O
JOGO COM PERSÉFONE
"...
o espírito moderno", diz o ceramista, "foi menos
uma empresa de representação do real imediato que uma
jornada de ruptura: avatar febril da sedução pelo excessivo,
pelo cristal inusitado ou bizarro: um novo barroco ou simbolismo,
rumo à linguagem poética absoluta. Ou ainda: lance
de dados para transtornar as noções lineares de tempo e espaço
e a sensatez caprina do enxadrista, que movimenta torre e
cavalo nas previsíveis dimensões do tabuleiro." "Ocorre
que a beleza é impossível depois de Hiroshima", diz a
estudante de sociologia. "Por isso o jogo com a perséfone
da história, paisagem necrosada com odor de carnes penduradas,
e a visão íntima de algo além do cinza, além do metal, da
brasa rubra tatuada em ouro e nada", dispara o escafandrista.
"Uns exibiram vísceras de fetos em jarros", diz
o anatomista, "e alguns inventaram línguas para dizer
o indizível nada." "Outros flertaram com espelhos,
esfinges e esferas", afirma o metafísico, "usando
a harmonia das palavras para sondar poços de luzes espectrais.
Criaram pântanos de urtiga, máquinas eróticas e cegonhas corcundas,
cujo canto provoca o incesto entre as flores." "Para
cá, para lá... Um novelozinho de linha... Para cá, para lá...
(...) O novelozinho caiu." "É preciso
esquecer Manuel Bandeira", diz a moça linda em túnica
marroquina aos vates cadavéricos que rumorejam em decúbito
dorsal.
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