EM
BUSCA DE UMA FALSA LUZ
Rodrigo Grota
Estabelecer as relações entre cinema e poesia pode se tornar uma
tarefa difícil se você se prender a conceitos rigidamente
estabelecidos. Por mais que cineastas tenham refletido sobre
esse tema, e até mesmo realizado algumas intersecções entre as
duas linguagens, não há parâmetros totalmente seguros que possam
dar suporte a toda e qualquer relação entre um discurso léxico e
uma linguagem audiovisual. Em "Notas sobre o Cinematógrafo", por
exemplo, Robert Bresson faz uma observação aparentemente radical
a respeito do momento em que linguagens confluem: "O que passou
por uma arte e conservou a sua marca não pode mais entrar em
outra". O aforismo seguinte é uma espécie de complemento a essa
idéia: "Impossibilidade de expressar intensamente alguma coisa
pelos meios conjugados de duas artes. É uma ou outra". E o
ataque final vem em uma sentença curta: "Nada mais deselegante e
mais ineficaz que uma arte concebida dentro da forma de outra".
Bresson defendia a idéia de uma linguagem audiovisual autônoma,
de um discurso próprio ao cinematógrafo (como ele preferia se
referir ao que se conhece usualmente por "cinema"). Para ele,
deveriam ser rompidas todas as relações com o teatro e com a
literatura - a aproximação seria com as artes plásticas e com a
música. O cineasta deveria construir o seu filme sobre o branco,
sobre o silêncio, sobre a imobilidade. Um filme não deveria
servir como um veículo de idéias, conceitos, e sim, permitir um
acesso privilegiado a um universo restrito, do qual o cineasta é
um íntimo observador.
Em
outras palavras, mas sem se opor, o filósofo francês Maurice
Merleau-Ponty destacou em "O Cinema e a Nova Psicologia" a
percepção analítica do espectador diante de um filme como fator
essencial para se pensar essa linguagem: "Quando percebo, não
imagino o mundo: ele se organiza diante de mim". Essa frase é
quase um complemento a uma conhecida observação de Bresson sobre
gestos e palavras: "Os gestos e as palavras não podem formar a
substância de um filme como eles formam a substância de uma peça
de teatro. Mas a substância de um filme pode ser esta... coisa
ou estas coisas que provocam os gestos e as palavras e
que se produzem de uma maneira obscura em seus modelos. Sua
câmera os vê e os registra. Escapamos assim da reprodução
fotográfica de atores representando e o cinematógrafo, escritura
nova, se torna conjuntamente método de descoberta". Apoiado
nessa concepção, Bresson argumenta que o cinematógrafo deve ser
constituído por uma livre associação de imagens, sons e silêncio
na qual as formas ditem o ritmo, na qual a linguagem seja
permeada de impressões e sensações, permitindo, portanto, o
almejado acesso ao desconhecido. Nesse ponto, o realizador
francês complementa notável conclusão de Merleau-Ponty: "Um
filme não é pensado e, sim, percebido".
Se um
filme não deve ser pensado, e, sim, percebido, enfim, assimilado
por meio de sensações e impressões, temos diante de nós um
primeiro ponto de contato entre o cinema e a poesia. A poesia, a
meu ver, também não deve ser pensada: ela se utiliza de
mecanismos de linguagem para atingir o leitor a partir de outra
convenção; não se pode pensar um poema, e, sim, apenas
encontrá-lo. Nesse sentido, Leminski dizia que o leitor de
poesia é, acima de tudo, um poeta. O discurso poético, se
encarado sob essa perspectiva, irá se basear em algo diverso à
racionalidade e à compreensão: sua relação será indireta, e,
simultaneamente, mais abstrata. Trata-se de um discurso
não-objetivo por excelência, uma linguagem dotada de um universo
próprio que não pode ser traduzida (nem adaptada) facilmente
(sobretudo em seu aspecto formal).
