BREVE ANTOLOGIA DO HAICAI CONTEMPORÂNEO NO BRASIL (Seleção de Gustavo Felicíssimo)
Para justificar a escolha dos vinte e dois poetas dessa breve antologia, lanço mão do mesmo argumento que utilizei quando da organização de outras. Ei-la: alguns leitores poderão sentir a falta de um ou outro poeta, o que é normal. Entretanto, cabe lembrar que a seleção dos autores está absolutamente norteada por critérios pessoais, pela cosmovisão e pela paixão do organizador pelo haicai e pela natureza que o cerca, fazendo valer a assertiva de Shelley, para quem “os poetas são os autênticos juízes dos poetas dentro do tempo”.
Hors Concour
Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril
(Millôr Fernandes)
1.
Abro o armário e vejo
nos sapatos meus caminhos —
Qual virá comigo?
(Aníbal Beça)
in memoriam
2.
O pássaro responde
Ao ruído da janela —
Tem chovido tanto...
(Paulo Franccheti)
3.
entardecer
o sol mergulha
mas volta
(Carlos Verçosa)
4.
Chega com o vento
um insistente chamado –
Cigarra de outono.
(Teruko Oda)
5.
folhas voando —
minha avó sempre fazia
previsões de chuvas
(Rosa S. Clement)
6.
Chuva de primavera —
O casal na correria
rindo sem parar.
(Edson Kenji Iura)
7.
quantos pirilampos
posso contar esta noite?
caminho enluarado
(José Marins)
8.
o que se quebra
pesa mais
do que o sonho leva
(Alice Ruiz)
9.
Tempos kamikases
As bombas de Oklahoma
São karmas de Nagasaki
(Capinan)
10.
Dia do pescador
Entre uma história e outra
o anzol sem peixe
(Alvaro Posselt)
11.
A garça ignora
a esmola do pescador.
Palavrões ao vento.
(Nelson Savioli)
12.
Gritos ritmados.
Pescadores puxam a rede
cheia de peixe-espada.
(Benedita Azevedo)
13.
Um gato dorme
sobre a balança:
sono pesado.
(Saulo Mendonça)
14.
sentada no ninho
a sabiá e os filhotes
bela manjedoura
(Jiddu Saldanha)
15.
silêncio no bosque
o quê estão a sonhar
os gatos da Edith?
(Tchello de Barros)
16.
Todos os meu ais
cabem
num haicai
(Sérgio Marinho)
17.
Escrito na tarde
procuro aquela palavra -
o teu nome arde
(George Pellegrini)
18.
o que me seduz
é este sol sobre as árvores -
útero de luz!
(Piligra)
19.
chuva de verão:
lá do céu vem desabando
sol pra todo lado.
(Mither Amorim)
20.
velhinha na janela
todo mundo que passa
é visita pra ela
(Ricardo Silvestrin)
21.
As maçãs do rosto
na filhinha adolescendo -
quem desfrutará?
(Henrique Pimenta)
*
Gustavo Felicíssimo. Poeta e ensaísta. Natural de Marília, está radicado na Bahia desde 1993. Trabalha como preparador de textos para editoras e escritores. Publicou, entre outros, o livro Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna. Venceu o Prêmio Bahia de Todas as Letras, edição 2009, em duas categorias: Literatura de Cordel e Poesia.
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