ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 HAFEZ


 

 

O SORRISO

”Uma destas noites, um sábio me falou: ‘É preciso conheceres o segredo daquele que nos vende o vinho.’

E ainda: ‘Não leves nada a sério. O mundo carrega de enormes fardos aqueles que dobram a cerviz.’

Depois, estendeu-me uma taça onde o esplendor do céu se refletia tão vivamente que Zuhra se pôs a dançar:

’Filho, segue o meu conselho; não te inquietes com as noites deste mundo. Guarda as minhas palavras: elas são mais raras do que as pérolas’

’Aceita a vida como aceitas essa taça, de sorriso nos lábios, ainda que o coração esteja a sangrar. Não gemas como um alaúde; esconde as tuas chagas

Até o dia em que passares por trás do véu, nada compreenderás. Não podem ouvidos humanos ouvir a palavra do anjo

Na casa do amor, não te envaideças das tuas perguntas, nem da resposta’.

Vinho, ó Saki, mais vinho: as loucuras de Hafiz foram compreendidas pelo Senhor da alegria, Aquele que perdoa, Aquele que esquece.”

 

EPITÁFIO DE HAFEZ EM SHIRAZ

“Recebi, a Deus graças, a boa nova:
Vou reunir-me com meu Amado.
Vou por último abandonar esta gaiola
que tem meu espírito prisioneiro.
Amigo! Amante!
Quando venhas ao meu túmulo, vem embriagado,
de uma bebedeira que nunca decresça,
cheio seu ânimo de um fervor que engrandesse o amor,
a esperança.
Tem presente que a alegria deste mundo é curta,
passará com os anos vividos.
O importante é o que no final ficará,
dessa embriaguez que levas na Alma.”

trad. por Aurélio Buarque de Holanda, do Rubaiyat de Hafez. Livraria José Oympio Editora, RJ 1944.

 



 

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Shamsuddin Hafez nasceu em Shiraz em 1320 e faleceu em 1389. Foi um talento excepcional em diversos campos como a filosofia mística, a poesia ou a teologia. Seu nome significa o que decora, o que recorda, aquele que conhece de memória o texto corânico. Artífice máximo do gazel amoroso, sua obra mais importante e conhecida é seu Rubaiyat. Hafez tendia mais para a interpretação mística da palavra divina e criticava a rigidez das regras do islamismo, como a proibição do vinho. Utilizava constantemente a rosa, simbolizando sua amada, dona de beleza inigualável e invejada pelas outras flores, e do Rouxinol, referindo-se ao poeta que canta seu sofrimento. Foi protegido e perseguido por diferentes governantes de sua região - passou por dois exílios, um quando foi expulso e outro por escolha.

Hafez é enormemente atual: desde 1999, há no Irã, uma banda underground de rock chamada O-Hum gravou todas as suas faixas inspiradas nos poemas Hafez; as palavras hafiz y hafiza, com variantes de pronuncia, se converteram em nomes próprios, feminino e masculino; em todo Irã, seu rubaiyat tem sido usado cotidianamente como oráculo popular.

Seu túmulo, situado nos Jardins de Musalla em Shiraz, está repleto de rosas e do canto de rouxinóis.

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