ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

A FRÁGIL LUZ QUE NOS ESPERA

 

Maria João Cantinho

 

Escolho uma imagem para me abrigar e parto dela como de um feixe de energia irradiante. Esta imagem é a do Angelus Novus, o "Anjo da História" de que fala Benjamin, na sua célebre tese IX, do texto "Sobre o Conceito de História":

 

Há um quadro de Klee que se chama "Angelus Novus". Nele está apresentado um anjo, que parece como se estivesse prestes a afastar-se de algo no qual crava os olhos. Os seus olhos estão muito abertos, a sua boca está aberta e as suas asas estiradas. O anjo da história deve ter este apecto. Quando, diante de nós, surge uma cadeia de acontecimentos, nesse momento vê ele uma única catástrofe, que incansavelmente acumula destroços sobre destroços e estes arrojam-se aos seus pés. Ele bem gostaria de se demorar, de erguer os mortos e de juntar os destroçados. Do paraíso, porém, sopra uma tempestade, que se prende nas suas asas e que é tão forte que o anjo já não as pode fechar. Esta tempestade arrasta-o irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas, enquanto à sua frente cresce o monte de destroços. Isso a que chamamos progresso é esta tempestade.(Benjamin, 1974: 697-698)

 

Esta é a visão que me assalta quando penso em escritores e poetas paradigmáticos da modernidade. Uma visão desencantada e impotente do mundo, sob a catástrofe e os escombros da sua época. Razões particulares, como se sabe, a Guerra e as suas consequências terríveis: a perseguição, o extermínio e o exílio de um povo. É um mesmo lamento aquele que percorre os textos de Hermann Broch, de Franz Kafka, de Walter Benjamin, de Paul Celan, entre tantos outros, que sentiram essa catástrofe na pele. Não é por acaso que escolho esta imagem, tão paradigmática na forma como o seu autor anteviu a catástrofe e a tentou representar. Não a vejo apenas à luz dos textos benjaminianos da história, mas estendo-a à própria compreensão alegórica desse tempo em que eles viveram, à mercê de uma barbárie ainda hoje incompreensível (e que formas de barbárie serão compreensíveis?). A questão essencial que aqui se coloca é absolutamente central e transcende os próprios limites da poesia ou da arte, trata-se do problema da linguagem enquanto forma de expressão do real. No seu lúcido ensaio "O Narrador", Benjamin fala na experiência de uma mudez, quando os homens regressam das trincheiras. Como ele explica e é um facto comum, os soldados regressavam mudos do campo de batalha - não "mais ricos, mas mais pobres em experiência comunicável" (cf. Benjamin, 1991: 205-229). Concluimos, com Benjamin, que a experiência do choque é a própria origem da perda da experiência, no seu sentido mais precioso, isto é, tomada como experiência comunicável, pela linguagem, seja ela falada ou escrita. Por consequência, ela é origem, também, da perda da tradição, aquela que é transmitida oralmente e de geração em geração. 

 

Paul Celan, como uma das vozes poéticas mais assombrosas do século XX, viveu essa perda da experiência até ao limite existencial, como sabemos. A experiência da perda não lhe foi indirecta, mas muito próxima, vivenciada. Passou por um desses campos de extermínio, a que sobreviveu, mas viu morrer amigos e familiares próximos. Fugiu da morte, na sua forma bárbara, mas não foi capaz de sobreviver a uma outra morte, a da impossibilidade de apagar a dor da sua memória. Ousou a catarse poética do horror e colocou-se no centro de uma polémica dolorosa. Refiro-me ao confronto com Adorno, que via no seu poema "Fuga da Morte" (Todesfuge) um gesto condenável, com a sua célebre condenação de que não era possível escrever após Auschwitz [1].  Rejeitando esta “mística” de Auschwitz e defendendo Celan, Giorgio Agamben [2] recusa a “indizibilidade” que lhe é conferida por Adorno. Agamben reconheceu, contra a brutalidade da afirmação de Adorno, a poesia de Celan como a mais “poderosa refutação” das teses contra a indizibilidade do extermínio.

