ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - edições anteriores - home]

 

 

DANIELLE FONSECA

 

 

 

 

PIPELINE

   

para Jane Gabbay

 

Hoje não quero ler. Nem nadar. 

Nem ficar à sombra da cabana. 

Estou trocando a pele e tenho a impressão de que todos estão vendo essa nudez. 

I’m shame. 

Minhas feridas estão expostas e acho que todos vão descobrir. 

Cicatrizes que eu achava ter apagado com o romantismo-rosado do caladryl. 

Cadê aquela mulher meio-ana, meio-caio, meio-bloomsbury? 

Perdeu-se na Adélia que há em mim: 

                                                          “Seja mulher! Carrega essa bandeira direito menina! E que Deus te proteja!”. 

Uma menina magra que fala pouco e que hoje beija e ri muito mais do que em 1996. 

Mas, escreve menos do que nunca. 

Talvez seja isso: a literatura, essa vaga, essa onda. 

Anda onde? 

Estou aqui mais furiosa do que antes, e isso é coisa que sempre fui, com vinco entre as sobrancelhas e por cima dos óculos. 

Hoje não posso nadar. 

Descobri que os tubarões também sentem cheiro das feridas da alma. 

Vou voltar à sombra dos meus livros. 

À cabana.

 

 

TEAHUPPO

 

Havia um barco feito de coragem.

Dele minha criança pulou feito peixe grande.

Espirrando água naquela água azul assustadora.

Mesmo quando não quero minha vida parece uma rua diluída,

sem estradas de terra.

Tenho um barco chamado Ulisses.

 

 

DEZEMBRO

 

Acho que sou como os pássaros que migram para o sul no verão.

Não gosto de cinza, nunca gostei.Até achei isso um dia. Mas, não.

Amo o sol e o mar e as frases de amor.

E amo mais do que nunca.        

E nem sei porque nesse dezembro de calor estou um pouco assim, assim.

Uma pedra sem musgo.

Areia sem mar.

Acho que o fato de eu não comer sal tem influenciado nisso.Ando sem graça.

Um frio na espinha, um cansaço nas pernas como se estivesse grávida e chata.

Quero muito desenvolver minha bodaishin, “a mente que procura Buda”.

Não lembro de em nenhum livro ver Buda triste ou com cara de sofrimento.

Quero ser budista.Com aquele sorriso de canto de rosto, gostoso.Um sorriso feito através do exercício de por a língua no céu da boca.

Alegria é treino.

És minha alegria sem treinos, nado livre na piscina, sem raias ou cronômetro.

E quero um amor pleno, sem medos, sem vertigens.

Equilíbrio é treino.

 

 

*

Danielle Fonseca (Belém) é poeta e artista visual.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2010 ]