UMA
CONVERSA COM JOÃO VILHENA
por Maria João Cantinho
João Francisco Vilhena nasceu em
1965. Este jovem fotógrafo apresenta um percurso vastíssimo,
tendo trabalhado tanto individualmente como em parceria com
a literatura portuguesa e na área do fotojornalismo, colaborando
com as mais prestigiadas revistas de arte e literatura.
Acumulando experiência e vivências, transfigurando
as imagens captadas numa verdadeira poética do olhar, João
Francisco Vilhena representa na fotografia o que de melhor
se vai fazendo na área da literatura e na arte em Portugal.
A sua obra é já amplamente reconhecida fora do país e representada,
tanto em colecções privadas portuguesas como estrangeiras.
Apesar da tua juventude, tens uma
obra impressionante, tanto no que respeita à qualidade quanto
ao volume. Como foi todo esse processo? Como começaste?
Comecei na revista Ler, com o Mega Ferreira como director e o Francisco
Viegas como chefe de redacção. Comecei fazendo pesquisa iconográfica,
até que surgiu uma oportunidade para fotografar o Manuel da
Fonseca. Foi inesquecível. O ambiente de uma taberna alentejana,
imperiais e uma feijoada, e o Manuel cheio de histórias e
alegria. A revista Ler era povoada por escritores e poetas.
O Mega Ferreira e o Francisco liam poemas em voz alta, e o
Teófilo cortava e colava letras, palavras e frases na maquete
da revista. Foi assim que tudo aconteceu.
Trabalhar como fotojornalista na Ler deu-te a ligação com a literatura ou sempre a sentiste?
Sempre a senti. Os meus pais tinham uma grande biblioteca, logo para mim era
fácil ir à procura do que eu queria ou não sabia. No entanto
através da Ler cheguei aos escritores e aos poetas, aos seus
espaços e objectos.
A literatura tem sido uma fonte de inspiração para a tua
obra?
A literatura e a música foram as minhas primeiras fontes de inspiração, a
que se juntou mais tarde as relações humanas. Gosto de pensar
as imagens como pequenas histórias, sejam elas com pessoas
ou não. No entanto as pessoas são fundamentais. Cada vez mais.
O que gostas mais de fotografar nas pessoas ? Lembro-me
das fotografias lindíssimas que tinhas no livro Atlântico, onde a aura do ser humano estava muito presente. É isso
que procuras?
Fotografar pessoas é muito complicado, normalmente não estão dispostas a partilhar
o seu universo com o fotógrafo. É preciso saber contar histórias,
seduzi-las devagar até elas nos darem o que nós queremos,
ou então perceber os seus sinais e nesse momento o retrato
nasce. É um jogo de sedução entre ambos, de encantamento como
a raposa e o principezinho de Saint-Exupéry.
O que procuras nas pessoas?
Procuro a aura e os fantasmas, a luz e o escuro, a paixão e a perversidade,
depende das pessoas, de como eu as vejo. Quando olho para
elas, caracterizo-as, construo pequenas fiações e vou idealizando
os retratos na cabeça.
Vejo a fotografia como uma poética do espaço e do tempo.
Concordas?
O tempo é sempre fundamental, e eu procuro sempre espaço para ter tempo. No
Atlântico lidei
com fantasmas, e sonhei com eles, como fotografar fantasmas?
Através dos seus olhos que nos observam em fotografias antigas,
pelo cheiro da tinta das suas cartas, pelas pessoas que amaram
e que os amaram, por o que nos quiseram deixar. Já não se
ama assim. No Atlântico, se tu quiseres, capturei as auras
dos seus amores.
Lembro a expressão de John Berger,
quando ele falava do abismo entre o passado e o presente e
que a fotografia procura dar conta desse abismo. Concordas?
J.F.V. - Sim, a fotografia é
a memória de um tempo que passou e está a passar. É onde guardamos
os sonhos que realizamos e que ficaram por cumprir. Normalmente
guardamos as fotografias em caixas, como as cartas,
as cartas lêem-se, as fotografias tocam-se; as cartas
cheiram-se, as fotografias beijam-se. A fotografia é a memória
de um instante, com tudo o que ele tem dentro, o espaço, a
estação do tempo e dos afectos. Para nós ocidentais o tempo
mede-se como passado, presente e futuro. Para os orientais
o futuro está atrás de nós porque ainda não o conhecemos,
o presente no meio, e o passado á nossa frente porque o vemos
como uma fotografia. No entanto há momentos em que os abismos
são tão grandes que não se fotografa com a máquina, mas sim
com o cérebro que tem uma linha directa para o coração, para
uma caixa exclusivamente nossa a que ninguém tem acesso. É
aí que reside o melhor álbum de imagens.
