LUANDINO
VIEIRA: ENGAJAMENTO E UTOPIA
Vima Lia
Martin (USP)
Há
coisas que se choram muito anteriormente.
Sabe-se
então que a história vai mudar.
(Ruy
Duarte de Carvalho)
Grande
parte da história do angolano Luandino Vieira confunde- se
com a história da luta pela independência política de seu
país, o que o levou a sofrer profundamente as conseqüências
da militância política. Nascido em Portugal, em 1935, José
Mateus Vieira da Graça ainda criança mudou-se com os pais
para Angola, país que assumiu como seu. Viveu a infância e a
adolescência em bairros populares, conhecidos como musseques,
como o Braga, o Makulusu e o Quinaxixe. Mais tarde,
integrou-se à geração da revista angolana "Cultura"
(II), publicada entre 59 e 61, e juntamente com Arnaldo
Santos, Costa Andrade, Ernesto Lara Filho, Henrique Abranches,
Mário Guerra, entre outros, contribuiu decisivamente para a
consecução do projeto de nacionalização da literatura
angolana. Preso em Lisboa em 1961, acusado de exercer
"atividades anticolonialistas", foi libertado somente em
1972, depois de ter cumprido os três primeiros anos de sua
pena em Luanda e o tempo restante no campo de concentração
de Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde.
Luandino,
nome que autor escolhe para assinalar sua identificação com
a capital angolana, diz muito de sua dedicação à causa da
libertação nacional. A maior parte da obra do escritor foi
escrita na prisão e sua publicação, quase toda a posteriori, não corresponde necessariamente à ordem em que foi
escrita. Seu primeiro livro, A
cidade e a infância, é publicado em Lisboa, pela Casa
dos Estudantes do Império, em 1960. Já Luuanda,
livro-chave na trajetória literária do autor, como veremos
mais adiante, foi escrito na prisão durante o ano de 1963,
publicado em Angola em outubro de 64 e obteve, em 1965, o
Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de
Escritores, o que gerou uma violenta reação de setores
sociais conservadores e, inclusive, culminou na extinção
dessa associação por decisão do governo português.
Notadamente
durante os anos 60 e 70, Luandino Vieira demonstrou grande
convicção no exercício de um poder político que
possibilitasse a construção de uma cidadania plena para os
angolanos. Sem necessariamente almejar o poder de mando, o
escritor envolveu-se na luta empreendida pelo MPLA (Movimento
Popular de Libertação de Angola) pela constituição de um
poder novo, capaz de gerir um país também novo, onde
efetivamente houvesse menos injustiças sociais. Logo depois
da independência, ocupou cargos de direção no governo
revolucionário e trabalhou como presidente da Radiotelevisão
Popular de Angola e como secretário-geral da União de
Escritores Angolanos.
Depois
de ter publicado quatro romances - o último, intitulado Nosso
musseque, foi publicado em 2003 - e cerca de oito livros
de estórias, atualmente Luandino Vieira vive discretamente
numa pequena cidade ao norte de Portugal.
Engajamento e utopia
A
leitura de cartas e depoimentos de Luandino Vieira pode nos
auxiliar a compreender o engajamento e a utopia que são
marcas inequívocas de seu projeto ficcional. Se é fato que a
literatura de Luandino é forjada a partir de uma clara
indignação diante da realidade a que está submetida a
maioria dos angolanos, também é verdade que a maneira como
ele se posicionou pessoalmente diante do processo de construção
da história de seu país é, em certa medida, perceptível na
fatura dos próprios textos. Assim, não são apenas os
momentos históricos vividos em Angola em meados do século
passado que vão transparecer nas narrativas do escritor. Mais
do que isso, a subjetividade do sujeito que vivenciou essa
História será significativa na constituição das obras: é
na tensão entre a vida particular e a vida social que se dá
a ação e a reflexão do autor.
Em
cartas enviadas da prisão ao amigo Carlos Everdosa,
intelectual que também fez parte da geração que se
organizou em torno da revista "Cultura"(II), Luandino
Vieira atesta sua imensa capacidade de resistência e a
confiança na transformação política e social do seu país.
Ainda em Luanda, antes de ser transferido para o campo de
concentração do Tarrafal, ele escreve:
31-7-64
Meu caro:
Faltam
poucas horas para embarcar no "Cuanza" rumo a cabo Verde
- ou assim dizem. Li a tua carta e aproveito estes curtos
momentos para te enviar umas linhas, talvez as últimas que
recebas de mim antes do regresso geral à nossa terra, às
nossas coisas, ao nosso povo. É muito difícil nesta altura
dizer qualquer coisa; mas podes afirmar aos amigos e
companheiros que procurarei sempre ser digno da confiança que
têm em mim; que, nas minhas possibilidades e dentro do meu
particular campo de acção - o estético - ... tudo farei
para que a felicidade, a paz e o progresso sejam usufruídos
por todos.
(...)
