INTRODUÇÃO
À PRESENÇA
Caio Gagliardi
Em
Fevereiro de 1940 findava em Lisboa a revista cultural que
estabeleceu definitivamente a crítica literária em Portugal.
Reconhecida
como o órgão do Segundo Modernismo e subintitulada Folha
de Arte e Crítica, a Presença
perfez um total de 56 números, que vinham à lume sem periodização
determinada, sendo os dois últimos publicados, numa segunda
série, após o intervalo de um ano. Com redação em Coimbra,
na Rua das Flores, e depois transferida para Lisboa, a revista
foi fundada a 10 de Março de 1927, pelos então recém-formados
José Régio, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões.
Influenciados
pela efervescência de estéticas do início do século no resto
da Europa, e mais especificamente pela Nouvelle
Revue Française (1908), de Gide e Proust, que, como sucedeu
na folha coimbrã, postulava suas crenças em manifestos, os
presencistas promoveram uma agitação intelectual e um arejamento
crítico em Portugal de modo claramente desarticulado de propostas
interventoras. A atitude crítica presencista, se assim se
puder generalizar, fazia-se à luz de um introspectivismo que
era determinante em suas linhas valorativa e de criação literária,
e que está subsumido no axioma principal da revista: arte
pela vida.
A
"inspiração" presencista
De
certo que, implícita na expressão arte pela vida, havia
a recusa do modo de criação daqueles autores que os próprios
presencistas viam como "estilistas", ou ainda, como "excessivamente
racionais", isto é, considerados impessoais e especialmente
atentos ao acabamento formal. Nesse âmbito, afastaram-se da
revista francesa, que afirmava a necessidade de se conquistar
um estilo próprio. Para os presencistas, o estilo não seria
algo a ser conquistado, construído, mas uma manifestação natural
do escritor, como resultante de uma hipotética consubstancialização
da personalidade individual na linguagem. A velha distinção
entre as artes ditas "inspirada" e "construída" é similar
à generalização que fundamenta boa parte das análises literárias
presencistas, com diferença apenas no registro: ao invés de
"arte inspirada", usava-se "arte sincera", e no lugar de "arte
construída", "artificial". Sob um enfoque rudimentarmente
bergsoniano, que privilegiava a intuição à razão, e que, mais
importante do que isso, supunha separá-las em campos distintos,
os críticos da Presença
ora apenas sugeriam, ora diziam com todas as letras que as
produções de Flaubert, Mallarmé e Valéry (este último, colaborador
da NRF), vistos, assim, como representantes de um certo tipo
de literatura, padeciam, em suma, de "artificialismo" e "intelectualismo".
Na
depressão da curva que designava a bolsa literária criada
pelo grupo, estava aquele artista que, nos próprios termos
que eram empregados, por ser vitimado de "impotência criadora",
buscaria refúgio
no labor formal e no culto da técnica (na razão, afinal);
no cume, aclamava-se o "homem de gênio", bem ao gosto romântico.
Reside sobretudo nesse aspecto - na hipótese de que a sinceridade
do indivíduo que escreve importa mais do que a técnica e o
trabalho com a linguagem - a ingenuidade e o deslocamento
temporal da concepção presencista de arte. Naquele tempo assomava
o teatro de máscaras de Pirandello, a autosondagem psíquica,
às vezes vertiginosa, em I. Svevo, F. Kafka, J. Joyce, A.
Machado e F. Pessoa (cujo verso "fingir é conhecer-se" contradita
a crença presencista numa arte ética fundamentada na sinceridade
de quem escreve), a poética fragmentária e a impessoalidade
de Pound e Eliot. Diante da quebra da unidade do "eu" e da
multiplicação da personalidade, em seus diversos graus e em
suas diferentes formas de representação, o que se estabelecia
como linha de frente dentro da Presença
estava muito aquém daquilo que hoje entendemos como algumas
das mais freqüentadas tendências do século XX.
Como
contra-exemplo ao que julgavam ser criações estéreis e desumanizadas,
os jovens críticos e artistas coimbrãos afamavam as obras
de Dostoiévski, Proust e Baudelaire, como exemplos de um certo
tipo de literatura que testemunharia a busca do auto-conhecimento
por meio da expressão mais direta e da invenção de personagens,
ou de um "eu lírico", de fundo psicológico bem explorado,
e, o mais importante, que seria reflexo ou projeção do próprio
autor na criação. A moda, afinal, era trazer para as análises
críticas a psicologia e a psicanálise, e ali buscar respaldo
para o conteúdo judicativo.
