MEMÓRIAS
DA LIRA VELHA E
POEMA LONGO "OS PORTUGAS":
POESIA DE OLHAR CRÍTICO NO PASSADO
Jairo
Pereira
Quem
é Marcos Satoru Kawanami? E como é sua poesia de olhar crítico
no passado? Não faz muito tempo, descobri q. um dos nossos
melhores poetas brasileiros é o sonetista cego e podólatra
(Glauco Mattoso). Agora me aparece, esse poeta nipobrazuca
de Nhandeara, São Paulo, com catanas certeiras nas amêndoas
das cerejas. Sua idade, pelo q. deduzi do poema Evocação
à Terra dos Dezoito Anos hoje deve estar na casa dos trinta.
Pouco pra um cara q. vem dos cimos da linguagem, afeitíssimo
ao soneto (nos quase quarenta q. compõem o livro) e na experimentação
escarniosa do poema longo "Os Portugas", bem na feição camoniana (de gozação é claro)
de Os Lusíadas.
Há um soneto dedicado no livro ao mestre
Glauco. O pessoal da revista impressa Coyote, já havia
descoberto o bardo e publicado excertos de Os
Portugas numa de suas edições. Nada a ver e tudo ao mesmo
tempo. Não creio q. aquele poema longo, seja representativo
do talento extensivo do bel poeta dos sonetos. Nestes, o Marcos
S. Kawanami, estrila sínteses perfeitas, conceitos, lampejos,
como um Sr. na casa dos seus setenta e poucos. Heim Marcos,
é bom dar uma conferida na certidão de nascimento, q. o cartório
deve ter errado a data. Ainda mais aí em Nhandeara, um cartorário
bem mais velho q. vc. por volta dos 180, de olhos pequenininhos.
Brincadeiras a parte, o poeta de Memórias da Lira Velha e poema longo "Os Portugas", já começa tirando
sarro da trova e da própria rima, q. fará longo uso pra frente
nos sonetos de belas pegadas críticas e de performances variadas.
Sem originalidade,/até
ganha nossa estima/e parece mais verdade/uma frase, quando
rima.
O
livro é todo bom, sem tropeços comuns de qualidade entre um
poema e outro. Há poemas sobre a própria escrita, ofício
desesperado da "era Huxley", como se vê do Soneto
ao Idiota. Fulminante ataque ao próprio leitor. Marcos S.
Kawanami, não tem piedade cristã, e agride pelo belo da língua/linguagem.
Seus sonetos transitam muitos temas, mas sempre com firmeza
(convicção de poeta alucinado) a buscar o melhor de si.
Memória do
Futuro, traz: Em uma
vila, à beira de um barranco/de escombros e despojos de
guerreiro,/tendo ao fundo o adejar de um bombardeiro,/chorava
uma criança sobre um banco. Quarteto metafórico da
eterna esperança do ser humano, num mundo melhor, sem a
idiotia e estupidez da guerra. O poeta é denso e destro com
os signos, compondo sonetos de primeira linha, dignos de
entrar no sonetário nacional. Imitação de Cristo: Não faço
apologia ao sofrimento,/nem ojeriza tenho ao mundo e ao
gozo;/não sou vanguarda, nem tampouco idoso/mas, sim, dou
viva ao livre pensamento. Cult, a matéria dos poemas
livres e sonetos, enleva o leitor. Há um metafisismo no entre
versos, q. provoca e aguça a curiosidade do leitor/crítico,
pra ver até onde o sábio poeta de 3o ou setenta e poucos
anos, pretende chegar. Não decepciona, sua lux
poiésis, de sínteses perfeitas, segura na técnica e
"exibicionista" nas formas. O q. pode levar um cara de
menos de trinta anos, a escrever sonetos, ou uma paródia
colossal estrambólica de Os
Lusíadas?! Explique quem quiser. Não vivemos de explicações
e o rapaz merece respeito, embora não mereça piedade crítica,
pois age, do mesmo modo com o leitor e outros poetas do
passado. Na linha da poesia livre o Anti-Poema,
atrai Eu passei duas
semanas inteiras/tentando fazer um poema/ao senhor Jurandyr./Não
consegui./Adoeci./Muito o ar me faltou, quase morri! O
poeta é um gozador solitário, na sua anti-lira de escárnio
e ira nipobrazuca. Taí, um grande talento poético,
independente da deliberada opção pelo soneto, neste livro,
q. é mesmo uma memorável relembrança da lira velha. A
poesia contemporânea de muitas mídias, induz mesmo às
conquistas (inaugurações) dos espaços futuros ao verbo e
enseja, o eterno retorno pela língua, às construções do
passado. O poeta cai aleatoriamente, onde menos se espera, mas
sempre firme nos desígnios dos versos. Uma coisa é deter
poesia, outra coisa é tentá-la simplesmente, pela escrita. O
Marcos S. Kawanami, tem poesia de sobra, e nos dá plena
mostra de seu talento, neste belo livro, onde há comunhão
perfeita de paródico, velho e novo. Pra não dizer q. nada
mostrei de "Os Portugas", aí vai uns versos do CANTO
I: 1. As armas e os barões atrapalhados,/Que da acidental praia
Lusitana,/Por mares nunca de antes insultados,/Passaram muito
além da mente insana/Em pegas-pra-capar desnorteados,/Mais do
que os que estimula o rum-de-cana,/E entre gente mais torta
edificaram/Novo Reino, que tanto avacalharam. O longo
poema se desenvolve em quatro cantos, de expressão satírica,
com cenas de humor e escárnio pesado.