O meu
livro, o livro da Linda afinal, chegar-te-á talvez com mais
trabalhos selecionados para a 2ª edição. Se a conseguirem aí
em edição de bolso era óptimo para ir a concurso da
Sociedade Portuguesa de Escritores. Depois enviem ao Jorge
Amado (Brasil) para ver se conseguem uma edição lá. Não é
pelo livro, claro, é pelo que ele pode representar como "arma" para a nossa libertação.(...)
Mesmo envolvido por incertezas - o
escritor tem dúvidas sobre a possibilidade de continuar se
comunicando com os amigos, estando isolado em Cabo Verde -,
Luandino Vieira demonstra uma profunda tranqüilidade e uma
notável disponibilidade para a relação com o outro: não
apenas afirma sua fidelidade aos companheiros, como também se
diz empenhado na luta pelo bem comum. Note-se que as reticências,
utilizadas depois do termo "estético", podem indicar que
o campo de atuação do escritor talvez transcenda o
especificamente literário, sugerindo um envolvimento direto
com ações revolucionárias.
No parágrafo final, o livro que o autor
menciona é Luuanda,
chamado de "livro da Linda" porque foi ela, sua mulher à
época, que conseguiu retirar clandestinamente os manuscritos
da prisão, escondidos num saco de fundo duplo, no qual levava
as refeições em visitas diárias ao marido.
Já o concurso promovido pela Sociedade Portuguesa de
Escritores, forte centro de resistência ao fascismo, é
justamente aquele que iria premiar a obra no ano seguinte.
Vale ainda ressaltar a referência de Luandino Vieira a Jorge
Amado, escritor brasileiro que apresentava posições políticas
progressistas e certamente apoiava a luta de libertação
angolana. A importância atribuída a uma edição brasileira
do livro naquele momento reforça o caráter militante
assumido pela literatura, que se torna efetivamente uma arma
de combate contra a opressão colonial.
Dois anos depois, já em Cabo Verde, outra
carta destinada a Carlos Everdosa reafirma a esperança e o
comprometimento do escritor:
Tarrafal,
14-10-66
(...) Meu
caro Carlos: só não compreendo como insistes em alcunhas
ainda que sinceras como a do "maior ficcionista angolano".
Isto para te falar no estares desiludido de ti próprio, como
dizes, e de muitos outros. Isso era inevitável, é um
constante suceder e é preciso
compreendermos que não há outros homens para com eles
construir o mundo. É com esses mesmos que se fará - ou
nunca se fará. E portanto me regozijo que digas que ainda vai
havendo sementeiras para o futuro. Nós somos responsáveis,
pouco ou muito não importa, ou o que importa é que o sejamos
na medida em que nos foi permitido ou o soubemos ser, por
essas sementes. Portanto não se justifica essa desilusão de
nós próprios, mas é necessário não cairmos nas mistificações
da sementeira que parimos. É só isso que fará a nossa
justificação: lucidez. Mas para que não penses que o teu
primo é um super-homem e para que se dissolvam ainda mais as
idéias feitas, sempre te digo, meu caro irmão, que há dias
em que os seguintes versos são possíveis: "é necessário
o ódio/ só ele impele/ o vermelho estrebuchar do sangue/
quieto insone/ sob o medo...// só ele sacode/ o cansado sono
do pensamento/ puro fraterno/ sob o amor// é necessário o ódio/
só ele liberta/ só ele não cansa!"
Deixo-te
com toda a amizade, hoje: o poema é de ontem.
As palavras de encorajamento de Luandino
Vieira dirigidas ao amigo desiludido realmente traduzem a
lucidez tão necessária para o enfrentamento da realidade. O
pragmatismo demonstrado por ele ("é preciso compreendermos
que não há outros homens para com eles construir o
mundo"), alia-se à esperança de que as "sementeiras" já
plantadas iriam germinar no futuro. Porém, ele alerta: "mas
é necessário não cairmos nas mistificações das
sementeiras que parimos". Para o autor, utopia não tem nada
a ver com ilusão: enquanto a primeira deve considerar as
contingências, a segunda é completamente fantasiosa. Nessa
perspectiva, o trabalho de disseminação da ideologia libertária,
de formação de quadros, de conscientização, enfim, havia
sido realizado "na medida em que nos foi permitido ou o
soubemos ser". E o resultado dessa tarefa dependia
principalmente dos sujeitos que iriam sucedê-los.
Finalmente, o poema escrito por Luandino -
para que ele mesmo não esmoreça - fala sobre a necessidade
imperativa do ódio para manter a firmeza dos combatentes.
"Só o ódio", diz o autor, "impele", "sacode",
"liberta", "não cansa". Num contexto revolucionário,
o ódio, explicitamente dirigido contra os mecanismos
opressores e seus representantes, é o que mantém acesa a
chama da luta, driblando o medo e o cansaço: odiar é necessário
para que a fraternidade seja conquistada.