 

Curiosamente, Peter Szondi, amigo de Paul Celan, revelou que Adorno projectava, até ao final da sua vida, escrever um ensaio sobre Celan, o que permite deduzir que Adorno retrocedeu no seu veredicto sobre a sua poesia e acreditava, mesmo, que Celan invalidava o seu enunciado (apud Guerreiro, 2000: 44). Via-se, assim, obrigado a reformulá-lo, dizendo que “os autênticos artistas do presente são aqueles em cujas obras se repercute o extremo horror” (apud Guerreiro, 2000: 44). Contornando a questão e abrindo a possibilidade de uma estética da pós-catástrofe, Adorno parece, não ter negado, mas antes superado o que dissera antes, levantando o interdito que lançara sobre a arte e a poesia. Ele compreendeu, então, claramente que o sofrimento não suporta o esquecimento. Ou melhor, que o esquecimento da barbárie é o sua melhor cúmplice. Este preceito é tanto mais sério, no caso que diz respeito a Celan, quando se refere à tradição judaica. A rememoração, o mandamento Zachor [3], inscreve-se na matriz da cultura judaica como um dos mais preciosos da sua tradição. É claramente um imperativo ético, uma redenção simbólica, no sentido em que é uma exortação à rememoração das vítimas. E é neste contexto que a poética de Celan se inscreve, como um "gesto ético", de restituição simbólica.

 

Porém, ainda que esse ensaio não tivesse sido escrito, Adorno consagrou uma parte da sua Teoria Estética ao que ele considera “o mais significativo representante do hermetismo da lírica contemporânea” (apud Guerreiro, 2000: 44) (tema que, desde o início da recepção crítica de Celan, sempre esteve presente). Porém, Adorno retoma o tema do hermetismo em Celan, de forma diversa e, como o afirma este autor, a “opacidade” da poesia de Celan adquire uma transparência que tem a sua génese na vergonha da dor e na impossibilidade de dizer o horror (cf. Adorno, 2011: 354). O silêncio dos poemas de Celan, na sua óptica, atinge o seu paroxismo precisamente porque eles querem dizer o horror extremo e que se aproxima, também, do “afundamento da aura” de que Benjamin dá conta na experiência do poeta Baudelaire, ao referir a distinção entre Erfahrung (experiência autêntica) e Erlebnis (experiência vivida do choque). A abissal diferença entre a autenticidade do Aqui e Agora do acontecimento (o que podemos definir como a própria aura, a presença pura e irrepetível do mesmo) dissipa-se sob o efeito da repetição do tempo e da mecanicização. Tal como em Baudelaire, o lirismo de Celan é um lirismo alegórico [4], no sentido de uma perda irreparável da experiência. Trata-se, sim, de uma poesia lírica, mas com a plena consciência de "dizer" a fragmentação e a ruína, a morte. Cava-se nas imagens poéticas de Celan, como nas de Baudelaire - ainda que de forma diversa -, um "desajustamento" que é da ordem de uma dilaceração e do choque. Certamente que a experiência de Baudelaire era totalmente diferente da de Celan, tecendo-se nas linhas de uma modernidade citadina emergente. Eram antes as figuras alegóricas dos marginais (do trapeiro, da prostituta, do jogador, das figuras decadentes da sociedade burguesa) que atravessavam o spleen baudelaireano.

 

Em Celan, o choque e a perda da experiência, ou experiência do choque, são reconhecíveis no extermínio. A experiência alegórica da mudez, a impossibilidade do dizer, aloja-se nos seus poemas, consubstanciando a poética de Celan nesse campo de ruínas e escombros ou, ainda, dizendo de forma baudelaireana, a "perda das correspondências" e da pertença das coisas entre si. Tudo aparece desfigurado, desmembrado, morto. É esse reconhecimento que nos toca na poesia de Celan, como uma espécie de olhar alegórico que oscila entre o desejo de redimir os mortos e a impossibilidade de levar a cabo essa tarefa. Ou, retomando a imagem do anjo da história, como o anjo que olha alucinadamente o que, por um lado, deseja salvar, e que, por outro, sabe ser impossível, arrastado na vertigem do progresso e de asas aprisionadas.

