ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

QASAÊD ILA FALASTIN

(Poemas para a Palestina)

 

 

 

 

 

 

Marcelo Ariel

 

 

SALMO PARA A PALESTINA

 

Uma rosa de Sal

não afunda;

Ama.

Uma rosa de cristal

não morre:

Brilha.

Uma rosa de luz

não compreende:

Vive.

Você ouvirá

todas as rosas

cantando seu nome

Palestina

No jardim

que antes estava

fechado para ti.

Palestina

A folha secando

na areia

não será mais

a morte,

mas o êxtase

da fusão

com o céu

que tu agora chamas

de chão,

Palestina

Será como um oração

este calor

desenhando um arco

em volta do teu coração

Uma auréola

de alegria e paz

ao redor

de qualquer rosto

Palestina

Amar qualquer rosto

será mais

do que amar uma Nação,

Erramos quando pensamos

Que o amor estava

Ali, o amor é este lugar

É qualquer rosto vivoe está aqui,

Não é o deslocamento do azul do céu,

Palestina

Não é o sangue derramado

não é o dinheiro, esta onda que avança

por dentro do sangue de inúteis desertos

até o fundo do oceano,destino de todo o ouro

e depois sobe.volta

até a absurda praia dos ossos.

Palestina

Eis o triunfo do amor

Secando o mar de sangue .

Teus mortos

Verão o Sol frio como a Lua

Incipit parodia

Do mais real do que o sonho.

Palestina

Cesse de cantar a canção do impossível

para a aragem

do campo das beatitudes,

que se apague

da mente dos poetas

este canto,

onde Querubins sem braço

com a cabeça enfaixada

brincam com Azrael,

O Poeta do povo

dirá

ao pisar no teu Solo:

‘ Sentimos o nascimento

Dos braços,

A queda

Das asas

E a das folhas

Da árvore do bem e do mal,

Agora nos consola

Saber

Que a palavra

Mais sublime

Não ilumina o suficiente,

Que uma língua tocando a outra

Não ilumina o suficiente

Somente o olhar dos animais pacíficos

Pastando nos teus campos

Palestina

Como a morte

E o amor

Iluminam

este silêncio

Dos mortos

Para sempre.

 

 

Marcelo Ariel é poeta. O poema apresentado aqui faz parte do livro Teatrofantasma: poesia e prosa, a sair pela Letra Selvagem Edições.

 

*

 

Jonatas Onofre

 

 

FAIXA DE GAZA

 

Como pode ser
esta veia sem sutura?

Este campo de destroços
em hemorragia?

A ausência das harpas
ainda verga os galhos
do salgueiro.

Mas o sol, imunda fera,
lambe um ossuário
de crianças no deserto.

 

 

Jonatas Onofre, 01/11/1991 pernambucano de Paulista, poeta e músico, graduando em Letras na UFPE.

 

*

 

Andréia Carvalho

 

 

JUDAH

 

ouço teu passo- irmão

manso de sandálias

emplastradas

sondo teus olhos

dois campos pardos

concentrados

 

e não te escuto o nome

abatido

e não te ouço os cânticos

pelos dentes afiados

 

branca munição

teu sorriso cúspide

tudo que me cospe

tudo que me cala

 

não mais te coagulam pontes

no mar vermelho do sangue

 

teus frutos amordaçados

com a fome de um jardim

suspenso

lamentam a polpa

de tua febre

 

não te entendo o êxodo

fantástico

na fissura dos mapas

 

antes da promessa

era terra à vista

teu deserto mágico

 

antes da mesquita

era o filho do cosmos

era autêntico, o livro branco

de neve

 

tu te lanças sobre muralhas

inventadas

desenhos bombardeados

 

e mutilas em seis

o que te deram

em sete

 

hamurabi coração

dilacerado e cego

oro por ti

 

escarificado



 Andréia Carvalho é poeta e publicou o livro A cortesã do infinito transparente (Lumme Editor, 2011)

 

*

 

Lígia Dabul

 

 

PALESTINA

 

Despenca o medo.

A primeira pessoa

atravessa o que

pretendo.

Não

esqueço a fúria

da visita. De novo

a pior de todas

as viagens.

Terrenos

interditos e

barbárie

aberta,

vã,

 

acusam

o direito da

resposta.

 

 

Lígia Dabul é poeta e publicou, entre outros títulos, Nave (Lumme Editor, 2012)

 

*

 

Glauco Mattoso

 

 

DAMNAÇÕES UNIDAS [soneto 4713

]
Questão controvertida! A Palestina
estado quer tornar-se. Tem direito,
é claro. Um bom accordo estava acceito
entre arabe e judeu, não fosse a mina.

A mina, subterranea, sibyllina,
symbolica, que impede esse perfeito
accordo, é o interesse do sujeito
que está, não la, nem perto, nem na China.