Essa carta, escrita depois de cinco anos
de confinamento, revela a tenacidade do escritor e sua imensa
capacidade de alimentar - com lucidez - a utopia de uma Angola
livre. Mais de dez anos depois, em entrevista concedida a
Michel Laban em 1977, portanto dois anos depois da conquista
da independência, Luandino Vieira faz uma avaliação de sua
trajetória pessoal e acaba por validar sua atitude combativa,
reafirmando a certeza de que havia sempre agido
justificadamente:
Portanto, pessoalmente, também considero
que, suceda o que suceder à República Popular de Angola,
nunca, tanto quanto vejo, posso dizer assim: "Bom, meti a
minha vida por uma estrada que não tinha qualquer sentido ou
fim". Suceda o que suceder, considero sempre que o que andei
até hoje estava perfeitamente justificado, quer
individualmente - não sou pessoa com grandes problemas de
natureza pessoal, o que não quer dizer que diariamente não
reflita sobre a minha atividade - quer coletivamente.
Ao estabelecer uma clara distinção entre
o significado da luta pela independência e o futuro de Angola
como nação independente, Luandino salienta a importância de
ter participado do movimento revolucionário. Afirmando ser
uma pessoa sem "grandes problemas de natureza pessoal", o
escritor atribui sentido pleno a suas atitudes, reafirmando a
convicção de ter feito exatamente o que era possível fazer
em cada encruzilhada histórica. Seja no nível individual ou
no nível coletivo, a coerência parece ter sido marca
decisiva em sua conduta.
A
inserção histórico-social de Luandino Vieira pauta-se
sobretudo por uma reflexão aguda sobre sua realidade
nacional. Contra a manutenção de uma ordem social
excludente, Luandino
Vieira aposta na efetivação de uma realidade mais justa e
inclusiva em Angola. Em tempos revolucionários, o escritor
angolano forja um discurso transgressor e utópico que vai
reivindicar literariamente - e politicamente - identidade e
autonomia para seu país.
A ficcionalização da
marginalidade social
O repertório e a perspectiva que
sustentam a conjunto da obra de Luandino Vieira estão
essencialmente marcados por sua vivência infantil nos
musseques, bairros populares luandenses, em fins da década de
30 e início da década de 40. Na percepção do próprio
autor, viver na "margem africana" da maior cidade angolana
teria sido fundamental para forjar sua consciência política:
Tudo
isso [as contradições sociais, o preconceito, as diferenças
culturais entre as tradições africanas e européias], em
criança, fui vivendo e mais tarde fui relatando. Isso me deu
a riqueza - o que eu penso ser a riqueza - de uma experiência
que se prolongou até aos dez, doze anos e que serviu para a
aquisição de valores culturais africanos, valores populares
angolanos, que
continuamente a
margem africana da cidade estava elaborando, e que, depois, no
liceu, quando chegou a idade em que eu comecei a ler outras
coisas, fui interpretando de outro modo, e que foram realmente
o germe de minha consciência política.
Seja
através do exercício do conto ou do romance, a opção de
Luandino Vieira foi por ficcionalizar os desafios vividos
pelos marginalizados que habitam a periferia de Luanda e
sublinhar o potencial de resistência dos habitantes dessa
periferia mestiça. Vale registrar que, afastados do centro,
os musseques também funcionavam como guetos que mantinham as
populações africanas longe dos brancos mais ricos que
habitavam a parte central da cidade, denominada de
"Baixa".
Uma
das estórias do escritor, intitulada "A fronteira do
asfalto" e publicada em A
cidade e a infância, trata justamente da acentuada divisão
entre periferia e centro, negros e brancos, pobres e ricos na
cidade de Luanda. Lembremos que em seu desfecho, Ricardo, o
jovem morador do musseque, morre no meio fio ao tentar falar
com Marina, a menina de tranças loiras que habitava o
asfalto. A interdição do mundo branco aos africanos e, no
limite, a impossibilidade de diálogo entre universos
ideologicamente conflitantes são simbolicamente retratadas
pela narrativa.
Aliás,
é importante sublinhar que os contos escritos por Luandino
Vieira são nomeados por ele como "estórias", já que
guardam uma relação profunda com o universo da oralidade.
Vale dizer que o termo "estórias", que designa narrativas
de cunho tradicional e popular, já havia sido utilizado pelo
brasileiro Guimarães Rosa e, posteriormente, também foi
escolhido pelo escritor moçambicano Mia Couto para qualificar
os seus contos.
Como
bem apontaram pesquisadoras como Maria Aparecida Santilli,
Tania Macêdo e Carmen Lucia Tindó Secco, os três escritores
- Guimarães Rosa, Luandino Vieira e Mia Couto - aproximam-se
pelo fato de criarem uma linguagem inovadora, que amalgama
aspectos do português padrão a formas espontâneas da
oralidade praticada pelas populações marginalizadas
enfocadas em seus textos.
O resultado dessa mistura é a expressão de uma lógica que
revela um modo de ser e de ver o mundo característico de
sujeitos que se encontram em profunda tensão com as normas da
civilização moderna.