 

Celan confrontou-se (mais do que Baudelaire, e compreendemos bem porquê) com o limiar do emudecimento ou o balbuciar da linguagem. E esse emudecimento vai-se acentuando, como se sabe, ao longo da sua obra. A poética de Celan é radical, nesse sentido, em que leva à sua máxima distensão essa tensão dúplice, a de dizer o que já não pode ser dito: o horror. Mas, ao mesmo tempo, a paradoxal condição de não deixar cair no esquecimento a experiência, por mais inconfessável que pudesse ter sido. E essa dilaceração, que se crava como uma fissura entre a tensão do "querer dizer" poético, para que não caia na noite do esquecimento, e a impossibilidade de dizer o horror, é o espaço em que se desenvolve, não apenas a atitude radical da poesia de Celan, como o desejo de salvar o que já se sabe destinado à morte e à ruína. Um desejo de redimir, numa ordem durável, como o explica de forma admirável Walter Benjamin, na sua obra A Origem do Drama Barroco Alemão, quando fala do procedimento alegórico levado a cabo pelo barroco. O alegorista (neste caso frisamos o olhar do poeta) é aquele que procura sempre salvar, no que já se sabe arruinado e destinado à morte, o que é de uma ordem durável de saber, que permanece para lá do orgânico, para além da beleza (cf. Benjamin, 1974: 354).

 

Como outros sobreviventes do Holocausto, a questão da rememoração coloca-se como o eixo fundamental da obra. E, nesse sentido, mais do que matéria de reflexão estética, a poesia de Celan coloca-se no centro das questões éticas do século XX. Trata-se de questionar a impossibilidade de esquecimento do mal, na sua banalidade, para parafrasear Hanna Arendt, tal como ele ocorreu, nos seus contornos mais insustentáveis. Uma tarefa que se constitui como um baluarte contra o silêncio da história. Confinando, na sua radicalidade, com a loucura e o emudecimento. Tome-se o poema “Argumentum e Silentio”:

 

Acorrentada
entre o ouro e o esquecimento:
a noite.
Ambos a desejaram.
A ambos se ofereceu.

Põe
põe tu também ali o que
amanhecerá com os dias:
a palavra sobrevoada de estrelas,
submersa pelo mar.

A cada qual a sua palavra.
A cada qual a palavra que cantou para ele,
quando a matilha o atacou pelas costas -
A cada qual a palavra que cantou para ele, petrificando.

A ela, a noite,
sobrevoada de estrelas, submersa pelo mar,
a ela, ganha pelo silêncio,
a quem não gelou o sangue quando o dente venenoso
atravessou as sílabas.

A ela a palavra ganha pelo silêncio.
Contra as outras que breve
prostituídas pelos ouvidos dos verdugos
também escalarão o tempo e os tempos
dá por fim testemunho
[…]. (Celan, 1996: 69/71)

 