O
introspectivismo e a caracterização psicológica remetem a
uma supervaloração do indivíduo nos termos de uma estética
cuja herança mais patente é, como disse, de raiz romântica.
Só que, nesse caso, de um romantismo em consonância com a
investigação da psique, que encontrava respaldo nas teorias de Bergson e Freud, e
não no sentimentalismo expresso em derramamentos verbais de
tom confessional, ao qual os presencistas diziam-se avessos.
Na prática, entretanto, parte de sua produção literária assenta
naquela perspectiva e naqueles valores de época.
Não
é difícil enxergar, por outro lado, que a busca de uma arte
que se fizesse a partir da expressão do que seria universal
em cada indivíduo, isto é, de seus anseios, temores, sentimentos,
crenças e idéias, significava, para os presencistas, a recusa
daquela concepção de arte pautada no engajamento e no comprometimento
com causas de natureza social. A análise de cunho marxista,
bem em voga em outros redutos intelectuais, não teve espaço
na Presença. E,
não por acaso, o presencismo provocara a ira daqueles que,
também influenciados por tendências de engajamento estético
em outros países, semeavam idéias que eclodiriam, um ano após
o término da revista, na publicação do Novo
Cancioneiro em Portugal. Enquanto isso, provinham sobretudo
dos jornais O Diabo
e Sol Nascente os ataques monocórdicos em que se censurava, de um modo
geral, a falta de empenho de seus colaboradores nas causas
sociais.
Essa
outra concepção de arte, como se pode ver numa afirmação anônima,
e com ares de aforismo, que se encontra isolada no no.
8 da revista (dez. de 1928), era vista como meramente datada
e superficial:
Todos
os grandes Artistas interpretam - isto é: revelam através
da sua personalidade artística - verdades essenciais, universais,
eternas. É
por isso que aparentemente a Arte é tanto mais anti-social
quanto mais original e sincera: não são fraternidades artificiais
ou superficiais que a Arte denuncia aos homens. São comunicações
sutis, profundas e subterrâneas.
Arte libertária
Sucintamente,
a Presença representou
uma longeva e vigorosa profissão de fé de individualismo estetizante
num ambiente cultural naturalmente filiado às celeumas políticas
e de caráter belicoso. A revista foi veiculada a um ano do
golpe de 28 de Maio, em pleno processo de intensificação da
ditadura. Num período como aquele da primeira metade do sec.
XX, marcado por graves transformações no cenário sócio-político
da Europa, a decisão de impugnar em suas páginas quaisquer
formas de manifestação que não fossem consideradas "artísticas",
rendeu aos diretores da revista a acusação de "alienados"
e "reacionários", gerando revolta e inconformismo em muitos
círculos intelectuais que viam na arte a possibilidade de
intervenção social. A Presença,
por outro lado, movida por um certo ceticismo em relação ao
otimismo republicano, e pela curiosidade constante em relação
à literatura estrangeira, apostava no descomprometimento direto
com o contexto histórico e na acalorada defesa de uma arte
que, indiferente à cena de um Estado combalido, pudesse ser
vista como meio e/ou reflexo de uma individualidade.
Surpreende,
de fato, que às vésperas da Segunda Grande Guerra e, entre
outras coisas, da Guerra Civil Espanhola, aqueles jovens de
Coimbra tivessem optado por cultuar e eleger seus mestres
literários e incentivar os talentos que surgiam, a rebelar-se
realisticamente contra o vilipêndio dos direitos mais elementares
do homem. Mas se considerarmos a interferência constante da
censura estatal que,
por vezes, chegava a visar à revista, as idéias de refugiar-se
num plano eminentemente estético e de buscar uma consciência
crítica que não somente objetivasse a avaliação, mas que fornecesse
subsídios para a própria gênese artística, certamente contêm
uma vontade de libertação e de permanência (em um discurso,
não raro, indisfarçadamente democrático) que está, como reação
às convulsões sociais, quase sempre implícita nas doutrinas
do grupo:
Em
questões de arte ou pensamento, - presença não reconhece chefes, nem legisladores, nem ditadores. Se
entre os seus colaboradores algum apareça em quem a força
do temperamento, a capacidade afirmativa ou construtiva e
as tendências autoritárias denunciem uma predestinação de
ditador, - presença
não julga, por isso, dever eliminá-lo de seu colaborador.