È
importante ressaltar que uma das singularidades da obra
produzida por Luandino Vieira repousa justamente na convicção
que a sustenta: a de que o texto literário deveria afirmar a
grande diferença cultural angolana a partir da qual a
autodeterminação e a independência poderiam ser
reivindicadas. Nesse sentido, a elaboração discursiva de
suas estórias dá-se em função de um projeto político
bastante claro. Num período tenso e convulsionado, a luta em
curso deixa em aberto novas possibilidades de configuração
social. Daí que a marginalidade social ficcionalizada pela
narrativas do autor angolano deva ser vista como conseqüência
conjuntural, já que é decorrência de uma situação de
opressão tida como transitória.
Luuanda:
a cartilha do musseque
Como
já assinalamos, o livro de contos Luuanda
atesta a maturidade de Luandino Vieira como ficcionista, uma
vez que marca um redirecionamento de sua escrita literária,
que passa a apresentar uma maior sofisticação no modo de
representar a realidade luandense que sempre alimentou a sua
prosa. De fato, se a objetividade e o caráter de
exemplaridade das situações narrativas se fazem mais
presentes nas primeiras estórias do autor - nos contos de A
cidade e a infância, de Vidas
novas e no romance A
vida verdadeira de Domingos Xavier -, a partir de Luuanda a complexidade das relações sociais, culturais e políticas
típicas dos espaços marginais urbanos assumem maior
destaque,
condicionando a forma
literária - que se torna intensamente oralizada - e
rompendo com um registro mais simplificado da realidade.
Nessas
narrativas da segunda fase, além de haver uma modificação
na configuração dos protagonistas, observa-se também uma
transformação na perspectiva do narrador que,
paulatinamente, abandonará a perspectiva da onisciência para
abrir maior espaço para que as personagens construam suas
falas e suas versões sobre os conteúdos narrados. Desse
modo, o narrador abandona seu papel de intérprete
privilegiado dos fatos enunciados e a polifonia torna-se marca
constitutiva das narrativas.
No
plano lingüístico, também a partir de Luuanda
a própria estrutura textual é fortemente impregnada
pelas "marcas da terra", que deixam de ser somente tema
para atuarem profundamente na forma das narrativas.
Lembremos que, na década de 60, quando grande parte da população
angolana não era alfabetizada em português e a dominância
das culturas tradicionais, mesmo num centro como Luanda, era
muito mais forte do que hoje, era grande a variação do
português metropolitano, misturado aos falares característicos
das línguas nacionais. Assim, formas do quimbundo - língua
falada na região de Luanda e que, juntamente com o umbundo e
o quicongo, conforma as três principais línguas nativas - são
misturadas a formas do português normativo, modelando uma
linguagem híbrida de grande potencial expressivo.
Virtualidades,
associações imprevistas, alterações na estrutura da frase,
incorporação do léxico quimbundo. A recriação lingüística
operada por Luandino Vieira aposta numa leitura essencialmente
dinâmica, em que o leitor é também intérprete da matéria
narrada, atuando quase como co-autor das estórias. Isso
significa fundamentalmente a decodificação da lógica das
populações autóctones - já que ela passa a presidir a ação
narrativa. Ao apreender a dicção típica das populações
marginalizadas, o leitor compartilha da "cartilha do
musseque",
o que significa conhecer de perto a realidade dos oprimidos e
posicionar-se em relação à luta por sua libertação.
Ao
justificar o "desvio da norma" em suas estórias, o próprio
Luandino afirma:
(...)
penso que o primeiro elemento da cultura angolana que
interferiu com a escrita, segundo a norma portuguesa, foi a
introdução da oralidade luandense no meio do discurso da
norma portuguesa... mas depois, quando entramos na luta política
pela independência do país, que foi feita em nome das
camadas que não tinham voz - e se tivessem não podiam falar,
e se falassem não falariam muito tempo... -, foi aí que os
escritores angolanos resolveram dar voz àqueles que não
tinham voz e, portanto, escrever para que se soubesse o que
era o nosso país, se soubesse qual era a situação do país
e, desse modo, interferirem de maneira a modificarem essa
situação...
Sobre a elaboração de Luuanda, o escritor é ainda mais contundente ao relacionar elaboração
discursiva e resistência política:
E como estávamos numa fase de alta
contestação política - e um dos elementos dessa contestação
política do colonialismo era afirmar a nossa diferença
cultural, mesmo na língua -, um bichinho qualquer soprou-me a
dizer-me: "Por que é que tu não escreves em língua
portuguesa de tal maneira que nenhum português perceba!"
Foi desta maneira que escrevi essas três
estórias do Luuanda,
de tal maneira que se um português de Portugal lesse,
percebesse todas - ou quase todas - as palavras e dissesse
que era português e, depois, dissesse ao mesmo tempo: "Não
percebo nada disto!" Foi alguma coisa de deliberado, de
provocatório, e por isso, essas três estórias não
resistiram ao tempo.