Quem mella qualquer chance de fronteira
commum haver alli, tem seu quartel
num banco americano, é o que me cheira.

Não só: tambem está botando fel
nas aguas, no petroleo, e vae à feira
vender metralhadora ao coronel.

 

 

Glauco Mattoso é poeta e publicou, entre outros títulos, O poeta peccaminoso (Lumme Editor, 2012)

 

*

 

Khaled Fayes Mahassen

 

GAZA DA MORTE

O grito da morte
Gaza
Fronteiras fechada
saídas cerradas
Gaza da morte

Gaza da morte

quem faz a sorte?
A lua é triste,
a vida é triste
o sol! O sol é muito triste,
a Morte!
Ah! A morte é triste.

Gaza da Morte,
Aos olhos do mundo
casa caída
vida destruída,
criança que morre
na gaza da morte

Aos olhos do mundo
ao protesto surdo.

Oh!
O grito forte
da Gaza da morte.

Sorte?

Paz! Que Paz?
Paz com braço forte
com espada que corte
com povo unido
com governo unido
e o mundo decidido
a mudar a sorte

Gaza
Gaza da morte
Gaza da morte
Gaza
Gaza da morte.

Mudará , mudará a sorte!


Khaled Fayes Mahassen é jornalista, poeta, escritor e empresário na área de Turismo.

 

*

 

 Nydia Bonetti

 

 

* * *

 

palestino povo sente

sede

que será saciada

com a videira

replantada

em

ancestrais contornos

 

 

Nydia Bonetti é poeta e colaborou em vários sites e revistas de poesia, como Cronópios, Germina e Zunái.

 

*

 

Nina Rizzi

 

 

TRATADO LÚDICO DE PAZ

 

as pernas, os seios de israele,

me fazem esquecer

todos os seus fundamentalismos.

 

eu, palestinina, e israele irmandadas pelos

pelos que se encontram em nosso entreventre

em doces quiriquiquices.

 

 

*

 

 

É IMPOSSÍVEL DORMIR COM UM SILÊNCIO DESSES

 

sou palestinina desde que nasci

e há pedaços em mim por todos os lados.

 

há cacos de mim chovendo em is

rael: gritavam eles. e era um nome. uma criança.

 

eu era um mapa recortado pelo ismo.

ismo, doente.

 

dos fados e brados queremo-nos juntar

os puzzles, os filhos, a chuva de mim, deles. 

 

mais mares que ilhas.

 

Nina Rizzi é poeta e colaborou em diversos sites, blogues e revistas de poesia, como Cronópios e Zunái.

 

*

 

Israel Azevedo

 

 

RECUSE, RESISTA

 

ao rés

 

de onde

tudo

 

ou nada

jaz

 

não mais

a guerra

 

palatável

 

à própria

carne.

 

 

Israel Azevedo é poeta e tem poemas publicados em blogs e jornais literários. Participou da antologia Jovens Poetas no Papel de Rascunho, organizada por Virna Teixeira, em 2006. Atualmente, prepara seu primeiro livro, Dragão de Rá.

 

*

 

Lalo Arias

 

A PAZ

as melhores pessoas do mundo

estão perdidas

eu gostaria de dizer

que elas não têm para onde ir

mas é mentira

pensei até em convidá-las

para virem aqui

mas eu não tenho aqui

eu gostaria de chamar cada uma delas

pelo nome

dar um prato

um talher

meu coração

meus pés

mas é mentira que eu não tenho aqui

meu lugar é Jerusalém

minha casa é a Palestina

e as melhores pessoas do mundo

estão aqui

 

Lalo Arias é autor do livro Cidade Desaparecida (Editora Scortecci, 2010, poesia). Tem outros 4 livros de poesia publicados na internet que podem ser lidos através dos links à disposição em seu blog: www.laloarias.blogspot.com

 

*

 

Angel Cabeza

 

Telegrama do Oriente

E apesar de todos os destroços

de todas as lágrimas turvas de carvão

uma flor se ergue

no jardim das pedras cinzas.

 

 

Angel Cabeza é poeta e tem publicado trabalhos na internet.

 

 

 

Celso Vegro

 

 

Do ventre do Sinai

brota o mármore da discórdia!

Colunas de sal

erguem-se do morto mar,

ressequindo corações

que milenarmente

se empilham nas muralhas de Jerusalém.

O menorá cospe chumbo em repetições,

submergidos nas areias do rancor.

Fanáticos bárbaros delirantes

lêem na Kabala

o autêntico nome D’ELE:

GRANADA!

A hirta ordem social grangrenada

assoma viúvas, orfandades e crimes,

semeia esqueletos

e desgraças do destino humano.

A Prometida Terra Devastada

sucumbe seus últimos vestígios de vida,

acampados em agonizantes destroços.

Insanidade e medo,

mobíliam a lacuna

duma inteligência ausente.