O
cinema é constituído por imagens, sons e silêncio. A poesia
(aqui contextualizada como um gênero literário) é constituída
por palavras, letras, e formas pelas quais esses elementos se
associam. No cinema analógico, as imagens são captadas por uma
lente chamada comumente de "objetiva". Essas imagens são
impressas por meio de um processo químico em um material
sensível: a película. As palavras, por sua vez, são encontradas
em um universo indistinto, singular, dentro e fora da mente de
seu autor. Em um filme, a imagem de um cavalo nos remete
diretamente àquilo que identificamos como um cavalo, e, na maior
parte dos casos, de forma independente da nacionalidade do
espectador. Já a palavra "cavalo", para os conhecedores da
língua portuguesa, se refere diretamente ao conceito que temos
de um cavalo. Para os leitores de outras línguas, talvez a
palavra "cavalo" se apresente apenas como uma série de letras
agrupadas sob um código significativo que lhe é alheio. No
entanto, por mais que o cinema consiga estabelecer uma relação
direta, sem a mediação da compreensão (nesse caso), há um
elemento de equilíbrio nessa equação: a imagem é imperativa,
opressora - ela não permite que o espectador imagine outro
cavalo se não aquele que está sendo apresentado pelo filme. Já a
palavra "cavalo" nos permite imaginar infinitas possibilidades
do que se reconhece como sendo um cavalo.
Essa
diferença no que se refere à recepção de cada gênero expressivo
irá influenciar sobremaneira o modo pela qual cada linguagem é
constituída: no cinema, grosso modo, temos uma linguagem
que tende ao realismo; na literatura, sobretudo na poesia, temos
uma linguagem que tende ao imaginário. Cabe ressaltar que essas
afirmações são genéricas, e, por si só, limitadas - não cabe
aqui neste artigo investigar a natureza da animação no cinema,
muito menos gêneros literários como a poesia visual ou a poesia
sonora. Concentremos a nossa questão, por exemplo, em algo
concreto: um haicai - a forma poética que ao mesmo tempo é
constituída por uma série de palavras, e produz o efeito de uma
fotografia da realidade.
Antes
de analisarmos alguns haicais, no entanto, lembremos rapidamente
os pensamentos do cineasta que talvez mais tenha refletido sobre
a natureza do cinema. Na coletânea de ensaios "O Sentido do
Filme", Sergei Eisenstein investigou e relacionou os inúmeros
pontos de contato entre o cinema e outras artes. A montagem
paralela, por exemplo, uma invenção atribuída (na maior parte
dos casos) a David Wark Griffith, já estaria em "Madame Bovary",
de Flaubert. Técnicas de associação de imagens já teriam sido
muito bem desenvolvidas por poetas como Milton e Puchkin. As
anotações para um quadro de Da Vinci poderiam ser lidas assim
como se lê um roteiro cinematográfico nos dias atuais. Contudo é
na técnica do ideograma que Eisenstein encontra a forma mais
próxima da montagem cinematográfica. A justaposição de duas
imagens distintas que gerem uma terceira imagem diversa, com
significado próprio, será a grande contribuição que a forma do
ideograma dará à técnica que o cineasta russo batizou de
"montagem de atrações" ou "montagem intelectual". Sob esse
princípio, Eisenstein conclui no artigo "Palavra e imagem": "A
montagem tem um significado realista quando os fragmentos
isolados produzem, em justaposição, o quadro geral, a síntese do
tema. Isto é, a imagem que incorpora o tema. (...) a imagem
desejada não é fixa ou já pronta, mas surge - nasce.
(...) A força da montagem reside nisto, no fato de incluir no
processo criativo a razão e o sentimento do espectador. (...) A
conclusão é que não há nenhuma incompatibilidade entre o método
pelo qual o poeta escreve, o método pelo qual o ator forma sua
criação dentro de si mesmo, o método pelo qual o mesmo
ator interpreta o seu papel dentro do enquadramento de um
único plano, e o método pelo qual suas ações e toda a
interpretação, assim como as ações que o cercam, formando seu
meio ambiente (ou todo o material de um filme), fulguram nas
mãos do diretor através da mediação da exposição e da construção
em montagem, do filme inteiro. Na base de todos estes métodos
residem, em igual medida, as mesmas qualidades humanas vitais e
fatores determinantes inerentes a todo ser humano e a toda arte
vital".
