
A mágoa arranha as vidraças das catedrais,
escondida. Já foram olhos, vitrais e saudade,
agora - com tantas crianças mortas, palestinas
e irlandesas e decididamente apenas
humanas - cidades apenas, como todas
as outras conurbadas, caminhadas a ferro,
coloridas, bombardeadas e esquecidas.
Cidades nossos olhos vidraças que não coram,
nem riem, nem choram ou menir. Mais um
inútil estudo para o silêncio, o deserto. Ruínas.
Nina Rizzi é poeta e colaborou em diversos sites, blogues e revistas de poesia, como Cronópios e Zunái. Em 2012, publicou o livro de poesia Tambores para N’zinga.
* عيون الطفولة
Abriu os pequenos olhos grandes
como nozes abertas, com a cor do deserto, com as cores das imensidões pardas
e olhou o céu como se olhasse dentro de um grande envelope pardo
como se visse sua profundidade
e de lá caíram mensagens luminosas, sonoras, estapafúrdias
o chão então desfez-se em areia sob seus pés, pequenos pés pacíficos
o envelope também caiu, agarrou-o e fez dele um barco de papel pardo
para navegar sobre o mar de areia
o sol lançava suas pontas afiadas de luz
fechou os grandes olhos curiosos, mas olhos curiosos não deixam de ver
a pálpebra avermelhou-se, via um sol de sangue colorindo suas pálpebras pardas
* Olhos da infância – Aiun al-Tufulat
Carina Castro, poeta, estudante de Letras e Língua Árabe na USP. Pesquisa e escreve Literatura Infantil. Colaborou em diversas revistas digitais de literatura, como Desenredos e Macondo.
GAZA
escorria sangue da garganta da tarde
escorria sangue do vão microtônico que vaza das horas mortas
escorria sangue
escorria langue nas vidraças estilhaçadas pelos gritos dos shavit
escorria sangue dos cortes em efe grafados nos flancos da eternidade
escorria sangue das asas da resistência (com suas plumas brancas feitas das pétalas de
[ lótus d’agua)
escorria sangue pela garganta da tarde
escorria sangue pelo nehar hayarden levando consigo o nome das flores
escorria sangue pelo yam kinneret lavando com cinzas os nomes das cores
escorria sangue pelo yam ha-melah velando com signos o hímen das dores
escorria sangue
escorria sangue pela garganta da tarde
escorria sangue nas ultimas gotas de sol (ocultas em dois olhos-quase-pombas)
escorria sangue no jardim assustado pela sombra dos sorrisos espasmódicos
escorria sangue nas línguas elétricas de um poente televisionado
escorria sangue do preludio do vento que se derramava pelos grandes olivais
escorria sangue pelo rosto derretido da aurora (horas antes exangue)
escorria sangue pelo feérico cordel dos primeiros violões enluarados
escorria sangue pelo vento sem lua (pelas folhas que caem na pedra nua)
escorria sangue pelo vento sem cor (pelas folhas que caem quando morre uma flor)
escorria sangue pelo vento norte (pelas folhas que caem na boca da morte)
escorria sangue
escorria violento
(e corria vil e lento)
escorria sangue pelo ar pela arte pela artéria
escorria sangue pela face imunda da miséria
escorria sangue pela lucífera lasca de relâmpago que à leste erra
escorria sangue
escorria langue pelas sombras e pelas sombras das sombras
escorria sangue pela harmonia vertiginosa tecida da voz do trovão
escorria sangue pelos olhares já silenciados (com suas pesadas máscaras de amnésia)
escorria sangue pelos olhares cinzentos (que sintetizavam cada gota desse amargo
[silêncio) escorria sangue pela cicatriz reclusa no turbante da viúva
(que se abre como as pétalas vermelhas de uma vulva) escorria sangue pelo pêlo pela pele pelo pejo pela pedra na mão do menino
escorria sangue em sanha e salvas em seios e seivas alvas em silvos e signos
(soltos ao ar salino)
escorria sangue pelo feérico cordel dos últimos violões ensolarados
escorria sangue pela clave mais grave (onde o olhar ocluso rumina raios)
escorria sangue
escorria langue da garganta leprosa da tarde
escorria sangue da garganta da tarde dolente
(como uma rosa aberta à punhal num coração doente)
escorria sangue entre as ocas taquaras
(como a serpente que despe o seco véu de suas cascas) escorria sangue pelo outono frio
(que come notas sem nome à margem do rio)
escorria sangue pela estrada de chão
(onde cada palavra alada revoa em solidão)
escorria sangue por cada excerto triste
(que vê seu tema no vento leste)
escorria sangue
escorria langue pela garganta infeccionada da tarde
escorria sangue
escorria langue pela palavra infeccionada no muro
escorria sangue
escorria langue pela lagrima plúvia do céu
(que não entende da cotação do shekel)
escorria sangue
escorria langue no veloz amplexo do relâmpago
(que não entende de fosforo branco)
escorria sangue
escorria langue pelos olhos verdes da revolução
(que não entendem de invasão)
escorria sangue
escorria langue pela nuvem-carne e pela radiação solar
(que não entende do preço do dollar) escorria sangue da garganta da tarde
escorria sangue
escorria langue por toda Gaza
Daniel Perico Graciano nasceu em 1987 na cidade de Santa Cruz das Palmeiras, interior de São Paulo. Além de poeta é artista plástico, musico e compositor. Sua poesia, assim como toda sua arte, tem como tema principal sua visão política. Daniel é autor de "O beijo do relâmpago" (poemas) e da prosa experimental "O prélio cavalo preto e a rainha branca rosa".
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