PRIMEIRO
AS COISAS MORREM
Danilo
Bueno
Primeiro as coisas
morrem (7Letras, 2004) é o primeiro volume impresso do
poeta Diego Vinhas (Fortaleza, 1980). Utilizando um verso
predominantemente elíptico, ferramenta que talvez seja espólio
de leituras da chamada poesia de linguagem, àquela
que volta quase sempre ao próprio motor (linguagem) para revelar
sua essência. No entanto, isso pode ser associado à rápida
idéia de uma mera "experiência de linguagem", ou algo estritamente
técnico, possibilidade que os poemas de Diego repelem já nas
suas leituras iniciais. Há, pelos vinte e um poemas do livro,
uma espécie de conexão amorosa, uma seqüência minuciosamente
desenhada (vide a inversão do significado da palavra CODA, para intitular um início e não uma conclusão) que desemboca
em um quadro final: radicalizador e
terno, puro e estudado.
Parece
que uma das responsabilidades do poeta contemporâneo é o convívio
com a noção de consciência histórica e consciência literária.
Talvez seja apenas mais um dos dogmas da pós-modernidade.
O poeta vivencia a "obrigação" de conhecer (estudar) a tradição
para buscar pistas para o desenvolvimento de sua obra, na
realidade complexa da contemporaneidade, Por essa ótica, parece
que o senso de equilíbrio de Diego Vinhas torna os poemas
não só dotados de consciência literária mas também de uma
coerência cara aos próprios mitos, à própria formação de um
vocabulário que quisesse a todo custo abarcar ternura; indicando
estar atento ao que a tradição já tem por patrimônio.
Assim,
com a emoção (leia-se uma espécie de lirismo) e o faro de
"livro fechado", conforme consta na orelha do volume, Diego
consigna sua escritura com versos de Paulo Leminsk, Ana Cristina
César, Carlos Drummond de Andrade (pós canção) Wallace Stevens,
Cláudia Roquette-Pinto, entre outras referências, indicando
ter um repertório formado (por um óbvio constatar de datas)
de leituras que visaram assimilar o Modernismo e o Concretismo
e entender a crise do verso e a morte da poesia. É desse panorama
que as soluções formais dos poemas surgem: seja pela quase
prosa de alguns poemas ou pela brevidade (epigrama) utilizada
como índice de ironia e humor (talvez uma aquisição de leituras
e releituras de Chico Alvim), até por peças que exploram o
espaço da página e poemas que utilizam sinais gráficos para
pautarem ritmo.
A sensibilidade
de alguém que formou seu ideário cultural entre os finais
dos anos oitenta até depois da virada do milênio, numa consciência
globalizada, "linkada", por assim dizer, é a voz do conjunto. Talvez mais importante que tentativas de inovações formais
é a busca de uma sensibilidade voltada para palavras e coisas
de seu tempo (fast foward
>, ferrorama, sessão da tarde) indicativa do início
de algum outro estrato cultural, algo que possa reverdecer
conceitos para que outros (os conceitos do homem-poeta de
hoje) sejam criados e discutidos.
O verso-oxímoro
do título do livro indica uma paisagem pós-morte,
um juízo emitido depois do laudo da dissecação, portanto extremamente
pensado, mentalizado. É no imenso cemitério do cosmos, no
"cemitério marinho" da poética formalmente inquieta de Diego,
que a reconstrução/destruição a cada página/edição do livro
visa driblar a leitura homogênea e sintaticamente retilínea
da sensibilidade geral condicionada à lógica mastigada da
leitura um jornal, ou de uma propaganda, para citar somente
dois exemplos de finta.
Daqui
para frente, será cada vez mais difícil para Diego definir
e mergulhar na exploração mais detalhada das pistas estéticas
que cada poema propõe para o desenvolvimento do seu corpus
poético. Como toda estréia, os instantes em que talvez
não se tenha feito boa poesia não ofuscam a ternura e inteligência
do restante do livro. Que o tempo, agora, possa agir sobre
aquilo que foi construído, como escreveu Leminsk: "que a estátua
da liberdade e a estátua do rigor velem por todos nós".
*
Danilo
Bueno é poeta. Publicou Fotografias
(Alpharrabio Edições, 2001) e crivo
(Alpharrabio Edições e Fundo de Cultura do Município de Mauá,
2004).
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