Aproximar-se da obra de Leda Catunda envolve certo grau de intimidação, aquele tipo de cautela que se impõe em confronto com um interlocutor demasiado extrovertido. Daqueles que, por um alto senso de propósito ou desprendimento — ou simplesmente por pura liberdade — nada escondem e oferecem-se ostensivamente ao outro, numa compulsão de se revelar. O trabalho de Catunda exala generosidade e exuberância, veste-se de uma visualidade extravagante, saturado de cores fortes, agrestes, seu corpo frequentemente se projetando para além da parede, na direção de quem o observa. São múltiplas as vias de acesso ao trabalho, e seus públicos são tantos quanto as camadas de significado que cada via permite.i No entanto, ao mesmo tempo em que se oferece ao espectador de forma tão aberta e incondicional, o trabalho se mantém resoluto em sua crueza, insistindo em ser apreendido em seus próprios termos, rejeitando categorizações e etiquetas. Nesse aspecto, ele evoca o domínio não esterilizado da arte popular:
A minha escolha de tinta, de cor, é sempre muito simples, muito direta. Então, por isso, ela se assemelha muito à arte popular. Cores mais primárias, sem muita elaboração. Não estou interessada nessa idéia da boa pintura; isso não me serve para nada no trabalho.ii
Pintura como meio
Navegando uma linha tênue entre pintura, escultura, cultura popular, e artesanato, Catunda recolhe do mundo toda espécie de materiais industrializados,iii construindo o trabalho num processo livre-associativo, a partir de procedimentos próprios da colagem. Neste processo de transfiguração e reabsorção do cotidiano, tecidos e objetos planos, ricos em texturas e cores intensas, são sobrepostos, entrelaçados, recortados, colados, costurados e, finalmente, pintados. O resultado é uma superfície espessa, frequentemente volumosa e estufada, que extrapola o plano pictórico.
O tecido funciona para mim como material pintável. A questão da pintura é muito curiosa. Quando eu termino de recortar e montar tudo, as pessoas perguntam: “Ué, por que você ainda vai pintar? Parece que tudo já está lá.” Mas eu ainda insisto e reafirmo isso. A tinta faz uma junção das matérias, ela contextualiza.iv