Diante de tantas tentativas
de acordos fracassados entre Israel e os palestinos (sobretudo, durante as
últimas reuniões ocorridas em Amã, na Jordânia), concernentes sobretudo, ao
estabelecimento de fronteiras definitivas para o futuro Estado da Palestina, é
observado que os israelenses estão, cada vez mais, se voltando para as questões
de seu próprio país. Nesse ponto, as autoridades israelenses têm descoberto um
assunto que, até então, tinham sumariamente negligenciado, qual seja, a posição
dos judeus ultraortodoxos na sociedade israelense.
A atual explosão do radicalismo em
Israel, a qual a mídia ocidental conceituaria enfaticamente de
"fundamentalismo", caso referisse aos muçulmanos, pode ser considerada como uma
grande oportunidade para se repensar acerca desse fenômeno social e, sobretudo
a sua não limitação à uma única religião.
O que vem ocorrendo, nesse caso, é o
sintoma de uma reação popular frente a uma inesperada crise gerada pelo
fenômeno da chamada "Primavera Árabe". Fato que acarretou na fragilização da
posição de Israel no mundo.
Sobre essa questão, o principal foco
de preocupação é a discriminação às mulheres. Nesses últimos dias, alguns
acontecimentos divulgados geraram muitas controvérsias na imprensa
internacional:
Os organizadores
de uma conferência sobre a saúde das mulheres e a lei judaica impediram as
mulheres de subir ao palco para falar, fazendo com que pelo menos oito
palestrantes cancelassem sua participação no evento; homens ultraortodoxos
cuspiram em uma menina de 8 anos de idade, pois consideravam que ela estava
vestida sem recato; o rabino – chefe da força aérea renunciou a seu posto
porque o exército se recusou a liberar soldados ultraortodoxos de participar de
eventos onde cantoras fossem aparecer em público; manifestantes representaram o
comandante da polícia de Jerusalém como Hitler em cartazes porque ele instruiu
as linhas de transporte público de uso unissex à passar por bairros
ultraortodoxos; vândalos apagaram os rostos das mulheres que apareciam em propagandas
de outdoor em Jerusalém.
A consternação gerada por esses
últimos acontecimentos, impulsionou o Fundo Nova Israel (instituição defensora
da igualdade e da democracia) à organizar eventos com a presença de mulheres.
Da mesma forma, a Associação Médica de Israel se pronunciou à respeito, seus
representantes afirmaram sua convicção em boicotar eventos que excluam as
mulheres da esfera pública.
Frente à tantas reações seculares,
autoridades religiosas acusaram os grupos de promoção aos direitos humanos de
tentarem travar uma guerra contra a comunidade religiosa.
Para quem vive em Israel, nota-se
que o grupo dos ultraortodoxos mantém uma posição de ambivalência sobre o
Estado, a maioria o consideram insuficientemente religioso e, da mesma forma,
ainda muito prematuro em sua fundação (ocorrido, segundo eles, antes mesmo da
chegada do Messias).
A nova identidade israelense,
baseada no sionismo político, choca-se claramente com a tradição judaica e,
justamente por isso, provoca muitas críticas religiosas. De acordo com a obra Judeus
contra judeus – história da oposição judaica ao sionismo, a ideologia
sionista teria infligido mais danos aos judeus do que aos árabes. Segundo o
rabino Blau (citado na obra), "Se os árabes perderam seus territórios e suas
casas, os judeus perderam sua identidade histórica ao aceitar o sionismo. Se os
árabes perderam o lar onde praticavam a sua fé, os judeus perderam a fé, que
era o seu lar".
O chamado "israelismo", segundo as comunidades religiosas, substituiu a
identidade judaica tradicional, baseado na obediência à Torá.
Todo esse desagrado causado com a
identidade israelense moderna, pode ser considerada como uma forte premissa
para a insurgência de uma geração fanatizada e extremista.
O ápice desse fanatismo é atribuído
à uma nova variante da ortodoxia judaica que, por sua vez, têm chamado a
atenção em Israel, trata-se de uma seita fundada por Bruria Keren que, segundo
a matéria publicada na revista Carta
Capital, a "rabina e santa" (como é conhecida pelas suas seguidoras)
encontra-se presa desde 2006, sob a acusação de maus-tratos aos seus 12 filhos.