 

*

 

Célia Abila

 

 

Recado, do  mundo , ao hóspede    

 

_Ouve o grito dos mortos?

interrogo:

 

Covardia escondida em tanques

de sessenta e cinco toneladas,

lava roupa suja de sangue

em triste ensaio  macabro.

Holocausto não calou inferno?

Pensamento atravessado de fausto,

encadeado em carnificina indecente

na espoliada Palestina;

herança de  um povo abnegado

que tem incerta a paz das casas

de mulheres, crianças e velhos

na trilha pavorosa de intrigas.

 

 Céu  e  inferno relembram

os laivos dos judeus  em movimento

nacionalistas cínicos do horror;

sionismo arcaico à procura

de um cômodo segundo lar.

 

África, Chipre, Congo

Argentina! Tanto faz.

“Judeus nascidos na França

são franceses da mesma forma.”

O  nome de Mahatma Gandhi

veio à tona em voz rouca.

 Homens  com ” duplo lar”,

onde vão lavar suas roupas?

*

 

 

Rosane Carneiro

 

 

Tábua ao soldado

 

da terra à terra

: viestes do pó

e pela terra tornas-te tão barro

que desmoldas nas mãos

a fôrma da humanidade

 

pela terra aniquilas

pela terra estraçalhas

(qual valor é sangue?)

desterritorializas todo direito

consagrado

 

que o direito do homem é

– testemunha a Palestina –

terra para todos

vida para todos

à semelhança da semente

a vencer o mármore

 

da terra à terra

: viestes do pó

e te transformastes em aço

 

 

Rosane Carneiro é poeta e publicou, entre outros, o livro Corpoestrano.

 

*

 

Gabriel Resende Santos

 

 

SINA

 

esta é a sina

 

?

 

 

ouvir as sirenes atômicas rebentando os tímpanos

 

dia D a dia D

 

solenemente

 

?

 

 

os jornais espalhando horóscopos & contas milionárias &

 

novos ditadores bons de bolso & óleo

 

enquanto o menino sem voz grita

 

sem pai sem mãe sem mestre

 

o menino sem terra

 

o menino sem o menino

 

?

 

 

as crianças-escudos &

 

os velhos arrancando olhos &

 

as mulheres de sexo obliterado

 

& os meios todos tão certos & desculpáveis &

 

civilizados

 

?

 

 

entanto

 

há uma terra se ainda houver solo

 

país se ainda se hastear uma bandeira

 

crianças se ainda houver brincadeira

 

um sopro de força

 

se ainda houver compaixão

 

 

Gabriel Resende Santos é poeta.

 

*

 

João Rasteiro

 

 

O TERRITÓRIO DOS ANJOS

 

ao Márcio-André

 

 

                           esta é a nascente       o horto

                           dos anjos

                                          a luz interrompida do espigão

                                                  velhas falas do jardim do éden

                                                                           Hebrom entrançado

                           talhado em línguas de delírio                  torrente espraiada

                           o milagre                     em ti                    sedento ser rupestre

                                          das acácias tenras no golpe

                                                             coroas vermelho-cereja       geografias

                           um jardim flor       as entranhas do casulo

                                            florindo o desastre

                                                          a reincidência das cobras

                                                          a terra do júbilo       o sémen demoníaco

                                            sob as luas da velha cidade    esférula 

                           tanta chuva vermelha       manhãs ausentes de vozes concêntricas

 

                                                                       O

 

                              o dia       os dias das preces

                                                               sílabas dos lábios do Mediterrâneo raiado

                           o metal despojado       dobrado       fundente

                                                               brilho do mar       o sal nas veias abertas

                            os antigos corpos       fendas à saída de Khan Yunis

                                                               vulcões de roseiras bravas

                                                               animais cegos

                                                                             vagueando em círculos       a verdade

                                                                                                na convulsão dos anjos

                                                                                                    a extracção do ferrão

 

                                                                       O

 

 

                            toda a cegueira       os olhos de pedra numa cidade de chumbo feroz

                                                           na hora das silhuetas o metal irrompemdo fresco

                                                                                             o coração dos sábios

                                                                                             o sísmico fascínio

                                                      do crime indistinto

                                                           procurando o equilíbrio sagrado da estocada

                                                                                                  no monte das tentações

                                                           corpos       anjos        demónios       a respiração

                                         o hálito carnívoro       das raízes do mel

                                                                             um rasgão de asas na súplica do verbo.

 

João Rasteiro (Coimbra, 1965), poeta, ensaísta etradutor. É Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela U.C.Possui cerca de uma dezena de livros editados, o último dos quais, “Tríptico da Súplica”, editado pela Escrituras Editora de São Paulo. Obteve vários prémios, nomeadamenteo Prémio Literário Manuel António Pina, 2010.

 

 

 

*

 

 

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