ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

SÉRGIO BUARQUE E AS RAÍZES DO BRASIL

 

Gilfrancisco

 

O  consagrado e premiado  cineasta Nélson Pereira dos Santos, diretor de obra-primas como Rio, 40 Graus (1955), Rio, Zona Norte (1957), O Boca de Ouro (1962),Vidas Secas (1963), Como era gostoso meu francês (1971), O Amuleto de Ogum (1974), Tenda dos Milagres (1977), Memórias do Cárcere (1984) e  Raízes do Brasil (2002), seu mais recente filme é um dos longas convidados  deste ano, para a festa na noite de encerramento do IV Festival Luso-Brasileiro de Curtas-Metragens de Sergipe  (Curta-SE), será exibido logo mais as 18 h no Espaço Projeção, com a presença do seu diretor. O documentário foi patrocinado pela Petrobrás e realizado para celebrar o centenário de nascimento do historiador Sergio Buarque de Holanda, comemorado em 2002. Na primeira parte, as imagens de Sérgio Buarque de Holanda aparecem em fotos aqui e ali e em algumas filmagens de época. É através das histórias contadas por sua viúva Maria Amélia, pelos filhos e netos, e pelos amigos, o compositor Paulo Vanzolini e o crítico literário Antonio Cândido, que o espectador passa a conhecer a alma, a obra e os hábitos de um dos mais respeitados intelectuais brasileiros. A segunda parte do documentário é baseada nas anotações que Sérgio fez a pedido do escritor Francisco Barbosa de Assis: redigiu os fatos mais importantes de sua vida em ordem cronológica. Nelas, ele fala da sua infância, seus pais, adolescência, juventude, as amizades com Mário e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond , entre muitos outros.

 

 

Filho do pernambucano Chistovam B. de Holanda, veio jovem para o Rio de Janeiro e principiou o curso de medicina, curso este  não terminada, e Heloisa Gonçalves Moreira B. de Holanda, nascida em Niterói, ficou órfã ainda pequena, sendo então criada pelos padrinhos que residiam em São Paulo. Casou-se com Chistovam em 1901, com que  teve além de Sérgio, outros filhos, Jaime e Cecília.

 

Sérgio Buarque de Holanda, nasceu em 11 de julho de 1902, em São Paulo e durante a infância/adolescência, morou em vários bairros, até mudar-se para o Rio de Janeiro em 1920. Fez os estudos primários na Escola Modelo Caetano  de Campos e parte do ginásio foi cursada no S. Bento e no Arquidiocesano.

 

Os primeiros passos profissionais, ocorridos nos últimos tempos em São Paulo, foram convividos com gente interessada nos mesmos assuntos culturais, principalmente literários. Pessoas que permaneceram  amiga e companheira pela vida afora: Guilherme de Almeida, Rubens Borba de Moraes, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Sergio Milliet e outros.

 

Sua estréia no mundo cultural, ocorreu aos 9 anos de idade, e foi musical, uma valsa, a "Vitória Régia", publicada pela revista Tico-Tico. Já seu primeiro artigo, saiu no Correio Paulistano, quando ele tinha 18 anos, por intermédio de Afonso de Taunay, antigo professor e amigo de seu pai, que leu o estudo. A partir daí vieram às colaborações assíduas no Correio Paulistano, A Cigarra, Revista do Brasil. No Rio de Janeiro, ele estréia na revista Fon-Fon com um texto sobre os "Futuristas". Em pouco tempo, no entanto, firmava-se como intelectual que apreciava acima de tudo a simplicidade e defendia suas idéias sem afetação.

 

Acadêmico da Faculdade de Direito, foi representante no Rio de Janeiro da revista Klaxon, dirigida por Mário de Andrade, e participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Entre 1922/1925, dirige juntamente com Prudente de Moraes, a revista trimensal Estética, que teve grande influência na renovação dos estilos literários e artísticos do Brasil. Sérgio exerceu o jornalismo profissional trabalhando para a agência Havas e, depois, para a United Press, colaborando também em A Idéia Ilustrada, O Jornal e outros.