Escrever
em língua portuguesa e ao mesmo tempo não ser compreendido
por um português: tal foi o desafio proposto por Luandino
Vieira ao conceber Luuanda. O resultado dessa tarefa, ao contrário do que afirma
modestamente o autor, não foi o perecimento da obra, mas a
afirmação de sua grandeza. Ao buscar a diferenciação da língua
da metrópole, o escritor encontra um caminho expressivo
bastante original, realizando uma mescla lingüística que
inscreve sua obra entre as grandes obras escritas em língua
portuguesa.
O
processo de busca por uma dicção angolana realmente autêntica
leva Luandino a encontrar parentesco entre o seu trabalho o os
textos de Guimarães Rosa. Em diversos depoimentos e
entrevistas, o escritor afirma a importância da leitura do
autor brasileiro no que tange aos seus próprios processos de
criação lingüística. Sobre a apreensão que realiza de Sagarana,
por volta de 1963, declara:
E então
aquilo foi para mim uma revelação. Eu já sentia que era
necessário aproveitar literariamente o instrumento falado dos
personagens, que eram aqueles que eu conhecia, que me
interessavam, que reflectiam - no meu ponto de vista - os
verdadeiros personagens a pôr na literatura angolana. Eu só
não tinha ainda encontrado
era o caminho. (...) Eu só não tinha percebido ainda, e foi
isso que João Guimarães Rosa me ensinou, é que um escritor
tem a liberdade de criar uma linguagem que não seja a que os
seus personagens utilizam: um homólogo desses personagens,
dessa linguagem deles.
A
"revelação" de que fala Luandino Vieira talvez deva ser
compreendida em termos de "confirmação". Afinal, quando
o escritor leu Sagarana, ele havia concluído a sua "Estória do ladrão e do
papagaio", narrativa central de Luuanda,
em que já se observa uma recriação lingüística notável.
Por isso, em vez de influência, talvez possamos pensar em
confluência entre a escrita dos dois autores: ambos, na intenção
de reelaborar a linguagem de sujeitos que se situam à margem
das normas sociais impostas, empenham-se em realizar um
intenso trabalho de oralização do discurso escrito.
Guardadas as diferenças contextuais de produção e as
especificidades de cada projeto estético-ideológico, os
discursos dos dois escritores convergem na medida em que
operam o resgate de culturas locais e marginais através da
utilização inventiva da linguagem.
A celebração da utopia
A elaboração
literária de Luuanda
deixa entrever uma perspectiva utópica da realidade.
Concebida num momento histórico revolucionário, a obra
sinaliza a consolidação paulatina do processo de resistência
popular que se opõe ao poder colonial, sugerindo caminhos
para a transformação efetiva da sociedade angolana. Suas três
estórias - "Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos", "Estória
do ladrão e do papagaio" e "Estória da galinha e do
ovo" - atestam que o amadurecimento dos sujeitos, que devem
assumir o seu papel transgressor, é condição fundamental
para a conquista da independência e para a construção de
uma nova Angola.
A utopia
revolucionária que perpassa e sustenta Luuanda
pode ser percebida em vários aspectos da elaboração das estórias,
todas organizadas por um narrador onisciente: na aprendizagem
empreendida pelos protagonistas, na progressão temporal
sugerida pela sucessão das narrativas e na ampliação
paulatina da voz do "griot" a ritualizar o texto escrito.
A ação narrativa do conto, o único em
que a voz do "griot" não se faz presente e que certamente
por isso não é nomeado como "estória" pelo narrador,
centra-se nas dificuldades enfrentadas por uma avó e seu
neto, que moram juntos numa mesma cubata, de sobreviverem em
meio às agruras típicas da exclusão social, numa sociedade
extremamente preconceituosa e segregadora. Perplexos e sem
consciência política, Zeca Santos e sua avó deixam-se
envolver pelos sentimentos de fracasso e impotência. A velha,
ligada ao passado, e o moço, desiludido com o presente, não
sabem como agir para construir um futuro livre da violência e
da opressão.
Leiamos os dois últimos parágrafos do
texto:
Por cima
dos zincos baixos do musseque, derrotando a luz dos projetores
nas suas
torres de ferro, uma lua grande e azul estava subir no
céu. Os monandengues
brincavam ainda nas areias molhadas e os mais velhos,
nas portas, gozavam o
fresco, descansavam um pouco dos trabalhos desse dia.
Nos capins, os ralos e os
grilos faziam acompanhamento nas rãs das cacimbas e
todo o ar estava tremer com
essa música. Num pau perto, um matias ainda cantou,
algumas vezes, a cantiga dele
de pão-de-cinco-tostões.
