ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

AS REVISTAS DEFINEM O MOMENTO LITERÁRIO?

 

Márcio-André

Se toda realidade se realiza a partir dos elementos que a constituem, é sábio concluir que as revistas não só definem, como criam o espaço literário – assim como as editoras, os movimentos estéticos, as rodas de leituras, os espaços de debate (como esse), os cadernos culturais, e – sobretudo – as políticas pedagógicas globais.

Entretanto, percebo que o que as revistas têm assumido, muito mais do que o  papel de determinador de uma realidade literária, é o de formador de um publico, numa realidade que já de antemão determina a literatura para poucos.

Num país que, apesar de toda pluralidade, estacionou à meio caminho da criação de políticas eficazes de educação, as revistas, pela sua efervescência e quantidade, acabam sendo as principais realizadoras dessa realidade como um todo.

Se os cadernos culturais ainda se valem da lógica de centralização mercadológica, propagada de forma irreal pelas grandes editoras num país de pelo menos 50 milhões de analfabetos, promovendo uma circulação um tanto restrita em termos literários e focando-se somente nos chamados “bens (de consumo) culturais”, revistas como a Confraria, a Polichinello, a Coyote, a Zunái, a Sibila, a Azougue, e portais como o Cronópios e tantos e tantos outros, articulados de forma independente e anticonstitucional, vão redefinindo e desenvolvendo esses novos universos possíveis e descentralizados, a partir de suas próprias diferenças umas das outras.

E isso é, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição. Se por um lado, somos um país que está na vanguarda de muitas propostas estéticas – e as revistas devem ter a “obrigação” de sempre atualizá-las –, por outro lado elas padecem na dupla “obrigação” de ensinar sobre essas estéticas. A maldição está no fato de que é quase impossível assimilar uma coisa com a outra.

Ao mesmo tempo que, com as novas tecnologias, a lógica centralizadora vai perdendo força e todos podem ser seus próprios editores – e muitas vezes sem critérios –, as revistas com seu trabalho de seleção, acabam assumindo o ofício de delimitar um “paideuma” qualitativo, num universo ainda híbrido de novos e antigos valores.

E é mais que produtivo, um panorama de revistas e propostas diferentes articulando, sem se anularem, uma variedade de realidades, pois é importante que forças diversas tentem erguer dinâmicas identitárias. Um problema é que, nesses aspecto, muitas vezes, forças identitárias tentam promover dinâmicas aparentemente diversas e estas às vezes se manifestam num único vício comum entre tais periódicos: o de focar sua atenção nos produtores e não nos consumidores (e aqui, consumidor e produtor em nada se identifica com a lógica do capital).

Ora, não há literatura sem leitores, e cada autor é já, teoricamente, um leitor, mas isso tem sido ignorado insistentemente. As revistas e portais citados acima são exemplares, ao fugir de tal vício.

Nesse sentido, a Confraria, especificamente – que é pela qual posso falar com o coração – optou, em sua essência, pela democratização do pensamento e da produção literária, pensando, antes e sobretudo, no leitor, nunca no autor – o que muitas vezes causa alguma incompreensão por parte dos escritores.

Desde o início, não queríamos republicar os mesmos autores e nem queríamos que fossem autores homogêneos, qualquer que fosse o nicho – o mainstream ou o alternativo, o tradicional ou o experimental, o erudito ou o populesco. Tínhamos a proposta clara de romper as barreiros do termo gregário “alta cultura”.

Cultura é cultura e ponto final e deveria ser disponibilizada em sua profundidade e abrangência para todos – numa revista regular, de livre acesso e distribuição, num meio até então pouco valorizado, como a internet. Tínhamos a regra de jamais repetir um mesmo autor em menos de dois anos – incentivando a pesquisa entre os editores – tínhamos um conselho editorial e um quadro de editores aberto – o que propunha o agregamento de gente jovem e sem vínculos afetivos com os editores mais antigos. Nosso desejo era, como tantas vezes afirmamos – “educar pela dissonância”, à medida que educávamos à nós mesmos pela persistência.

A revista Confraria, chegou numa nova etapa. A partir de julho, ganhará uma versão impressa bimestral, e será distribuída binacionalmente nas bancas do Brasil e de Portugal, com uma produção gráfica rigorosa, mas um preço razoável, suficiente para cobrir seus custos de produção. Desejamos, com isso, possibilitar uma maior circulação do pensamento e da literatura, levando-os a um público ainda resistente aos veículos eletrônicos, e tentando provar que um pensamento e uma arte de vanguarda não se limitam a uma elite cultural ou econômica.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2009 ]