Mas o que nele lhe interessa é o homem como homem, o pensador
como pensador, o artista como artista. Aceita nele uma personalidade
poderosa, em o sendo, - mas fica indiferente aos ditames de
ditador. [Presença
(28). Ag. - out. de 1930.]
E
ainda é possível, é verdade que em dois raros momentos, surpreendê-los
em afirmativas mais explícitas sobre a sua postura em relação
aos sistemas vigentes de poder, os quais cito não propriamente
pelas idéias que contêm, mas pelo quase total desconhecimento
que a grande parte dos críticos que estudaram o Segundo Modernismo
português, com exceção talvez apenas a Jorge de Sena, escondem
sobre o tema. Sob o título "Página Indiscreta", publicado
no primeiro número da segunda série, em nov. de 1939, José
Régio afirma: "Impossível fazer avançar o mundo e salvar a
humanidade sem abater esses inimigos públicos, - modestos
trabalhadores intelectuais assim alçados à categoria de um
Hitler... ou dos Staline." No artigo seguinte, de Adolfo Casais
Monteiro, atentando para as idéias políticas do Sr. Ressano
Garcia, a quem se refere com deboche por R.G, o crítico afirma:
"Mas nesses tempos que vão correndo, quem toma já a sério
as virtuosas palavras, que não fique logo com receio das obras?
Tanto mais que o sr. R. G. parece ter grande ternura por Hitler...
E de-facto, as obras são o diabo!"
Ao
reatar com a alta tradição literária e propor-se como vanguarda
de uma arte que aliasse, grosso modo, o ético ao estético,
a Presença opôs-se
claramente à restrição da liberdade de expressão.
"Editorial
Presença"
A
Presença foi basicamente
uma revista de crítica literária e de literatura, mas que
também abriu espaço às artes gráficas, à filosofia, e à crítica
de cinema, pintura, escultura e música, o que lhe rendeu o
papel de folha cultural. Não se tratava, entretanto, somente
de uma revista, mas de um grupo de jovens intelectuais empenhados
num determinado ideal de arte disseminado em volumes de crítica
e literatura. Esses volumes, em sua maior parte, eram confeccionados
pelos próprios editores da revista. Pela Editorial Presença
chegaram até o público leitor obras como: A
Posição de Guerra, de Branquinho da Fonseca; Os
7 Poemas Líricos, de Afonso Duarte;
Rampa, de Adolfo Rocha; O
Momento e A Legenda, de Edmundo de Bettencourt; Planalto,
de Fausto José; Margens,
de Francisco Bugalho; Confusão,
Poemas de Tempo Incerto,
Sempre e Sem Fim,
A Poesia de Ribeiro Couto e Descoberta
no Mundo Interior: A Poesia de Jules Supervielle, de Adolfo Casais Monteiro; Biografia,
Poemas de Deus e o Diabo
e As Encruzilhadas de
Deus, de José Régio; Temas,
Tendências do Romance Contemporâneo, Um Herói de Província e Elói,
de João Gaspar Simões; Indícios
de Oiro e Dispersão,
de Mário de Sá-Carneiro; e António
Nobre - Correspondência,
por C. Monteiro.
Sua
linha editorial era, como se pode ver, pautada na literatura
e na crítica literária de autores que eles próprios consideravam
como modernistas,
fossem da geração anterior ou, naturalmente, da própria. Entre
todos eles, o que mais os empolgava era, sem dúvida, Fernando
Pessoa.