Todas
essas qualidades citadas por Eisenstein se encontram em um bom
haicai. Vejamos, para início desse estudo, uma poesia do autor
londrinense Rodrigo Garcia Lopes:
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Esse
haicai, aliás, pode ser encontrado no filme Satori Uso, um falso
documentário sobre um poeta que nunca existiu, apresentado por
um cineasta imaginário. Satori Uso (falsa luz, em
japonês) é o alter ego que Garcia Lopes criou em 1985
quando editava uma página de literatura no periódico Folha de
Londrina, no Paraná. À época, ele publicou uma notícia
biográfica a respeito do Satori ao lado de alguns haicais. Em
janeiro de 2002, trabalhando como repórter da Folha de
Londrina, entrevistei Garcia Lopes a pretexto do lançamento
de Polivox, um CD com músicas escritas, interpretadas e
gravadas pelo poeta. Em meio a um jantar na casa de Iara Lessa,
uma amiga em comum, Garcia Lopes me mostrou essa página de 1985,
na qual estavam os poemas de Satori. Ele me perguntou se eu
conhecia tal poeta: prontamente disse que não, mas que achava
interessante uma personalidade assim tão singular: zen-budista,
criador de haicais, e ao mesmo tempo um aventureiro, amigo dos
grandes da beat generation. Quando Garcia Lopes revelou
que se tratava de um personagem ficcional, subitamente propus
(sem muito pensar): "Que tal realizarmos um documentário sobre
esse poeta que nunca existiu?" Felizmente ele concordou, e se
animou com o projeto. Na época, ainda não havia dirigido nenhum
filme - e essa era apenas uma das idéias que surgiam e logo eram
esquecidas. Estava muito animado com propostas como a de
"Zelig", de Woody Allen, e "F For Fake", de Orson Welles, filmes
que rompiam a fronteira entre o "real" e a "ficção". Apenas em
2004, após o lançamento do meu primeiro filme, "Londrina em Três
Movimentos",
pude escrever o primeiro tratamento do filme que seria rodado em
março de 2006. Em 2005, após a aprovação do projeto, me envolvi
na realização de outros dois filmes: o curta "O Quinto
Postulado", no qual apresentávamos uma história inspirada na
possibilidade de ruas retas paralelas se cruzarem no infinito; e
o média-metragem "Inimigo Público n.1", um ensaio visual sobre o
reencontro de Arrigo Barnabé e a banda Sabor de Veneno. Em meio
a conversas com Garcia Lopes, nas quais ele me apresentava novos
poemas de Satori, além de sua concepção de como deveria ser o
filme, apresentei algumas dificuldades relacionadas à
transposição de um universo poético para a linguagem do cinema.
O primeiro passo, na minha visão, seria ter um perfil
psicológico do poeta Satori Uso construído de forma sólida: não
seriam necessárias informações como data e local de nascimento,
maneira de se vestir, etc. Mesmo respeitando a idéia de Goethe
de que "o que está no interior, também está no exterior", eu
precisava inicialmente me relacionar com uma certa qualidade
interna do poeta, sua forma de ver e sentir o mundo.
Após
conhecer tais características, poderia sim criar outros
elementos relativos ao personagem, incluindo hábitos,
vestuários, etc. Para que o público se interessasse pelo
personagem, deveria haver um drama, um conflito, algo que
criasse uma identificação entre o poeta e o espectador. No
relato que Garcia Lopes havia criado em 1985, não havia tal
drama. Sugeri, portanto, a criação de Satine, uma personagem
sedutora, autodestrutiva, carnal, enigmática, e que seria a musa
do poeta. Garcia Lopes aceitou a sugestão, mas me alertou
prudentemente acerca do risco da personagem crescer muito e o
filme perder seu foco inicial: a poesia de Satori. Em dezembro
de 2005, no entanto, Garcia Lopes estava deixando o Brasil para
um contrato de três anos como professor de Literatura Brasileira
em uma universidade na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. As
filmagens estavam previstas para ocorrer entre 5 e 12 de março
de 2006 - não havia como adiar, pois a agenda do fotógrafo
Carlos Ebert ("O Bandido da Luz Vermelha") era bem apertada.