Falas de um aspecto que me interessa
muito e que reenvia para a tensão que se apresenta nas tuas
fotografias: a nostalgia ou, se quiseres, a aura do amor.
Não te sentes limitado nessa apreensão dos sentimentos, na
apreensão da vida subjectiva e interior?
Nada. Cada vez mais me interessa as questões da alma, os tempos de ausência,
a humanidade que se perdeu face á tecnologia do nosso tempo.
Quero fotografar nas pessoas, nos objectos e no espaço, o
seu olhar. Não o que vemos, mas o que não nos mostram. Escavar
o seu interior até chegar ao coração, ao seu abismo, nesse
sítio terei o meu retrato.
A cada momento, é a vida que nos
olha, do interior das tuas fotografias. A vida, no que ela
tem de sublime e desamparado. É por essa razão que é tão importante
fotografar pessoas?
E não só, os objectos também revelam a vida das pessoas. No entanto os objectos
não tem olhos, e não à nada como os olhos de uma pessoa, ou
de um animal. Os olhos são a porta da alma e do coração, por
isso antes de fazer um retrato procuro os olhos e o que eles
já viram, seja de uma pessoa ou de um animal. Digo-te isto,
porque no projecto que estou actualmente a trabalhar, fotografei
aves mortas, e também procurei o seu olhar, um olhar de suspensão
e nada violento, fiquei comovido com a vida na morte dos seus
olhos. Os olhos são vida. A vida são pessoas, animais e a
natureza que nos rodeia. As pessoas, animais e natureza são
o universo. O universo são estrelas, buracos negros e planetas.
As estrelas, buracos negros e planetas são olhos. Tudo começa
nos olhos e no olhar.
Como é trabalhar em parceria?
Nunca te sentes incomodado no papel de ilustrador?
Eu gosto muito. É uma partilha e não uma ilustração. Só me enriquece trabalhar
com outras pessoas, mas o meu universo é meu, e solitário.
Nas exposições estou sozinho e a tendência é trabalhar menos
em parceria e mais com os mundos do meu espaço. Começar a
confrontar-me comigo e com o que me rodeia.
O que estás a fazer agora? Que projectos tens entre mãos?
E parcerias?
Estou a fazer um livro sobre o Alentejo, onde fotografo a vida e a morte.
As pessoas estão vivas e os animais mortos. Faço colagens
entre objectos e animais. Fotografo a natureza no seu lado
doce e amargo. Em parceria estou a fazer um livro com o escritor
João de Melo, 10 imagens para 20 contos. Iniciei agora um
trabalho com um músico, uma narrativa visual em que a musica
tem o papel da palavra. Vamos a ver como corre.
Sei que tens exposto, não só em Portugal
como fora do país. Qual a percepção que os outros têm da nossa
fotografia? E que projectos tens para fora?
A relação é boa, os outros países estão interessados nos trabalhos de fotógrafos
portugueses, no entanto somos um país pequeno e de alguma
maneira periférico, ou seja fora do centro das movimentações
artísticas. Falta muito para darmos o grande salto. Tenho
uma exposição a pensar e organizar no Brasil, e a entrada
no mercado inglês. Uma colectiva em Portugal, Espanha e Canadá.
O que achas que faz falta no universo da fotografia, em
Portugal?
Muita coisa, essencialmente gente que perceba de fotografia.
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Em 1987, integra exposição colectiva no Instituto Superior
de Agronomia, em Lisboa.
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Em 1989, apresenta exposição individual na Fotogaleria 12A,
em Lisboa.
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Em 1991, integra exposição colectiva na Feira Internacional
de Lisboa.
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Em 1997, integra exposição colectiva na Librairie Française,
em Lisboa.
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Em Outubro de 1997, apresenta exposição individual «Casas
de Escritores», na Literaturhaus, em Frankfurt, na Alemanha.