Admira
um país onde a poesia é inútil-arte, e muitos poetas,
arautos do "novo" não passam de diluidores perpicazes. Crítica
então, é ofício de acadêmicos, ou de compadres pra
compadres. Garanto, q. tirada a ousadia dos editores da
revista Coyote, q. publicaram parte de Os
Portugas, minha voz, é rala no deserto do dizer/crítico
aos versos deste poeta. A crítica brasileira é idiota, não
lê o contemporâneo livre. Não lê, não conhece, não
procura saber da produção qualitativa brasileira na
posultramodernidade, como já cansei de dizer. Feliz, só
posso agradecer, a sina, de poeta-comentador a me caírem
sempre os gritos novos sobre as pitangueiras em flor, onde os
triumphantes com suas longas asas de alumínio (ou carbono?!)
dão rasantes vôos. O futuro, realmente tem chegado sempre
mais cedo à minha porta. Semióticas as vias desse embate.
Fotópticas visões no céu da lira entusiasmada. Obrigado Sr.
Jurandyr, ou melhor, Sr. Marcos S. Kawanami. País (o Brasil)
de crítica tendenciosa, vazia, pusilâmine, na prospecção
do novo. Não podemos esmorecer e de poeta pra poeta, pelo
menos na web, em alguma das ótimas revistas eletrônicas,
brandir a catana da verdade, crudelíssima do talento. Me
presto a isso e muito mais, a reconhecer q. gerações novas,
assombram os velhos, amedrontam as consciências parvas da
mediocridade. Covarde, a geração q. rejeita a posterior,
irreconhecendo os valores de sua arte. Enquanto tivermos força
e o enthusiasmo dos loucos-bons, nesse país de inteligência
excluída, vamos pondo os Kawanamis na lupa e vendo q. eles
trazem bem mais q. simples saliva na língua. Mas chega,de dar
uma de anjo vingador dos poetas recusados, e vamos a mais uns
Satorus verbais: Visão Geométrica: Lamentável é ter a alma tétrica.../Eu quero fazer
versos empolgados/Para empolgar ou serem odiados;/Mas, não,
minha visão é geométrica. Soneto dos melhores do livro,
ombreia fácil com o Imitação
de Cristo, ou com Arte
Metafísica: Estranha arte é esta de escrever.../Sem pincel,
sem cinzel a obra cresce/e toma forma, e nem forma carece/para
que a outrem venha a entreter. Em Criação, esplende a poesia de Marcos S. Kawanami, como um lux
singular, nos conceitos, na estética e no harmônico nathural
dos versos conjugados, como é de se ver: Luz
e origem de todo pensamento,/regente do andamento
universal,/indiferente até ao bem e ao mal,/ela é quem dá a
tudo fundamento. Um tema desafiador num soneto preciso,
numa só vertigem do dizer. Do criar e do incriado o gesto
megalômano, do poeta derradeiro. Não devemos nos preocupar
q. outros livros (não de memória de liras velhas), mas de
criações presentes do autor, devem surgir por aí, a
confirmar seu prímio talento.
Os
sonetos e poemas dizem por si sós, e desnecessárias longas
exegeses aos núcleos de significações dos versos. Corpus
Christi: Meu fardo é leve, disse Jesus Cristo;/porém por
muito tempo eu iludido,/de racionais sofismas imbuído,/o mais
óbvio por mim não era visto. O
Soneto Nacional, faz exsurgir a pátria, como símbolo
forte para o poeta, Ipirangas, bandeiras e fulgurações de caçoadas...
Em Misantropo (as
maritacas) o poeta refugia-se em si mesmo, tendo a lua
como companheira, ante a algaravia da rua.
O
poeta é claro, cristalino como água de fonte, e não se
sente no jorro de ditos, aquela coisa forçada de q. muitos
sonetistas padeceram. A edição é de autor, simples, capa
branca e título em negro, com desenho nipônico da pena da
escrita na contracapa. Típico produto editorial de alguém q.
despacha sozinho em seu balcão.
Mais
teria a dizer e não digo. Com uma espada de samurai, volto
aos meus ofícios de sobreviver.
*
Jairo Pereira
publicou os livros-poemas Espirith
Opéia e Capimiã.
E-mail do autor: jairopereiraadv@hotmail.com
|