 

Em 1929, na qualidade de jornalista a serviço d'O Jornal (do Rio de Janeiro) com o encargo de fazer reportagens sobre a situação em três países: Alemanha, Polônia e Rússia. Mas acabou ficando em Berlim até dezembro de 1930, onde fez contatos com importantes intelectuais. De volta ao Brasil, foi professor da universidade do Distrito Federal (1936-1939), chefe da seção de publicações do Instituto Nacional do Livro (1937-1944), diretor de divisão da Biblioteca Nacional (1944-1946), diretor do Museu Paulista (1946-1958) e professor de História do Brasil na Universidade de São Paulo (1958-1969). Adido cultural na Itália (1954-1955), lecionou na Universidade de Roma. 

 

A convite do governo norte-americano viajou em 1965 para os Estados Unidos da América, onde percorreu várias universidades, fazendo conferências e participando de seminários nas de Columbia, Harvard e Califórnia (Los Angeles). Em 1966/1967 esteve novamente nos Estados Unidos como professor visitante na Universidade de Indiana e na New York State University, tendo, além disso, organizou seminários e participou de outras atividades didáticas na Universidade de Yale.

 

Crítico literário do Diário de Notícias (1940-1941) e colaborador de muitos outros órgãos da imprensa, foi membro da Academia Paulista de Letras e de várias instituições culturais. Sérgio Buarque de Holanda é considerado um dos maiores historiadores brasileiros, pela formação cultural e filosófica, pelo conhecimento literário, pelo domínio da língua, sua obra é muito representativa da sua capacidade de intérprete e da riqueza e vastidão de seus conhecimentos.

 

Em 1946, foi um dos fundadores da Esquerda Democrática, que se transformou em Partido Socialista.  Trinta e quatro anos depois,   envolvido com antigos e novos companheiros  na política partidária,  participam da fundação do Partido dos Trabalhadores. Principais obras: Raízes do Brasil (1936); Cobra de Vidro (1944); Moções (1945); primórdios da Expansão paulista no fim do século XVI e começo do século XVII (1948); Da Escravidão ao Trabalho livre (1948); Índios e mamelucos na expansão paulista (1949); Visão do Paraíso; Motivos edêmicos no descobrimento e colonização do Brasil (1959), Do Império à República (1972); Tentativas  de Mitologia (1979). Póstumas foram publicadas: Sérgio Buarque de Holanda:História (1985), organizada por Maria Odila Leite da Silva Dias; O Extremo Oeste (1986). Seus artigos, que ele jamais pensou em reunir em publicação, foram criteriosamente organizados por Francisco de Assis Barbosa em três unidades e provam, "nesse livro"  Raízes, (1989), o vigor da personalidade de Sérgio e a lacuna por ele deixada. Livro dos Prefácios (1996) e O Espírito e a Letra (dois volumes, 1996), coletânea de escritos esparsos sobre literatura, organizada por Antônio Arnoni Prado.

 

Esse notável erudito, historiador investigativo que conhecia profundamente a bibliografia os documentos, percorreu toda a gama de temas brasileiros, desde as coisas mais simples da cultura material, até a vida política e as criações e as  literárias.  Sérgio recebeu vários prêmios, alguns como: Prêmio Edgard Cavalheiro do Instituto Nacional do Livro, pela publicação do livro Caminhos e Fronteiras (1957); Prêmio Governador do Estado (1967); Prêmio Juca-Pato, como intelectual do ano (1979).

 

Em 1969, Sergio Buarque de Holanda requereu sua aposentadoria do cargo de catedrático da USP em solidariedade aos colegas afastados de suas funções pelo AI-5. Mas não interrompeu suas atividades como escritor, continuando à frente de publicações como a História Geral da Civilização Brasileira, da História do Brasil e da História da Civilização. Sérgio           falece em São Paulo, aos 80 anos de idade no dia 23 de maio de 1982, às 9,30 da manhã, sendo cremado no cemitério da Vila Alpina. O historiador, deixou 7 filhos: Heloisa Maria, Sérgio, Álvaro Augusto, Francisco (Chico Buarque), Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina.