Pessoa
e a Presença
Alvo
do escárnio e do desmazelo de leitores ainda herdeiros do
sentimentalismo de António Feliciano de Castilho, contra quem
a Geração de 70 havia se contraposto, ou da "prosa rica a
Fialho", como afirmam Lopes e Saraiva, dos derramamentos verbais
de Junqueiro, ou mesmo do estilo para lá de complacente de
um João de Deus, o surgimento de Fernando Pessoa chegou a
ser visto por Casais Monteiro como um clarão na "pasmaceira
intelectual" pela qual Portugal estaria passando. "Pasmaceira",
por certo, não é bem o termo, mas é também verdade que António
Nobre, Camilo Pessanha e Cesário Verde (que são importantes
precursores de temas e perspectivas tidos como "pessoanos"),
não haviam ainda caído nas graças do leitor. Do mesmo modo,
tampouco o autor de "Mensagem" conquistaria o seu devido espaço
tão cedo: foi só postumamente, na década de 1950, quando João
Gaspar Simões publica o tão monumental quanto polêmico Vida
e Obra de Fernando Pessoa,
e que começam a sair os volumes da "Obra
Completa", pela Ática, que isso se deu.
Vendo
os poetas da Orpheu
como chargistas político-partidários ou simplesmente como
jovens inconseqüentes, criadores de aberrações estéticas de
um gênero que, de modo reacionário, já se principiava a rotular
de "literatura de manicômio", a imprensa da época era unívoca
ao promover sua desqualificação pública. Para se ter uma idéia
de como se recebeu essa nova poesia, cito um trecho colhido
de O Primeiro de Janeiro,
de 07.04.1915:
Um
grupo de novos - porque não acreditamos que velhos sejam
capazes de semelhantes empreendimentos - resolveu, tomando
como pretexto iniciar um movimento de renovação literária,
despertar a atenção pública para algumas extravagâncias,
geralmente de péssimo gosto e, na sua maioria, sem sombra
de valor de arte.
Depois
de uma certa celeuma consensualmente negativa, ou, para usar
uma expressão da época, da troça
organizada no meio jornalístico sobre o lançamento dos
dois números da Orpheu, que sustentava a acusação de se realizar uma arte intencionalmente
acintosa, não se viu até 1927, data de estréia da Presença,
nem mesmo nas revistas em que Pessoa publicara, como A
Águia e Portugal
Futurista, por exemplo, qualquer nota crítica que reconhecesse
a importância do acontecido.
Caberia
à Presença o locus
inaugural, o "esteio da fortuna crítica", ou o primeiro olhar
analítico sobre o poeta. É
de um de seus editores, João Gaspar Simões, o mérito de ter
publicado o primeiro estudo exclusivo sobre Pessoa, ou sobre
sua personalidade, em Temas
(jun. de 1929). No
n.48 (jul. de 1936) encontra-se também o primeiro estudo sobre
Alberto Caeiro, intitulado "Ensaio de compreensão poética",
de Guilherme de Castilho.
À
revista coube a
publicação de alguns dos mais importantes poemas tanto do
ortônimo quanto dos heterônimos, de traduções, como do "Hino
a Pã" de Aleister Crowlëy (out. de 1931), e do célebre "Notas
para a recordação de meu mestre Caeiro", de Álvaro de Campos
(jan.-fev. de 1931). Na revista encontram-se ainda a "Tábua
Bibliográfica" do poeta (dez. de 1928), sua carta em discordância
ao ensaio de cunho psicanalítico de G. Simões (jul. de 1936),
e a célebre carta a Casais Monteiro, em que discorre sobre
a gênese heteronímica (jun. de 1937). Além disso, figuram
inúmeros artigos e notas sobre Pessoa, entre os quais uma
das primeiras referências críticas à sua obra: o artigo de
José Régio, intitulado "Da Geração Modernista" (abr. de 1927).
A
Presença ainda dedica
a Pessoa um número especial, o 48 (jul. de 1936), o primeiro
em Portugal em homenagem ao poeta falecido a 30 de dezembro
de 1935.Pierre
Hourcade é quem melhor chamou a atenção sobre a importância
que a revista teve para o poeta:
As únicas alegrias de
espírito e de coração que o grande poeta porventura conheceu
nos derradeiros anos deveu-as aos seus respeitosos e fervorosos
admiradores da Presença, e foi isso sem dúvida que o levou
a aceitar "descobrir-se" (até certo ponto), confiando-lhes,
primeiro, as "Notas para a recordação de meu mestre Caeiro"
(n. 31, Janeiro - Fevereiro de 1931), e endereçar depois a
dois deles, Gaspar Simões e Casais Monteiro, essas cartas
inéditas que a Presença publica no seu n.48 (Julho de 1936)
e 49 (Junho de 1937) e que se podem considerar o ponto de
partida obrigatório de toda a exegese pessoana digna de tal
nome". ("O Ensaio e a Crítica na Presença", in Colóquio Letras
n.38, Jul. de 1977).
