POPOL VUH É POP
Rodrigo de Souza Leão
Traduzir poemas é uma arte difícil. Existem vários caminhos
engenhosos a percorrer, para que uma tradução seja bem
sucedida. Em geral ou se traduz literalmente ou se recria a
obra a ser traduzida. Ambas as vertentes funcionam de acordo
com o projeto e com cada peculiaridade que este sistema exige.
A invenção é sempre necessária para a escolha correta do
vocábulo, ritmo, signo, significado, etc., o que exige uma
técnica refinada do tradutor. No caso da poesia, muitas vezes
quem faz este trabalho é poeta também: se não a domina - ainda
mesmo que poetastro, o que nem sempre é o caso -, pelo menos,
tem uma noção básica de como funciona a estrutura de um verso.
Tanto é mais valorizado o trabalho conforme a dedicação em
manter o texto estruturado e de acordo com a sua origem. Nem
com tanta inventividade que deturpe o original, nem tão fixo
que não acrescente nada na sua metamorfose para o idioma de
Drummond, Bandeira, Cabral e Machado de Assis. Um trabalho que
pode ser bem complicado, cujo resultado é importante para quem
lê (e, especialmente, não domina a língua em questão).
Foi encarando todos estes dilemas que os tradutores
conseguiram êxito quando resolveram transpor Popol Vuh
para o Português.
Cabe aqui ressaltar a importância deste texto para a
literatura mundial, considerado a "bíblia" do continente
americano: o quarto mundo na história planetária. Escrito na
Guatemala, no século XVI, já foi traduzido para diversas
línguas, inclusive o japonês. Faltava uma tradução para a
língua portuguesa e apesar de ser a versão da versão, o
trabalho é coeso e comprova todo o vigor da poesia ameríndia.
Podemos chamar de "guia" a tradução feita por Munro Edmonson,
para o inglês. Foi nela que Sérgio de Medeiros (poeta e
professor brasileiro) e Gordon Brotherston (estudioso inglês)
se debruçaram, para a feitura da obra em nossa língua. Ambos
trabalharam de forma associada para a elaboração deste que é,
sem dúvida, um trabalho de grande fôlego. Operários do ofício,
os tradutores não pouparam tempo de suas vidas para organizar
a edição. Sérgio esteve várias vezes nos Estados Unidos,
nestes quatros anos, dedicados quase que integralmente ao
Popol Vuh, que influenciou, como cosmogonia singular que
é, grandes escritores como Jorge Luis Borges e Miguel Angel
Asturias. Também trabalhos de artistas plásticos e músicos
receberam o vento inspirador do livro guatemalteco. Podemos
citar Edgar Varèse e Diego Rivera. Na área sociopolítica, a
obra serviu de base para a líder indígena Rigoberta Menchú -
ganhadora do Nobel da Paz - delimitar as linhas de força de
sua atuação de resistência indígena na América Latina.
A cosmogonia trata da origem de um povo. Assim como o mundo
cristão tem a Bíblia, os índios guatemaltecos fizeram
seu relato de como vêem a origem do planeta Terra, de
seu povo e do universo. Antes de ser quase que completamente
dizimados, resolveram escrever a sua história em versos, e
registrar todos os seus relatos cosmogônicos mais populares.
A poesia é a escritura primal do ser humano e apesar de estar,
na atualidade, meio relegada a uma posição secundária, era
a forma com que os povos antigos comunicavam seus valores,
suas crenças e toda a sua visão de mundo. Neste aspecto e
num universo pós-moderno, onde o poema foi relegado à posição
de "inutensílio", traduções como esta promovem o
religare com o que a tradição tem de melhor. Nela é
possível perceber o verdadeiro valor e papel da peça poética
e, ainda, a sua influência no transcorrer da história universal,
trazendo para perto do leitor toda a força que só a linguagem
poética tem.
Popol Vuh
é um texto clássico e foi traduzido por - como diria Erza
Pound - um poeta de invenção, chamado Sérgio Medeiros. Ele tem
no imagético sua principal característica. Esta aparente
ambigüidade serve para carregar de força lírica guatemalteca a
sua coleção de seres inusitados, que foram mantidos com os
nomes em maia-quiché, como aparecem num glossário, apêndice do
livro. Também há ensaios sobre as questões e temáticas que a
publicação aborda.
Resta-nos desejar que este projeto se consolide com novas
incursões sobre as cosmogonias ameríndias, o que já é projeto
de Medeiros. Talvez não seja um caminho medíocre, pelo
contrário, traduzir estas peças de relevante importância para
o entendimento da América Latina pode nos levar ao encontro do
Brasil (como nação também) e ainda descobrir o que nos faz
iguais ou diferentes de nossos hermanos que foram os
verdadeiros donos da terra.
Os leitores brasileiros têm grandes motivos para penetrar
neste novo mundo, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante. O
mundo dos verdadeiros donos dos primitivos relatos de tempos
ancestrais, que ainda insistem em demonstrar que existem,
apesar de tudo o que existe contra eles hoje
em dia. Popol Vuh
é pop, em português, agora disponível a todos e não somente
restrito a um pequeno grupo de eruditos e estudiosos do
assunto.
Saudações a todos os "Ahav Ah Tzik Vinaq" que trabalharam
neste grande projeto. O projeto de uma vida.
*
Rodrigo de Souza Leão
nasceu em 1965. É carioca, autor de Há flores na pele.
*
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