Com um
peso grande a agarrar-lhe o coração, uma tristeza que enchia
todo o corpo e esses barulhos
da vida lá fora faziam mais grande, Zeca voltou dentro e
dobrou as calças muito bem, para agüentar
os vincos. Depois, nada mais que ele podia fazer já, encostou
a cabeça no ombro baixo de vavó Xíxi Hengele e dasatou a
chorar um
choro de grandes soluços parecia era
monandengue, a chorar lágrimas compridas e quentes que
começaram a correr nos riscos teimosos as fomes já tinham
posto na cara dele, de criança ainda. (p.38)
Observe-se que a
descrição da paisagem natural e humana do musseque
presentifica-se de modo contundente. A politização do espaço
mestiço e periférico do musseque, que acolhe indistintamente
crianças e velhos, é enfatizada e a música orquestrada
pelos pequenos animais nativos expressa a vitalidade da terra
angolana.
Mas, no momento
final da narrativa, "os barulhos da vida lá fora" só
fazem aumentar a tristeza e a impotência do protagonista, que
"nada mais podia fazer" contra a miséria a que estava
submetido junto com a avó.
Daí o choro inconsolável, sinal de que Zeca não era
capaz de vislumbrar saída para sua situação marginal. A
afirmação dupla de sua infantilidade - em quimbundo e em
português: "parecia era monandengue" e "cara dele, de
criança ainda" -
atesta menos a idade cronológica do rapaz e mais a sua
incompreensão dos mecanismos da opressão colonial. Sem mais
nada a dizer, o narrador suspende a narrativa bem no meio
desse desamparo, deixando as personagens a sós com sua dor e
deixando a nós, leitores, perplexos com a sua solidão.
A
estória central do livro, "Estória do ladrão e do
papagaio", opera uma espécie de passagem entra a primeira
narrativa - em que os protagonistas ainda não despertaram
para a necessidade do engajamento na luta contra o colonizador
- e a última - em que as personagens vão experienciar o
alcance político da prática social solidária. De um modo
bem genérico, é possível dizer que o texto fala sobre o
encontro de três africanos na prisão - Xico Futa, Lomelino
dos Reis e Garrido Fernandes - e sobre o florescimento da
solidarieidade entre eles. Vale afirmar que o papel exercido
por Xico Futa é central nessa interação: ele é porta-voz
de ensinamentos preciosos para as outras personagens e também
para os leitores da estória.
Nesse
sentido, a "parábola do cajueiro", enunciada por Futa, é
fundamental para a constituição de um saber revolucionário.
Nessa narrativa de caráter didático, a personagem adverte
que é preciso conhecermos a raiz ou o princípio daquilo que
mobiliza as pessoas e as suas ações. Vejamos:
(...) Sentem perto do fogo da
fogueira ou na mesa de tábua de caixote, em frente do
candeeiro; deixem cair a cabeça no balcão da quitanda, cheia
do peso do vinho ou encham o peito de sal do mar que vem no
vento; pensem só uma vez, um momento, um pequeno bocado, no
cajueiro. Então, em vez de continuar descer no caminho da
raiz à procura do princípio, deixem o pensamento correr no
fim, no fruto, que é outro princípio e vão dar encontro aí
com a castanha, ela já rasgou a pele seca e escura e as
metades verdes abrem como um feijão e um pequeno pau está
nascer debaixo da terra com beijos da chuva. O fio da vida não
foi partido. Mais ainda: se querem outra vez voltar no fundo
da terra pelo caminho da raiz, na vossa cabeça vai aparecer a
castanha antiga, mãe escondida desse pau de cajus que
derrubaram mas filha enterrada doutro pau. Nessa hora o
trabalho tem de ser o mesmo: derrubar outro cajueiro e outro e
outro... É assim o fio da vida. Mas as pessoas que lhe vivem
não podem ainda fugir sempre para trás, derrubando os
cajueiros todos; nem correr sempre muito já na frente,
fazendo nascer mais paus de cajus. É preciso dizer um princípio
que se escolhe: costuma se começar, para ser mais fácil, na
raiz dos paus, na raiz das coisas, na raiz dos casos, das
conversas. (p. 54)
Ao
insistir no fato de que devemos refletir sobre o cajueiro -
imagem das estórias entrelaçadas que conformam e justificam
a realidade - e perseguir o fio da vida - fio das histórias
pessoais e coletivas - Futa aponta para a necessidade de
constituirmos nossa identidade como sujeitos históricos,
afirmando valores fundamentais para a mobilização popular
contra o poder instituído.
Já
no final da estória, a confraternização entre os
capianguistas presos afirma a solidariedade tão necessária
para o enfrentamento da luta e é aí que a voz do
narrador/"griot" vai se manifestar pela primeira vez. Sua
fala, antes de mais nada, pede um posicionamento dos leitores,
propondo um julgamento estético - e ético - da própria estória:
Minha estória. Se
é bonita, se é feia, os que sabem ler é que dizem
(p.96). Desse modo, "os que sabem ler" ocupam o lugar da
audiência dos antigos "griots" e são convocados a aderir
ou não à narrativa e aos seus ensinamentos.