Assim, um pouco antes do natal, comecei a me preparar para três
semanas que passaria em Marília, (interior de São Paulo, cidade
em que nasci), e nas quais deveria surgir um roteiro quase
definitivo. Lembro-me de juntar vários livros de autores
beatniks que havia comprado no decorrer do ano, como Allen
Ginsberg, Jack Kerouac, John Fante, Charles Bukowski e William
Burroughs. A mochila já estava cheia quando pensei: "puxa, será
mesmo o caminho? E se eu me concentrar naquilo que mais admiro,
naquilo que me faz conectar com algo invisível e desconhecido em
mim mesmo? Segui essa segunda opção - um tanto pretensiosa -
admito, e peguei apenas um exemplar de "O Livro do
Desassossego", do mestre Fernando Pessoa. Já em Marília
adicionei a essa companhia exemplares de "Poesia Completa de
Alberto Caeiro" e "Poesia", de Álvaro de Campos. Piscina,
leituras, e alguma distração. Ao retornar para Londrina, contava
apenas com algumas linhas do roteiro, e uma auto-entrevista
acerca do filme. Diante da proximidade das filmagens, permaneci
recluso por alguns dias e pude assistir a dois filmes que me
ajudaram muito: o primeiro foi "Raging Bull" (Touro Indomável),
de Martin Scorsese - uma espécie de filme-despedida ao cinema
americano dos anos 70. O outro foi "The Getaway" (Os
Implacáveis), de Sam Peckinpah. No filme de Scorsese, o que me
impressionara foi a forma como ele abrira o filme: uma imagem em
preto-e-branco, lenta, com uma música imponente e ao mesmo tempo
profundamente emotiva. No filme de Peckinpah, o que mais me
interessou foi um extra do DVD no qual poderia ouvir um
depoimento do diretor em meio a imagens de bastidores das
filmagens. Esse formato me fez ter a idéia de criar no filme
"Satori Uso" a impressão de que o espectador estivesse diante de
algo incompleto, de um som sem imagem, ou de série de planos sem
perfeita coesão: um filme em fragmentos, incompleto. Surge
portanto a idéia de criar um cineasta que teria feito um filme
sobre o Satori, e este seria James Douglas Kleist, mais
conhecido como Jim Kleist. Ele teria nascido em New York, em
maio de 1941, na mesma semana em que estreara "Citizen Kane", de
Orson Welles. Em mais de 30 anos de carreira, Kleist se
orgulhava de nunca ter completado um filme. Sua filmografia
compreendia adaptações de uma música de Miles Davis; de uma
música de Bill Evans; de um quadro de Edward Hopper (uma
referência-chave para a construção da abordagem visual do filme,
assim como as fotos do agricultor nipo-brasileiro Haruo Ohara
(1909-1999)); e de um conto de Heinrich Von Kleist. Jim Kleist
seria amigo dos escritores beats e teria se fascinado
diante da poesia de Satori. Em 1967, durante uma excursão de
Hopper e alguns amigos pelo Brasil (o pintor americano realmente
participou de uma Bienal em São Paulo), Kleist teria aproveitado
a oportunidade e se deslocado a Londrina, no interior do Paraná,
para filmar "Isolation", filme sobre um certo sentimento de se
isolar do mundo, de retornar a uma certa origem onde tudo é
incompleto e descontínuo. Kleist acreditava que terminar um
filme era retirar aquilo que havia de vida em uma obra de arte:
seria retirar a sua pulsão dinâmica, força vital, elemento de
eternidade. A vida estaria apenas na incompletude. Por isso, ao
se suicidar em 1992, sua produtora, a Imaginary Pictures,
não contava sequer uma obra completa de Kleist em seu acervo.
Apresentado o conceito que permeou todo o filme "Satori Uso",
podemos nos ater novamente (e de forma mais direta) às relações
entre cinema e poesia. No caso do poema acima, atribuído a
Satori Uso, porém escrito por Rodrigo Garcia Lopes, temos como
primeira informação básica a disposição das palavras: elas foram
lançadas sobre um eixo vertical, remontando, possivelmente, a um
fluxo da natureza. No filme, há uma seqüência em que nove poemas
são apresentados em inglês e em português relacionados a imagens
de natureza e a uma música de Johann Sebastian Bach. A escolha
da música se deu devido a uma estrutura interna das imagens. Ao
selecionar as nove imagens que iriam compor essa seqüência, dei
preferência àquelas que preservassem dentro de si uma espécie de
imobilidade, um potencial de expressar a sua identidade em si
mesma, sem algo externo. A partir dessa interdependência, seria
mais fácil encontrar a sintonia significativa com o poema e
rítmica com a música. Vejamos o caso do poema que cita as velas:
A
imagem aparentemente não está conectada ao poema. Trata-se de
uma imagem solar, registrada na zona rural de Londrina, sob um
sol suave, característico da luz mais desejada: a do fim do dia.