Em
consonância com essa passagem, não creio que se tenha atentado
devidamente para estes dois trechos com que o leitor se depara
nos números 46 (out. de 1935) e 47 (dez. de 1935) da Presença, que testemunham com emoção, num só tempo, as coordenadas
valorativas, a grandeza duma geração de críticos e daquele
que seria considerado, em muito graças a ela, mas também apesar
dela, o maior poeta português moderno:
Fernando
Pessoa
publicou um livro de poemas - MENSAGEM
- que ganhou um segundo prêmio de poesia. Pela originalidade,
a segurança e a força quer das intenções, sentimentos e idéias
quer dos meios de expressão, - é um desses livros superiores
que só muito de longe em longe aparecem. Algumas vezes o senso
da justa medida nos não assistirá, quando proclamamos superiores
certos livros. Quem poderá estar certo de não errar? Porém
agora, é exatamente o senso da justa medida que nos assiste.
Os jornais que badalam aos quatro ventos os livros de seus
"prezados" colaboradores, colaboradoras, camaradas de redação,
etc., (começando pelos semanários literários) - pouco se ocuparam
deste. Talvez seja natural, por ser costume. Mas não é natural
que a presença o faça. Pedimos desculpa aos nossos leitores de adiar para o próximo
número a publicação da crítica já feita à MENSAGEM
E a FERNANDO PESSOA,
para que todos o possam conhecer rico e múltiplo como é, queríamos
pedir-lhe que publicasse outros livros; entre os quais o de
Alberto Caeiro, o de Ricardo Reis e o de Álvaro de Campos.
Dois
meses depois, lemos nas páginas da revista:
FERNANDO
PESSOA
O
último número da presença
anunciava uma crítica à Mensagem,
de Fernando Pessoa. É um livro superiormente sentido, pensado
e escrito; mas no qual não pode caber em toda a sua riqueza
a personalidade do poeta. Por isso pedíamos então a Fernando
Pessoa que reunisse em outros livros outros dos seus poemas,
- ajudando assim ao público a entendê-lo e a conhecê-lo melhor.
Entretanto, Fernando Pessoa morreu. "O
poeta nunca morre..." cantava José Duro até à morte com
a doença e a desgraça. Fernando Pessoa partiu inesperadamente
a juntar-se com o seu amigo Mário de Sá-Carneiro, ao seu querido
Cesário e aos Outros. Cabe, agora, àqueles que têm a honra
de possuir ou manusear os seus manuscritos, a fervorosa obrigação
de publicar a obra de que Fernando Pessoa nos deu tão preciosos
fragmentos. Só depois de ela publicada poderão ser tentados
os estudos de conjunto que exige. No entanto, as coisas dispersas
que Fernando Pessoa generosamente espalhou por quantas revistas
o procuraram - são já um tesouro onde todos podemos ir enriquecer-nos.
A Presença foi uma
dessas revistas. O seu próximo número será inteiramente consagrado
ao grande poeta que lhe deu algumas das mais belas páginas
que ela publicou. Esta breve notícia não quer senão significar
sem atraso o frio que nos deixa no coração a tua partida antecipada,
Fernando Pessoa. Mas o poeta nunca morre. Morrem, sim, aqueles
que toda a vida se empenham por negar a eternidade. Fica-nos
a tua alma, - posto que revelada imperfeitamente: pois nenhuma
obra de poeta, por mais perfeita que seja, lhe pode revelar
perfeitamente a alma divina e humana. Fica-nos essa tua obra,
superior na própria impotência transcendente: pois toda a
grande arte faz adivinhar ainda maior do que ela a alma que
a criou. E fica-nos o teu exemplo de poeta que não quis ser
senão poeta - sendo, ao mesmo tempo, tudo o mais que todo
o grande poeta é.
*
Caio
Gagliardi,
30, nasceu em São Paulo. É professor de literatura com mestrado
e doutorado nas áreas de Teoria e História Literária
e Literatura Portuguesa, pela Unicamp. Edita também o
site Crítica e Companhia, e a revista de poesia Lagartixa.
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