 

Raízes do Brasil  (out-1936, Vol. 1 da Coleção Documentos Brasileiros, prefácio de Gilberto Freyre que não figura nas edições posteriores). O livro dividia-se em seis capítulos (posteriormente em oito): Fronteiras da Europa, Trabalho & Aventura, Herança Rural, O Semeador e o Ladrilhador, O Homem Cordial, Novos,Tempos, Nossa Revolução. Como se vê, a obra percorre a história do Brasil desde o descobrimento até os primeiros decênios do século XX, em busca da nossa identidade, de nossas raízes. Teve sua  2ª edição em 1948 (revista e aumentada), mas a partir da 3ª edição, 1956, Sérgio acrescenta entre outros capítulos, o importante texto publicado em 1948, intitulado O Homem Cordial, que mereceu do poeta Cassiano Ricardo, considerações contrárias aos seus argumentos, quando opõe bondade a cordialidade. Sobre a inclusão dos novos textos, Sérgio justifica que "Reproduzi-lo em sua forma originária, sem qualquer retoque, seria reeditar opiniões e pensamentos que em muitos pontos deixaram de satisfazer-me".

 

Raízes do Brasil é um livro concebido de modo completamente diverso, curto, discreto, de poucas citações, mas acima de tudo atento às transformações pelas quais o país passa no início do século XX, faz eco às preocupações metodológicas de Gilberto Freyre, dando um peso equivalente a razões de ordem cultural e econômica na tentativa de definir nossa estrutura social e política.

 

Sérgio Buarque assume postura generalizante a crítica, enquanto Gilberto Freyre pende para o descritivo, como a deixar que o fato fale por si, e apenas fazendo as indicações pertinentes. Por isso é inevitável a existência de um confronto entre as duas obras ou seja mais divergem que se assemelham.

 

Nesse sentido, é muito mais contemporâneo de sua própria época do que Casa Grande & Senzala, com sua descrição de um universo estático. Raízes do Brasil, foi traduzido para vários idiomas (japonês, inglês, espanhol, italiano) e há décadas vem influenciando gerações, pelo olhar atento, abordagem segura e diferente sobre a história do Brasil.

 

Este livro que completou  68 anos de sua publicação, é o mais lido de sua obra, pois soube com muita propriedade definir o perfil do brasileiro, através dos traços que compõem o caráter nacional nos levando a conhecer melhor a nossa gente. Sérgio que surgiu para nossa cena intelectual após a Revolução de 30, procurando dar uma resposta teórica às mudanças sofridas pelo país sob o impacto econômico da industrialização e sob o impacto cultural do modernismo,  interpretou o processo de formação do Brasil para acharmos a nossa identidade nacional.

 

Visão do Paraíso (1959) - A partir da edição da Companhia Editora Nacional de 1969, apresenta uma versão  revista e aumentada.  Apesar de pouco lida é considerada obra máxima da historiografia brasileira. Este erudito tratado histórico sobre os motivos edêmicos na literatura de viagens do século XVI do que uma análise da influência e da presença desse tema no descobrimento e colonização do Brasil. Nessa obra,  o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda estabelece um diálogo com o filósofo e romancista alemão Ernst Robert Curtius, autor do clássico  livro Literatura Européia e Idade Média Latina.

 

Argüido pela banca examinadora, a tese não foi entendida por quase todos os membros da comissão do concurso, que buscavam respostas da pesquisa, que continha poucos esclarecimentos: se Afonso Arinos e Oliveira França mencionaram a "imprecisão". A "fluidez" do trabalho, Araújo Pinho referiu-se à "falta de uma ordenação dos assuntos"; Eurípedes Simões de Paula acentuou de seu lado,  "um reduzido conteúdo de História do Brasil", sendo certo que a natureza do ensaio exigiria, ao lado do levantamento descritivo que foi feito, uma pesquisa quando à repercussão, quanto à forma mentis do descobridor, do colonizador ou do simples viajante, provocada ou deformada por tal visão do mundo.

 

O próprio Sérgio Buarque admitia a "falta de uma sucessiva ordenação dos assuntos". Ou como  diria ainda Oliveira França, "cumpriria fazer ver até que ponto esta visão teria sido atuante na História. Respondendo a um dos examinadores, ele declarou que "uma leitura atenta do trabalho teria mostrado de fato que havia nele uma idéia central que se procurava desenvolver ao longo de todo o texto em vários aspectos, seguida de conclusões que só não apareciam com esse nome e numa seqüência nítida justamente porque se pretenderam evitar os conceitos subjetivos que são mais próprios de um ensaio do que uma tese universitária".

 

 

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Gilfrancisco é jornalista e professor universitário.

 

 

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Leia também um ensaio do autor sobre Mishima.

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