ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

O JOGO COM PERSÉFONE

 

"... o espírito moderno", diz o ceramista, "foi menos uma empresa de representação do real imediato que uma jornada de ruptura: avatar febril da sedução pelo excessivo, pelo cristal inusitado ou bizarro: um novo barroco ou simbolismo, rumo à linguagem poética absoluta. Ou ainda: lance de dados para transtornar as noções lineares de tempo e espaço e a sensatez caprina do enxadrista, que movimenta torre e cavalo nas previsíveis dimensões do tabuleiro." "Ocorre que a beleza é impossível depois de Hiroshima", diz a estudante de sociologia. "Por isso o jogo com a perséfone da história, paisagem necrosada com odor de carnes penduradas, e a visão íntima de algo além do cinza, além do metal, da brasa rubra tatuada em ouro e nada", dispara o escafandrista. "Uns exibiram vísceras de fetos em jarros", diz o anatomista, "e alguns inventaram línguas para dizer o indizível nada." "Outros flertaram com espelhos, esfinges e esferas", afirma o metafísico, "usando a harmonia das palavras para sondar poços de luzes espectrais. Criaram pântanos de urtiga, máquinas eróticas e cegonhas corcundas, cujo canto provoca o incesto entre as flores." "Para cá, para lá... Um novelozinho de linha... Para cá, para lá... (...) O novelozinho caiu." "É preciso esquecer Manuel Bandeira", diz a moça linda em túnica marroquina aos vates cadavéricos que rumorejam em decúbito dorsal.

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[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]