ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

 8 FEMMES: ARMADILHA PARA UM HOMEM SÓ

 

                                                               José Aloise Bahia

 

Quem ainda não acredita que as antologias e plaquetes poéticas podem ser feitas com qualidade, deve ler com atenção 8 femmes (Coleção Papel de Rascunho, São Paulo, 2006). Principalmente se for alguém do sexo masculino, gostar de pluralidade e estiver só. Sozinho no canto da sala, na cama ou na varanda à espera de um encontro com a literatura. Desligue a tomada da televisão e acione a luz. A idéia é a seguinte: 8 poetas mulheres, 8 estilos de linguagem, em ritmo de curta-metragem e sem um roteiro prévio.

Como se pode notar, os poemas fizeram travellings dos sites/blogs na internet, acompanhados de landings para o papel: uma propensão da literatura contemporânea. É importante observar também que a variedade de estilos e produções de sentidos - duas composições para cada autora - refletem a diversidade e nitidez das metáforas, lado a lado e, em companhia de formas resolutas, breves, muitas delas sensuais, irônicas, contaminadas por apreensões sutis. Uma armadilha para um homem só. Carente de encontros. Volto a repetir, encontros com a leitura e sem preconceitos.

Pois o realce é a maturidade das mulheres. Maturidades nas escolhas, linguagens e liberdades para criar. Dirigidas por sensibilidades, singularidades e vozes interiores que fazem a diferença. Elas desarmam qualquer tentativa de enquadramento. Principalmente aquelas que usam os termos "feminista" e "decorativo" de maneiras apressadas. Posturas assim, realmente, beiram a comédia, como no filme do diretor francês François Ozon, que dá título à plaquete. Que não é o caso do livro, pois o elenco parece vir de uma geração que se assume sem máscaras e aparências fáceis.

Um grande acerto é o projeto editorial: cor laranja na capa, vinho na quarta capa, folhas pretas e brancas no miolo, ícones que lembram o cinema, biobibliografias concisas e as indicações dos sites/blogs. Já os planos de linguagens são quadros reveladores de expressividades, takes consistentes. Levitam em zooms típicos de percepções transversais e exercícios imagéticos-conceituais. Gravitam em torno de temas diferentes e possibilitam uma carga tensional, que incorporam intrigas plurais com as palavras. O primeiro exemplo vem nos poemas de Ana Ramiro, que abre a plaquete. Um sopro e ressonância num candomblé giratório sem cessar pelos quatro cantos cardeais. A menina/mulher evoca os deuses numa ecologia transcendente, afirma uma determinada tradição africana e adormece nos braços de uma savana. Sem dúvida dois belos poemas, simbólicos, em linha direta com a inquietude e elementos que movem a cultura brasileira.  

Inquietude e dança agitam os poemas de Ana Rüsche. Porém, a ironia prevalece num jogo de câmera, no qual a palavra "mendigo" ajusta os links necessários. A película escorre no ato e na bebida da madrugada. Um jorro remexido pela luz que não se apaga nas calçadas. Lascivos, delirantes e uma sensualidade lancinante em busca de um prazer, "ante a plasticidade romântica da cena": eis a tônica - de preferência com gim - dos versos de Ana Rüsche.  Com o fôlego de um beijo, Andréa Catropa sublima passagens em seus poemas. A gestualidade em desequilíbrio evoca anjos de asas partidas nos dois bons poemas. Marília Kubota em "Esperando as Bárbaras" dá um close nas madames do "Norte". Ou melhor, dá um coice poético imaginativo e construtivo. Uma composição sarcástica. Este sim é um poema na dose certa para muitos homens sozinhos que precisam de uma boa reflexão ao procurar uma companhia feminina. Do contrário, ficarão a ver navios e bonecas na banheira, ou continuarão na eterna solidão dos que não procuram, escolhem e assumem os riscos.

Na ordem alfabética, aparece Silvana Guimarães. "Modo de Amar" e "A Eleita" são poemas distintos. O primeiro possui uma magia feminina tão extensa e apreciável, que agita a percepção de qualquer pessoa minimamente sensível. Essencialmente, se o leitor for homem. O enfoque romântico é malicioso, e vale transcrever o seu final: "não fales do meu anel/ de como envolve teu dedo/ (não contes que dedo)/ nem o que faço com ele/ para te ouvir chorar". Aqui o artifício estético é trilhado por uma corporalidade repleta de volúpia, desejo e a falta. O segundo, em ritmo de DVD ou zappings pela TV, assombra pela desilusão e as citações dos atores. No final das contas, "A Eleita" - a tela e seus personagens - ronda o inconsciente: uma doença, uma praga ou pesadelo que se arrasta pelas casas, cabeças e os corações urbanos, sequiosos e desenganados.

Sílvia Chueire, Simone Homem de Mello e Virna Teixeira completam a seqüência. Um trio de primeira, com destaque para Simone Homem de Mello. "De um Postal do Paraíso de Creuzfelder, Extraviando nas Águas do Piegnitz" é um dos melhores poemas da antologia. Uma reinvenção de Eva a partir dela mesma numa linguagem poética sinuosa, tendo Adão como adendo. "Eva desvirtua:/ enquanto o verbo/ se dilui em deflúvio".  O artifício líquido e escorregadio conduz a leitura e os olhos em direção ao paraíso - ou uma expulsão que resultará num inferno bastante quente. As duas coisas caminham juntas. -, no qual se sobressai uma rainha. Ou uma déia.

No ato final, eu espero, o homem que ler 8 femmes sairá diferente. Pelo menos sentirá um gosto diferenciado, o sabor das palavras, que podem ajudar a encontrar a tão sonhada mulher madura. Ou, outra coisa: sentirá o gosto de Adão, complemente só, perdido no paraíso. Se a plaquete não basta, pegue o filme em DVD. Detalhe: o DVD, segundo a Versátil, sairá em breve. Para o contentamento ainda bem que existem as velhas fitas VHS. E aquele algo a mais que move o mundo: as mulheres.

 

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José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, pesquisador e escritor. Autor de Pavios Curtos (Anomelivros, 2004). Participa da antologia O Achamento de Portugal (Fundação Camões/Anomelivros, 2005). Tem dois livros no prelo. josealoise@terra.com.br

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