Nesse momento surge a "hora mágica", na qual podemos observar um
cromatismo denso e arrebatador. Filmes como "Barry Lyndon", de
Stanley Kubrick, e "Days of Heaven", de Terrence Malick, estão
repletos de cenas produzidas na "hora mágica". Apesar de não
haver essa conexão direta com o conteúdo do poema, ao se
observar a imagem, unida ao poema, e à música de Bach, cria-se
uma quarta possibilidade, algo que não é só o poema, nem só a
imagem, muito menos a música. Cria-se uma unidade indissolúvel,
que a partir de agora só poderá ser assimilada a partir dessa
união.
Há
momentos, porém, em que há uma sintonia direta entre o poema e a
imagem. Analisemos o poema a seguir:
Para
esse poema, encontramos uma sintonia direta na imagem de uma
flor que aparece inicialmente desfocada, e, gradualmente, ganha
foco diante da nossa lente. Vejamos a cena do filme:
A
música, nesse caso, também contribuiu para pontuar a cena em que
a imagem deixa de ser desfocada.
Há
cenas do filme em que o conteúdo do poema está em sintonia não
só com um elemento técnico (como o focar ou desfocar), mas, sim,
com o que está descrito na imagem. Esse tipo de associação, mais
próxima do que poderíamos chamar de "decupagem clássica" no
cinema (momento em que texto e imagem partem do mesmo
referencial), não foi utilizado em demasia no filme, pois o
intuito (nessa seqüência e no filme como um todo) era
potencializar as possibilidades da imagem, do som e do texto,
criando aproximações e distanciamentos, e, ao mesmo tempo,
preservando um elo de ligação. Vejamos o poema a que nos
referimos:
nem dentro, nem fora
neste canto do jardim
sou uma sombra de mim
Agora, as imagens:
Em
todo o filme há a preocupação de potencializar a linguagem do
cinema, tornando a imagem independente da música, mas também
adquirindo uma função complementar. Nesse caso, trata-se de
encontrar uma sintonia entre esses dois elementos que antes
nunca foram associados e que agora devem caminhar juntos como se
fossem companheiros desde o seu nascimento. Em relação aos
poemas, a idéia era a de que eles fossem apresentados como uma
informação adicional - algo que pudesse contribuir para a
compreensão do filme, mas nunca sob um aspecto essencialmente
lógico, e, sim, como índice do corpo como um todo - um fragmento
que nos direciona para o conjunto.
Não
trabalhamos com a idéia de filmar um poema, até porque, a meu
ver, isso seria reducionista. A narrativa foi construída
principalmente sobre algo abstrato: o sentimento do personagem
"Satori Uso" diante do mundo. A partir desse sentimento, esse
elemento-condutor, toda a equipe técnica teve liberdade de
propor novos caminhos. A nossa meta estava determinada desde o
início: as filmagens serviriam apenas para escolher quais
caminhos seguir.
As
cenas incluídas nessa seqüência voltada aos poemas de Satori Uso
foram todas rodadas na zona rural de Londrina e região (as cenas
do jardim, por exemplo, foram rodadas em Assaí). Após a pesquisa
elaborada em 2003 para o filme "Londrina em Três Movimentos",
e, principalmente, após as filmagens desse curta (que duraram
dois meses e meio, somando quase 36 horas de imagens brutas), já
contávamos com diversas locações na zona rural conhecidas a
fundo pela equipe. No entanto, volto a frisar: seria impossível
prever no roteiro quais cenas entrariam aliadas a um determinado
poema.
No
caso do filme "Satori Uso", produzimos em sete dias de filmagens
cerca de sete horas de material bruto. Dessas sete horas, metade
foi produzida para a seqüência dos poemas. Enfim, na montagem,
contávamos com três horas e meia de imagens para uma seqüência
com um pouco mais de um minuto.
Para
concluir, gostaria de reafirmar que o método empregado na
realização do curta-metragem "Satori Uso" não deve ser encarado
como modelo ou exemplo para uma produção cinematográfica.
Trata-se apenas de uma experiência ocorrida com uma determinada
equipe e para um determinado filme. Não se defende neste artigo
um modelo de produção audiovisual, muito menos uma fórmula
rígida para se apresentar um poema em um filme. Apenas tentamos
mostrar, por meio de exemplos concretos, possibilidades de união
entre uma palavra, uma imagem e um som.
Rodrigo Grota
é cineasta e escritor. E-mail:
rodrigogrota@gmail.com |