Por fim, a última frase do
narrador/"griot", que encerra definitivamente o texto, é:
"E isto é a verdade,
mesmo que os casos nunca tenham passado" (p.97). Se
pensarmos no caráter didático de muitas das estórias
tradicionais, que cumprem a função de transmitir valores éticos,
o valor atribuído à verdade na "Estória do ladrão e do
papagaio" estaria contido justamente na sugestão de
procedimentos importantes para o estabelecimento da harmonia
nas relações pessoais e sociais. Ao afirmar que diz a
verdade, "mesmo que esses casos nunca tenham se passado",
o narrador/"griot" articula as noções de real e verossímil,
fazendo com que os leitores/ouvintes tornem-se testemunhas
vivas e ativas da possibilidade de construção de uma nova
realidade histórica afinada com as aspirações revolucionárias.
A terceira estória, "Estória da
galinha e do ovo", que já começa com a voz do "griot"
anunciando-a como "caso", tem como motor a disputa entre
duas vizinhas - nga Bina e nga Zefa - pela posse de um
ovo. Posto pela galinha Cabíri, que pertencia à nga Zefa, no
quintal de nga Bina, que está grávida e tem o marido preso,
o ovo é reivindicado por ambas, que alegam seu direito sobre
ele. A solução do conflito se dá com a interferência de
duas crianças - Beto e Xico - que, imitando o cantar de
um galo, fazem com que Cabíri fuja das mãos de policiais que
haviam sido chamados para intervir no caso e que pretendiam
levar vantagem na situação. Depois disso, nga Zefa resolve
abrir mão do ovo e oferecê-lo a nga Bina. Na cena final da
estória, podemos observar toda a satisfação da jovem mãe:
De ovo na mão, Bina sorria. O vento veio devagar e,
cheio de cuidados e amizade, soprou-lhe o vestido gasto contra
o corpo novo. Mergulhando no mar, o sol punha
pequenas escamas vermelhas lá embaixo nas ondas mansas
da Baía. Diante de toda a gente e nos olhos admirados e
monandengues de miúdo Xico, a barriga redonda e rija de nga
Bina, debaixo do vestido, parecia era um ovo grande, grande...
(p.123)
O
vagar do vento, a amenidade do sol e a mansidão do mar
demonstram a solidariedade da natureza com a protagonista. A
força de sua imagem carregando dois ovos - um nas mãos e
outro na barriga -, símbolos de vidas novas que se
anunciavam, atesta o acerto na solução de um impasse que
parecia insolúvel. A justiça é alcançada graças à
intervenção das crianças que conseguem fazer com que o ovo
alimente aquela que está gestando um novo angolano, metáfora
de um futuro mais desejável para Angola. E as reticências
que encerram o parágrafo traduzem justamente esse porvir que
precisa ser conquistado.
Para
arrematar a narrativa, o narrador/"griot" mais uma vez
atualiza a forma oral cristalizada das estórias tradicionais,
pedindo o julgamento do relato pelos leitores e atestando a
sua verdade:
Minha estória.
Se é bonita, se é feia, vocês é
que sabem. Eu só juro que não falei mentira e estes casos se
passaram nesta nossa terra de Luanda.(p.123)
Como já vimos,
a avaliação estética exigida dos leitores é também
uma avaliação ética. Julgar a estória "bonita"
significa concordar com os valores que ela veicula e, em última
instância, interiorizá-los e colocá-los em prática. Já o
contrário significa a não adesão à ideologia que sustenta
a narrativa, a negação daquilo que ela propõe - e que já
havia sido anunciado na segunda estória: a ressignificação
da tradição, a compreensão histórica dos fatos e a
solidariedade entre os angolanos como forma de fortalecimento
na luta contra os representantes do colonialismo.
Mais uma vez, a "verdade" da estória
afirma exatamente aquilo que é necessário para a conquista
da liberdade e da justiça na "nossa terra de Luanda".
Trata-se, assim, não da afirmação de realidades
sedimentadas, mas da possibilidade de construção de uma nova
realidade histórica.
A última narrativa de Luuanda valoriza o caráter revolucionário da ação dos
monandengues que, valendo-se de conhecimentos tradicionais,
salvam a galinha de cair em mãos inimigas e ensinam as
mulheres a agir de maneira mais consciente e coerente com os
objetivos da luta contra a opressão colonialista. Temos, então,
a utilização da sabedoria dos mais-velhos em função de uma
causa bastante objetiva, representativa da luta que deve ser
travada para a conquista da liberdade. As gerações mais
novas, representadas por Beto e Xico, põem em prática o
"exercício da compreensão" explicitado por Xico Futa na
estória central do livro.