De acordo com o jornalista Antônio Luiz M.C. Costa, as práticas religiosas
impõem,
suas mulheres
a usarem literais monte de roupa para ocultar totalmente o rosto, os olhos e as
formas do corpo: a líder usa luvas, dez saias, sete mantos longos, cinco véus
na frente da cabeça e três atrás. Como não enxergam por onde andam, usam suas
crianças como guias. Para não tirar seus xales, raramente tomam banho e vivem à
parte, recusando matricular os filhos em escolas públicas. Além disso, seguem
normas estritas de medicina alternativa baseadas em cabala, homeopatia e
vegetarianismo, ensinadas pela líder.
Esse mesmo grupo integra em torno de
mil integrantes, segundo as autoridades locais, e tem sido bastante repudiado
pela sociedade israelense e, mesmo por algumas lideranças haredim. Esse
desconforto pode ser atribuído ao fato de tratar-se de um grupo bastante
recente e, por isso, muito carente de fundamentação e senso de tradição. E, por
mais que, a primeira vista, defendam o possível retorno à fé de seus
ancestrais, a nova seita não passa de uma invenção recente, contrária ao
movimento da globalização.
Juntamente às integrantes da nova
seita judaica, estima-se que a comunidade ultraortodoxa, de uma maneira geral,
gire em torno de 1 milhão de pessoas que, enfrentam dificuldades financeiras,
em sua maioria. Geralmente, o grupo mantem-se distante da política israelense,
de forma a concentrar-se diariamente em suas próprias necessidades materiais e
espirituais.
Nesse passo, ao mesmo tempo que
rejeitam o Estado, os devotos sobrevivem fazendo acordos com os governantes
israelenses. De maneira recíproca, o Estado (independentemente de serem inclinados para a direita ou esquerda)
têm sobrevivido, por intermédio de muitas concessões, a fim de garantir votos.
Convivência esta que, não impede a existência de atritos.
A medida em que a comunidade cresce
(em termos vegetativos), cada vez é maior a falta de produtividade econômica.
Frequentemente, a comunidade coloca o estudo da Torá como prioridade e,
exatamente por isso, muitos membros têm se dedicado arduamente para que os
homens ultraortodoxos possam se dedicar integralmente à essa atividade, ao
invés de trabalhar. Muito embora, as mulheres religiosas estejam adequadamente
empregadas, é muito grande o índice de desemprego entre os homens que, em sua
grande maioria, também não servem ao exército. Tudo isso, tendo em média de 6 a 8 filhos por família.
A questão que abarca as altas taxas
de fertilidade na comunidade ultraortodoxa, tornou-se uma situação
especialmente preocupante. De acordo com o diretor executivo do Centro de
Estudos Sociais Taub, Dan Ben-David, "eles representam mais de 20% de
todas as crianças nas escolas primárias". E, ainda continua: "Em 20 anos,
existe um risco de termos uma população de terceiro mundo que não conseguirá
sustentar uma economia e um exército de primeiro mundo".
Ainda, é possível constatar que as
escolas religiosas são inadequadas para o século XXI, uma vez que não aplicam
um ensino voltado para o mercado de trabalho (em uma economia moderna), nem
tampouco oferece uma formação direcionada aos direitos humanos e às noções de
democracia.
Essa falta de conhecimento, por sua
vez, têm causado uma série de incidentes nas proximidades dos assentamentos
judaico (local onde geralmente esse grupo se localiza). A recorrência para o
aumento da violência nessas localidades chamou a atenção da responsável pelo
Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da Organização
das Nações Unidas (ONU), Valerie Amos.
As práticas "fundamentalistas"
praticada pelos colonos, consiste em basicamente pegar em armas a fim de exigir
a "Terra Prometida" (definida pelo Antigo Testamento), e a expulsão das
comunidades palestinas que ainda vivem nos arredores.
Em 13 de
dezembro, 50 deles invadiram e tentaram incendiar um quartel, danificaram
veículos e jogaram pedras no comandante depois que seus soldados demoliram uma
construção ilegal em propriedade privada palestina. O Primeiro-Ministro
Benjamin Netanyahu os comparou a insurgentes palestinos e ameaçou submetê-los a
Tribunais Militares, mas nada se fez na prática e esses colonos voltaram a
incendiar uma mesquita no dia 15 e pichar suas paredes com frases como "árabe
bom é árabe morto".