O estilhaçamento da palavra poética (e da linguagem, como bem o compreendeu Derrida [5]), em Celan, nasce desse confronto persistente com o silêncio, que confina com ela. Porém, a poesia de Celan, não apenas confina com o emudecimento, no seu limite, como igualmente se confronta com a ausência de ilusão e de esperança e, nesse sentido, ela coloca-se na proximidade do desespero kafkiano. Essa é, também, uma das características alegóricas por excelência e que Walter Benjamin tão bem reconheceu na poética de Baudelaire. O olhar do alegorista é heróico, como o afirma a propósito de Baudelaire, no sentido em que é lúcido e recusa a esperança [6]. Mais próximo da atitude de Nietszche, quando nos exorta a tomar a vida em todas as suas contradições e a recusar as ideias que distorcem essas contradições e a mascaram. Lembremos a crítica de Nietszche às clássicas dicotomias (e falseadoras) do cristianismo, que mais não faziam que disfarçar a fraqueza humana. Forte é aquele que conhece o sabor a sangue e a crueldade da vida, que assume essa crueldade (a morte, a violência, o poder, a eterna repetição) em toda a sua lucidez. Como o herói baudelaireano é aquele que reconhece ao longe as fantasmagorias citadinas como tal e não se deixa ludibriar. A força da poética de Celan é a de rememorar a morte, apesar da sua insustentabilidade, ousar dizê-la. Não há máscaras nem falsificações na poética de Baudelaire, como não há na de Celan, unidas por uma visão acerada (mais cínica em Baudelaire, sob o olhar do flaneur): a visão alegórica. A ideia de um resgate da experiência - ainda que seja a experiência do choque - encontra-se bem à vista, trata-se de um resgate simbólico e que se inscreve na petrificação da escrita - aquilo que não pode ser apagado/esquecido. E a experiência da rememoração, em ambos os casos, é uma tarefa (reconhecível sobretudo em Celan) de advertência, de dissipação das ilusões, de, indirectamente, dizer que cabe à poesia esse gesto ético da advertência. E que cabe à linguagem atravessar os escombros da história para, ainda, restituir às coisas a dignidade que é possível, um qualquer sentido que possa ser, ainda, reencontrado num território de ninguém, confinando com a mudez.

 

Porém, se Celan acredita nessa possibilidade de a poesia atravessar um território de ninguém, a sua poesia é, no entanto, mortalmente atingida pelo problema da língua, como muito bem o compreende Derrida. Quando este [7] fala da experiência da morte em Celan, refere-se, também, ao aspecto da morte, tal como ela é vivida na experiência da língua.

 

Esta experiência do limite da linguagem, de que tão bem falam Steiner (Langage et Silence) e Agamben (Le Langage et la Mort), Blanchot (sobretudo no livro que é dedicado a Celan, Le Dernier à Parler) aproxima Celan da experiência poética de Hölderlin [8], também ele no limiar do perigo. A visão corrosiva de Celan está próxima, igualmente, da visão benjaminiana do perigo que sofre, a cada instante, aquele que lida com a linguagem e a tarefa alegórica. Ainda a esse propósito, cito o notável estudo de António Guerreiro, “Paul Celan e o Testemunho Impossível” onde o autor nos fala na tarefa trágica da poesia de Celan, definindo-a como o “limiar do emudecimento” (Guerreiro, 2000: 31). No texto Arte Poética, Meridiano e outros textos, Paul Celan cruza o seu pensamento com o de Heidegger e Levinas, numa tentativa de (re)definição do “ser do poema”, que nos remete para a dificuldade do poeta. “O poema mostra, e isso é indesmentível, uma forte tendência para o emudecimento.”. Nesse texto extraordinário, pela sua clareza, Celan dá conta da natureza da poesia. O poeta é dominado pelo pathos, que é a experiência da linguagem, naquilo que nela confina – e com ela se entrelaça, obviamente - com a existência da realidade. António Guerreiro sublinha-o, dizendo: “E porque essa língua não está disponível desde logo, não existe senão através da experiência que leva o poeta ao encontro dela, ela é única.” (Guerreiro, 2000: p. 31). Celan recusa, aqui, a ideia de uma correspondência poema-realidade, o que nos conduziria, aos seus olhos, a uma visão mimética e empobrecida da realidade. O poeta é o que luta por ir, com os meios de que dispõe, ao encontro da realidade, através da linguagem. Assim, a ideia de um correlato entre a palavra poética e o real é algo que não existe como um dado previamente estabelecido. Este correlato pode existir ao nível da linguagem enquanto forma de comunicação (e isto não passa de uma hipótese), mas nunca ao nível do dizer poético, onde persiste inevitavelmente uma irredutibilidade entre a palavra e o real. A concepção mimética (e aristotélica) da poesia e da linguagem é, assim, repudiada por Celan.