A progressão temporal sugerida pela
ordenação das três narrativas de Luuanda
diz muito do sentido geral do livro. Nele, passado, presente e
futuro se dispõem cronologicamente, perfazendo uma trajetória
que anuncia novos tempos. De Vavó Xíxi à criança gestada
por Bina, o fio da vida trançado pelo escritor é percorrido
também pelos leitores. Desse modo, um percurso que diz
respeito à construção de um saber ou de uma ética
revolucionária pode ser depreendido da leitura encadeada das
três narrativas do livro. Vale lembrar que a última estória
se encerra com o pôr do sol. Aliás, o poente - referido por
três vezes durante a narrativa - é bastante significativo em
sua elaboração. Para além dos sentidos evocados por seu tom
avermelhado - a paixão revolucionária, o sangue derramado na
luta pela liberdade e até a cor característica das bandeiras
dos partidos comunistas -, é possível pensar que o cair do
dia metaforiza o final de um ciclo, de um tempo de opressão
que deve se encerrar. Desse modo, a estória sinaliza que,
depois da morte do tempo colonial, um novo dia - vidas novas,
novos tempos - surgirá.
É prática literária de Luandino Vieira,
corporificada nas três narrativas do livro, aproximaria-se da
concepção de "utopia concreta" desenvolvida por Ernst
Bloch principalmente em sua obra Das
Prinzip Hoffnung (O
princípio esperança), escrita entre 1938 e 1948.
Numa linha
marxista, o filósofo alemão desenvolve seu conceito de
utopia a partir do sentido ontológico do "ainda-não-ser",
redefinindo o conceito de "ser" como "modo de
possibilidade para frente". Assim, ao combinar uma concepção
materialista da história e as potencialidades imanentes ao
sujeito, espécie de força dinâmica que o projeta para o
futuro, Bloch vislumbra a "realização progressiva da
utopia marxiana da sociedade sem classes, que aposta na
transformação da vida capitalista alienada em autodeterminação
humana real, em auto-realização e em emancipação social
individual."
Arno Münster,
um dos maiores intérpretes da filosofia blochiana, ao
circunscrever os sentidos do "espírito utópico" no
pensamento de Bloch, verifica a relação estabelecida entre o
conceito de utopia e o de "esperança crítica", o que
visaria
à negação de todas as relações humanas baseadas
na alienação e na dominação, e a articulação desta
esperança com o projeto (utópico) de uma revolução ética,
devendo completar o objetivo de uma revolução das estruturas
econômicas da sociedade. Por fim, o "espírito utópico"
implica uma reformulação da questão ética, não no
sentido de
uma "ética
normativa" tradicional,
mas no
sentido da
reivindicação da realização de uma nova prática humana e
moral enquanto síntese de uma nova concepção ética das
relações inter-humanas que abrange não somente os ideais de
igualdade e de fraternidade sintetizados pela Revolução
Francesa, mas também os objetivos de uma revolução
socialista.
Parece-nos claro
que o imaginário social configurado em Luuanda
vai ao encontro da formulação de uma "revolução ética",
capaz de concretizar o projeto utópico de um país livre e
justo. Nesse sentido, a proposta do escritor angolano aposta
na transformação da realidade vivida pelas personagens a
partir de sua conscientização
e de sua atitude revolucionária.
Em termos mais
formais, o engajamento da linguagem literária recriada em Luuanda se dá através da mistura entre o português e o quimbundo
e também através da inscrição universalizante da palavra
oral, recuperada ritualisticamente para ampliar o alcance dos
ensinamentos contidos em cada narrativa. Dessa maneira, o diálogo
estabelecido entre os modos da cultura oral e os modos da
cultura letrada realiza a superação, em termos do discurso
literário, da dicotomia existente entre tradição e
modernidade. Em termos sociais, tal síntese cultural pode ser
pensada como a superação da realidade de opressão típica
do colonialismo. Afinal, ao ressignificar os valores e as práticas
culturais tradicionalmente angolanas e afirmar um saber
fundamentalmente ético, a obra articula passado e presente em
função de uma experiência futura mais desejável.
Aparentando-se
com os casos tradicionais, as duas últimas estórias do livro
de Luandino Vieira transmitem valores essenciais para o
bem-estar coletivo e exigem um posicionamento crítico de quem
se dispõe
a conhecê-las
Embora
profundamente arraigada na história angolana pré-independência,
a escrita literária de Luuanda
permanece viva e atual como reflexão sobre contradições
e impasses que, se estão presentes no plano social, estão
também profundamente cravados nas subjetividades dos
protagonistas das narrativas e, em alguma medida, de cada
leitor.
Para além de
sugerir a afirmação de uma ética revolucionária
fundamental para a superação dos impasses inerentes à condição
marginal na Luanda do início dos anos 60, o "otimismo
militante" de Luandino Vieira aposta nas possibilidades e
nas potências imanentes ao homem, sujeito literariamente
concebido como livre e capaz de concretizar utopias sociais.
*
Vima Lia Martin é doutora em Letras e professora
de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa
na Universidade de São Paulo. Atualmente é vice-diretora do
Centro de Estudos Portugueses/USP.
Tem realizado pesquisas sobre as literaturas africanas
e, em 2005, organizou o livro Diálogos
críticos: literatura e sociedade nos países de língua portuguesa.
|