ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ANTÔNIO MOURA

 

 

 

 

MONUMENTO A PASCAL

 

I

 

Nunca buscamos as coisas,

mas sim a busca das coisas.

O rei está rodeado de gente

que não pensa senão em divertir o rei

e impedi-lo de pensar em si mesmo.

Com o coração oco

e cheio de imundície

corremos despreocupados

para o abismo – o último ato,

sempre sangrento, por mais belo

que tenha sido o resto da comédia.

 

II

 

Três graus de latitude alteram

toda a jurisprudência:

Um meridiano decide a verdade.

Curiosa justiça que um rio delimita.

Do outro lado do mar, um homem

se dá o direito de me matar,

porque o seu príncipe tem

uma disputa com o meu,

embora, eu, contra ele, nada tenha.

 

Meu e Teu – eis o começo e a imagem

da usurpação de toda a terra.

 

 

III

 

Quantos reinos nos ignoram.

Abismado na infinita imensidão

dos espaços que ignoro e me ignoram,

não vejo – como uma sombra

que dura um instante irreversível –, senão

infinidades por todos os lados,

visivelmente perdido e caído

nas trevas impenetráveis

do Universo que me encerram.

Uma esfera infinita, cujo centro

está em toda a parte e a circunferência

em parte alguma.

 

Deus é um Deus escondido.

 

IV

 

Nunca nos detemos no presente.

E nada se detém para nós – rio de Babilônia.

Não procuremos, pois, segurança

nem firmeza.

De nada me adianta possuir terras.

Pelo espaço, o Universo compreende-me

e absorve-me como um ponto.

Pelo pensamento, sou eu

que o compreendo.

 

 

V

 

A medida que aumentam as luzes

aumentam grandeza e miséria,

desde a presunção desmedida

ao mais horrível abatimento.

A natureza do homem, bambu pensante,

não é ir sempre, tem suas idas

e vindas.

Monstro incompreensível, não é anjo

nem besta e, desgraçadamente,

quando quer ser anjo

acaba por ser besta.

 

O frio é agradável

para podermos aquecer-nos.

Tenho dentro de mim

o tempo bom e os nevoeiros.

 

 

VI

 

Dirigimos o olhar para o céu,

mas firmamo-nos na areia.

Um princípio de tudo.

Tudo por Ele,

Tudo para Ele.

Incapazes de ignorar totalmente

e de saber com certeza,

temos uma imagem da verdade

e possuímos a mentira.

Glória e refugo do universo.

 

 

VII

 

O menor movimento importa à natureza.

O mar inteiro muda por causa de uma pedra.

Nenhum abatimento incapaz do bem.

Nenhuma santidade isenta do mal.

Esplêndida maneira de receber

a vida e a morte, os bens e os males.  

 

Paris, verão de 2004

 

 

(Do livro A Sombra da Ausência)

 

 

*

Antônio Moura (Belém 1964). É autor de Dez (1996), Hong Kong (1999),Rio Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).

 

 

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