 

Por outro lado, a ideia de univocidade do poema caminha, par a par, com a afirmação anterior. Tal é essa ideia da univocidade do poema, quando o poeta afirma: “O poema é solitário. É solitário e vai a caminho. Quem o escreve torna-se parte integrante dele.” (Celan, 1996: 57). O poema e aquele que o escreve, embora sejam realidades díspares, na sua essência, confundem-se numa outra realidade, que é a do poema. Celan não apenas recusa o mimetismo, como recusa igualmente o bilinguismo da língua [9], reafirmando a sua univocidade.

 

Deste modo, tempo e poesia encontram a sua articulação no topos do poema e essa temporalidade é, na sua expressão mais vívida, a experiência da linguagem, no sentido em que o poeta “vai ao encontro da língua com a sua existência, ferido de realidade e em busca de realidade.” (Celan, 1996: 34). Como quem lança uma mensagem numa garrafa, dirigindo-se essencialmente a um “tu apostrofável”, o tempo do poema confunde-se com aquele que o escreve, como o afirma Celan, absorvendo-o (cf. Celan, 1996: 69), mas sustenta-se na frágil linha que se liga ao Outro, lugar onde o Eu se dissipa, libertando-se de si próprio.

 

Quando, nesse contexto da relação com o Outro e na caminhada para ele, Celan fala do poema autêntico, ele afirma: “Só mãos verdadeiras escrevem poemas verdadeiros. Não vejo nenhuma diferença de princípio entre um aperto de mão e um poema.” (Celan, 1996: 66). O poema, de acordo com Celan, na sua obscuridade e complexidade, é autêntico. Diria, mesmo, que de acordo com estas palavras de Celan, o ofício do poeta se constitui, como ele o afirma na carta a Hans Bender, de acordo com a condição necessária da verdade e do caminho para o Outro. A relação que Celan, nessa carta, estabelece entre “ofício de mãos” e “construção do poema” revela, também, a mais íntima articulação entre a realidade e a poesia. Não apenas um gesto ético de responsabilidade pelo outro e do mais pleno reconhecimento [10], como também de desconstrução das dicotomias entre vida e arte, entre poesia e arte, realidade e linguagem, que nos obrigam a confrontarmo-nos com a natureza e a essência da linguagem, na sua dimensão mais espiritual e autêntica, precisamente no quadro da relação entre ontologia, ética e linguagem. A poética de Celan converte-se assim, e à luz dos seus textos sobre a poesia, numa abertura ao mundo, ao outro, mas que é feita numa traversia dolorosa, transcendendo-se enquanto transfiguração alegórica do real, no sentido em que procura levar a cabo uma redenção das vítimas, tal como o anjo da história de Walter Benjamin.  

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

Adorno, Theodor. 2011. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70.

Benjamin, Walter. 1974. Gesammelte schriften. Tomo I, Frankfurt, Suhrkamp Verlag.

__________1991. Écrits Français. Paris: Éditions Gallimard.

Blanchot, Maurice. 2002. Le Dernier à Parler. Paris: Fata Morgana.

Celan, Paul. 1996. Meridiano e Outros textos. Lisboa: Cotovia.

__________1996. Sete Rosas Mais Tarde, tradução de João Barrento, Lisboa: Cotovia.

__________1998. A Morte é Uma Flor. Lisboa: Cotovia.

Derrida, Jacques. 1985. Schibbolet, pour Paul Celan. Paris: Paris.

__________Interview avec Evelyne Grossman. Revue Europe, nº 854/855, (29 de Junho de 2000). Paris.

Felstiner, John. 1996. Paul Celan: Poet, survivor, Jew. New Haven, Yale University Press.

Guerreiro, António. 2000. O Acento Agudo da Actualidade. Lisboa: Cotovia.

Levinas, Danielle Cohen. 2011. Um passo mais para o Estrangeiro - Levinas perante Celan. In Reconhecimento e Hospitalidade. Lisboa: Edições 70.

Vv.aa. Celan. Revue Europe nº 861 (2001). Paris.


NOTAS

 

[1] É preciso que se entenda bem a posição de Adorno, que rejeitava o facto de que o horror se transfigurasse em princípio de prazer estético.

