POETA
FUGAZ
José
Aloise Bahia
Terminal (Editora
7 Letras, Coleção Guizos, Rio de Janeiro, 2006, R$ 18), o
novo livro de poesias de Ronald Polito, é uma luz noturna que
pisca sem cessar entre os descompassos líricos, simbólicos e
plenos de um sonho. Efeitos de uma presença estonteante, no
qual o autor de passagem, como nenhum outro, perpetua-se em
fogos de artifícios na linguagem dentro de uma ausência
declarada, à memória da mãe, seu arco, o sinal inesquecível.
Poeta fugaz,
hipnotizado pela luz azul da lua. Tradutor de Brossa, Monzó e
Sylvia Plath.
Estudioso de Tomás Antônio Gonzaga. Historiador
das idéias. Artista de intervalos em solo arenoso.
Desterrado, tem sempre na mira a muralha da falta que envolve
o leitor em gritos de silêncio. Mergulha na hipótese
fragmentada, a alma das palavras, reais ou possíveis, e
emerge em círculos concêntricos, mortificado pelo problema
que transpira: a criação poética.
O
livro é dividido em sete partes - número simbólico, como
expressão de uma certa totalidade. Apresenta breves conexões
poéticas constituídas de uma falsa linearidade nos
intervalos de lapsos propositais e estruturas concisas em
deslize, sem perder a densidade das imagens, presentes debaixo
de cada voz, debaixo de cada confissão aparente, debaixo de
cada alegoria consubstancial, que reabsorve reflexões, resíduos
de leituras e visitas, vestígios de uma paixão constante no
purgatório do diálogo na linguagem. Um quebra-cabeça que
inclina um amplo altar barroco. Quociente de um conjunto de
poemas que ordena e desordena - dilui - a ilusão que reflete
de modo ousado e descomunal um ritmo carregado de estrofes em
versos livres e antíteses renovadoras, situações e
imagens-idéias transcendentes numa sintaxe permeável e própria.
Morte,
vida, construção e reconstrução - eis o transe do autor no
livro - são os desafios e os exercícios propostos. Inquieto,
como os alísios soprando os cúmulos no céu, tortura a
cosmovisão da Esfinge, uma confidência decaída que desafia
as cortantes navalhas das linhas extensíveis. Lembra os
versos do falecido Robert Creeley, "Penso que cultivo tensões/
como flores/ num bosque onde/ ninguém vai...". Esfola o
tempo com olhos de lince, sem convencionalismos e facilidades.
Agita-se como um urso polar na estrela de um ectoplasma
vermelho por dentro em "... ar de cataclismas postergados,
al/ tear de parábolas com foices reluz/ indo como mar/
fim". Perscruta um farol no terminal do mundo, ventilado
pela entonação da distância inalcançável, glorificado
pelo deep blue à espera de uma miragem: "Mais uma vez uma
resposta/ sem pergunta./ A idéia./ (...) Uma eclosão, uma
emergência."
Semelhante
Orides Fontela, na qual a "palavra real nunca é suave",
Ronald Polito em terminal revela o eterno duelo das transposições
e riscos - mudanças nos tons frasais - que busca a substância
viva nas descontinuidades de planos. Uma procura do invisível
através do divisório até o limite extremo, onde o poeta se
revela e se esconde. Duvida. Pois tudo é quase. Vácuo
provocante. Os encontros são poemas arrebatadores e sensíveis,
lutuosos pela consciência da criação com dor numa dimensão
metafísica embalada pela revelação que destrói os segredos
dos dias num paraíso futuro - a morte. O tigre branco da sua
obra é o início da noite, "... uma aragem que/ talvez
tenha aliviado a/ febre da pele, ou uma gota d´água pura em
sua/ aparência...".
*
José
Aloise Bahia (Belo
Horizonte/MG). Jornalista e escritor. Autor de Pavios Curtos
(poesia, anomelivros, 2004) e Em Linha Direta (dissertação,
ainda no prelo). josealoise@terra.com.br
*
Leia
também um ensaio do autor sobre Franz
Weissmann.
|