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Em Novembro de 1998, por ocasião da cerimónia de entrega do
Prémio Nobel da Literatura 1998 ao escritor português José
Saramago, apresenta exposição individual «José Saramago, Uma
Voz Contra o Silêncio», no Grande Hotel de Estocolmo, na Suécia.
As imagens que compõem a referida exposição integram igualmente
um diaporama, exibido nesta data, no mesmo espaço.
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Em Julho de 2000, apresenta, nos espaços de exposições da
Fnac Colombo (Lisboa) e da Fnac Gaia Shopping (Porto), uma
mostra individual das fotografias incluídas no livro O
Fanático do Sushi, assinado com Domingos Amaral.
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Em Janeiro de 2001, apresenta, na Bedeteca de Lisboa, a exposição
Ilustradores, Ilustrados, composta por 25 retratos
de ilustradores portugueses. A mesma exposição será apresentada,
em Outubro de 2001 na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto,
em Fevereiro de 2002 no Museu Municipal de Estremoz e em Abril
de 2002 no Cine-teatro de Palmela.
.Em
Fevereiro de 2001, participa na colectiva de fotografia Cem
Imagens, Cem Legendas, no Museu de Arte Contemporânea,
Fundação de Serralves. A exposição será exibida, em Setembro
de 2001, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
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Em Setembro de 2001, integra a iniciativa TagHeuer AlterEgo,
de que resulta uma exposição colectiva, patente em Setembro
de 2001 na Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa.
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Em Abril de 2002 expõe no Convento de Montemor / Centro Coreográfico
Montemor-o-Novo Rui Horta.
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Em Outubro de 2002 expõe e é co-autor, com a Arq. Luisa Pacheco
Marques, do Pavilhão de Portugal na Liber 2002, em Barcelona
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Em Abril de 2003 expõe Pessoa em Durban - Fotografia e
Video na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.
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Em Abril de 2004 expõe Pessoa Revisited, no Irish Writers
Centre, Dublin, Irlanda.
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Em Dezembro de 2004 expõe Pessoa and Co. - instalação,
fotografia e vídeo. Yapi Kredi, Istambul, Turquia.
EDIÇÃO
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Em 1991, assina, como co-autor, com Ana Cristina Leite, o
álbum ilustrado Pátios de Lisboa (Gradiva).
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Em 1991, ilustra fotograficamento o livro Conversas à Quinta-Feira
(Círculo de Leitores).
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Em 1992, ilustra fotograficamente o álbum
Aeroporto de Lisboa 1942/1992 (Edições Inapa).
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Em 1995, assina, como co-autor, com Regina Louro, o álbum
Faróis de Portugal (Círculo de Leitores).
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Em 1995, ilustra fotograficamente o livro de poesia Debaixo
do Azul Sob o Vulcão, do poeta José Agostinho Baptista
(ed. de autor).
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Em 1997, assina, como co-autor, com Paula Ribeiro, o álbum
ilustrado Casas D'Escritas (Círculo de Leitores / Temas
& Debates).
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Em 1998, ilustra fotograficamente o álbum José Saramago,
Uma Voz Contra o Silêncio (Caminho).
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Em 2000, assina, como co-autor, com Eduardo Barreto (texto),
o livro Anita's Diary (Requiem Productions, London),
a partir da adaptação teatral do texto dramatúrgico Nunca
Nada de Ninguém, de Luísa Costa Gomes.
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Em 2000, ilustra o romance O Fanático do Sushi, de
Domingos Amaral (Editorial Notícias), a partir do folhetim
homónimo publicado, durante o ano de 1999, no jornal O
Independente.
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Em 2001, participa na obra colectiva AlterEgo, editada pela
TagHeuer.
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Em 2001, assina como co-autor, com Mário Ventura, a obra «A
Geografia do Fatalismo», com edição, pela Editorial Notícias.
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Em 2002, «A Casa dos Livros» álbum fotográfico, edição IPLB/Fundação
Círculo de Leitores.
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Em 2003, «Atlântico» romance fotográfico, em co-autoria com
Pedro Rosa Mendes, edição Temas e Debates.
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Em 2004, «O Livro das Conversões», em co-autoria com Clara
Pinto Correira. Ed. Círculo de Leitores.
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Em 2004 - Jarros, Antúrios e outros Sentidos, Egoísta
e Casino do Estoril.
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