[2] Na sua obra O que resta de Auschwitz, 1998.

[3] Palavra hebraica antiga que pode ser traduzida por "Recorda-te". Este "recordar" diz respeito às vítimas da história.

[4] Lirismo alegórico, muito próximo do imaginário barroco alemão, característica que Edith Silbermann e Felstiner, dois notáveis comentadores da obra de Celan identificaram claramente na sua obra. O tema da "dança da morte", tão caro a Hans Holbein e aos poetas alemães, arreigados ao imaginário medieval da dança macabra. Cf. o número de Revue Europe, nº 861, 862, consagrado a Paul Celan, Paris, 2001. Este lirismo possui uma relação intensíssima, também, com a música de Schubert, Mahler, Brahms. Um dos factos que sempre marcou terrivelmente Celan foi o de saber que a morte, nos campos de extermínio, se fazia acompanhar de música, como nos dá conta Felstiner. Na revista romena, onde foi publicada a primeira tradução do poema "Fuga da Morte", sob o título “Tango de Morte”, um ano antes da publicação do original, uma nota de apresentação dizia que o poema publicado era construído a partir da evocação de um facto real. Um grupo de prisioneiros, nesse campo, era obrigado a cantar canções nostálgicas enquanto os outros abriam valas comuns. Mas existe, ainda, uma outra fonte de informação, a qual dizia que, num campo próximo de Czernowitz (a cidade de Paul Celan), um comandante das SS obrigava violinistas judeus a tocar um tango, enquanto eram cavados túmulos e decorriam marchas, torturas e execuções. Um dia, o comandante disparou contra toda a orquestra.

[5] Entrevista concedida a Evelyne Grossman, a 29 de Junho de 2000, in Revue Europe, p. 90: “Parece-me, a cada instante, que ele deve ter vivido esta morte. De muitas maneiras. Deve tê-la vivido por toda a parte onde sentiu que a língua alemã era morta duma certa maneira, por exemplo pelos sujeitos da língua alemã que fizeram um certo uso dela: ela é assassinada, morta […]. A experiência do nazismo é um crime contra a língua alemã. O que foi dito em alemão sob o nazismo, isso é uma morte. Há outra morte que é a simples banalização, a trivialização da língua alemã, não importa quando ou onde. E, depois, há uma outra morte que é aquela que não pode chegar à língua por causa daquilo que ela é, isto é: posta em letargia, mecanizada, etc. O acto poético constitui, então, uma espécie de ressurreição: o poeta é alguém que tem a tarefa permanente, numa língua que nasce e ressuscita, não de lhe dar um aspecto triunfante, mas despertando-a como se desperta um fantasma: ele desperta a língua e para tornar viva a experiência do despertar, do retorno à vida da língua, é necessário estar próximo do seu cadáver.” (sublinhado meu).

[6] Esta ideia de Baudelaire como "herói" que denuncia, que adverte, que rompe com as fantasmagorias, encontra-se presente em vários textos de Benjamin, nomeadamente no Livro das Passagens e nos textos relativos a Charles Baudelaire e à modernidade.

[7] Entrevista concedida a Evelyne Grossman, a 29 de Junho de 2000, in Revue Europe, p. 90.

[8] Nelly Sachs apelidou-o de Hölderlin contemporâneo.

[9] “Não acredito que haja bilinguismo na poesia. Falar com língua bífide – isso sim, existe, também em diversas artes ou artifícios da palavra e dos nossos dias, especialmente naqueles que, numa feliz concordância com o respectivo consumo cultural, sabem estabelecer-se, de forma tanto poliglota como policroma. Poesia – essa é a inelutável unicidade da língua.” (Celan, 1996: 69).

[10] Como admiravelmente o compreendeu Emanuel Levinas nos seus textos, bem como Danielle Cohen-Levinas num texto recentemente traduzido e co-editado por mim, intitulado "Um passo mais para o Estrangeiro - Levinas perante Celan", na obra Reconhecimento e Hospitalidade, Edições 70, Lisboa 2011.

 

 

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