Muito recentemente e, em decorrência
do peso dessa mesma comunidade para o Estado de Israel, no dia 12 de janeiro
foi confirmada a validade da chamada Lei de Cidadania, legislação pela
qual veta a concessão de cidadania à palestinos casados com israelenses. Por
seis votos à favor e um contra, o Supremo não declarou a inconstitucionalidade
do texto, mesmo diante dos muitos questionamentos suscitados pelas Organizações
não-governamentais (ONGs) de direitos humanos israelenses.
O governo anterior havia defendido a
lei por razões de segurança numa conjuntura em que a resistência armada
palestina (conferida ao grupo Hamas) promovia ataques com bombas e
armas. Ao defender a permanência da lei, o juiz Asher Grunis afirmou que
revogá-la "significaria milhares de palestinos entrando no país, após se
casarem com cidadãos israelenses". Para o magistrado, "os direitos humanos não
prescrevem o suicídio nacional".
Em contrapartida, a Associação pelos
Direitos Civis em Israel, acusou a Suprema Corte pela vigência de uma lei
racista, pois fere diretamente ao direito pela liberdade de casamento, como um
princípio democrático.
Cabe ressaltar que, para muitos
palestinos, ser um cidadão ou residente em Israel significa obter melhores
oportunidades econômicas (ao compararmos às condições oferecidas nos campus de
refugiados, por exemplo), além do acesso aos benefícios estatais.
Ainda, dois dias antes da vigência
da Lei de Cidadania, foi aprovada em Israel, a chamada Lei Contra a
Infiltração, lei que prevê prisão, sem julgamento para imigrantes ilegais.
De acordo com o texto, todos os "imigrantes que entrarem ilegalmente no país
serão presos por três anos, sem fazer distinção entre imigrantes ilegais e
refugiados de área de risco que, de acordo com as leis internacionais, têm
direito à asilo".
A medida, em particular, possui um
claro objetivo de diminuir a quantidade de
africanos que, atravessam diariamente, a fronteira localizada ao sul do
país. De uma maneira geral, esses imigrantes vem do Sudão e da Eritréia, depois
de percorrer todo o deserto do Sinai. Ao se pronunciar na rádio estatal Kol
Israel sobre o assunto, o presidente do parlamento israelense Reuven
Rivlin (citado pela BBC - Brasil) defendeu que "a entrada em massa de
infiltrados pode levar a destruição do país".
Ainda não satisfeitos com a medida
proibitiva, as autoridades israelense começaram a construir uma cerca ao longo
da fronteira com o Egito, e uma nova detenção na mesma localidade, batizada de Saharonin,
que terá capacidade (estimada) para comportar mais de 10.000 pessoas (incluindo
crianças) em suas dependências.
Todas essas medidas de caráter
discriminatórias (já citadas), da mesma forma, vem atingindo a comunidade de
judeus etíopes. No dia 10 de janeiro houve uma grande manifestação na cidade de
Kiriat Malachi (sul de Israel), motivada contra os condomínios que
orientaram proprietários de apartamentos a não vender nem alugar os imóveis
para membros da comunidade etíope, bem como contra o financiamento estatal de
escolas que se negam a aceitar alunos etíopes em Israel.
Frente a tantas manifestações
populares, o premiê israelense Benjamin Netanyahu declarou de maneira
categórica que o fenômeno do racismo é "enfurecedor e não tem lugar na
sociedade israelense". Por
outro lado, os líderes da comunidade etíope, contrariamente acusaram o governo
de conivência com o racismo, uma vez que não são tomadas medidas concretas a
fim de banir práticas discriminatórias no país.
Atualmente, Israel é uma nação
dominada pelos partidos ultraconservadores e pelos partidos da extrema
ortodoxia religiosa que, conseguiram finalmente unificar a religião e o Estado.
O que significa, nas palavras de Gershon
Knispel, "uma combinação perigosa para a democracia e para a paz".
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
BRONNER, Ethan e KERSHNER,
Isabel. Israel enfrenta crise sobre papel dos ultraortodoxos na sociedade. Disponível
em: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/nyt/israel-enfrenta-crise-sobre-papel-dos-ultraortodoxos-na-sociedade/n1597582792263.html.
RABKIN, Yakov. Judeus contra judeus: A história da oposição
judaica ao sionismo. São Paulo: Editora Acatu, 2009.