ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

ELOGIO DA PUNHETA
(Para Glauco Mattoso e Omar Khouri, mestres em sarro)

Sabião Bestunes



(Tractatus Logico-Philosophicus sobre o exercício da imaginação criadora & sua influência positiva ((ou negativa)) sobre a reprodução sexuada* da espécie Homo sapiens)


* A reprodução assexuada da espécie é observada toda vez que, por acaso, descuido ou uso inadequado do calendário gregoriano, um casal de inclames (indivíduos de classe média), após a cópula semanal, produz um embrião daquilo que virá a ser, com o revolver dos meses, dos talões de cheques, dos cartões de crédito e das rodas dos carrinhos de compras nos superhipermegalomercados, um novo - oh, céus! que terrível & desagradabilíssimo evento! -, um novo criclame (criança de classe média). Não trataremos aqui desses vermes, exceto en passant.



SUMÁRIO GENERAL

0 - Introdução general

1 - A punheta-em-si: descobrimento, descoberta ou invenção?

1.1 - A punheta como descobrimento
1.1.1 - O caso do botão
1.1.2 - O caso da barata na sopa
1.1.3 - O caso do cadáver ainda quente

1.2 - A punheta como descoberta
1.2.1 - Tirar os restos de roupa de um cadáver ainda quente
1.2.2 - Tirar a carapaça de um cágado
1.2.3 - Tirar a casca de uma ferida semicicatrizada

1.3 - A punheta como invenção
1.3.1 - Encontrando um osso o cachorro
1.3.2 - Fumando um automóvel o macaco
1.3.3 - Rebolando a bunda a formiga

2 - Características gramaticais da punheta

2.1 - Do gênero
2.2 - Do número
2.3 - Do grau

3 - Entrevista à Revista das Gentes Peladas, por Sebunes Nastião

4 - Das posições ecumênicas

4.1 - Deitado em colchão
4.2 - Deitado em colchão com reguinho no sítio adequado
4.3 - Deitado com buraco no travesseiro
4.4 - Sentado no vaso
4.5 - Com pulseira dourada enrolada no pau
4.6 - Variantes, derivações e desvarios

5 - Conclusões preliminares: da imaginação criadora
6 - Conclusões finais: da imaginação redundante
7 - Epílogo: da superioridade da punheta sobre as demais artes liberais


0 - INTRODUÇÃO GENERAL


A maior criação da humanidade, em todos os tempos, foi a punheta.

Esta afirmação é, naturalmente, tão profunda e polêmica quanto a de Camus, ao abrir Le Mythe de Sisyphe com a frase "Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio". Ou a de John Kennedy quando, tendo a cabeça despedaçada por um balaço, e quando uma golfada de sangue lhe saltou pela boca aberta, e quando Jackie lhe perguntou se estava se sentindo bem, arregalou os olhos e respondeu, com clareza, nobreza e concisão: "No". Ou a de Ivan Karamazov (Dostoievski, Os Irmãos Karamazov), declarando que "Se Deus não existe, tudo é permitido". Ou a de John Lennon quando, tendo os pulmões atravessados por um balaço, e quando uma golfada de sangue lhe saltou pela boca aberta, e quando Yoko lhe perguntou se estava se sentindo bem, sorriu debilmente e sussurrou: "Maybe".

Como em todos os grandes momentos do pensamento humano, logo após a eclosão de qualquer idéia inesperada, grandiosa ou extraordinária, ocorre a reação dos pobres de espírito. E ocorre até a reação dos mais ou menos bem dotados, mas incapazes de atingirem as culminâncias absolutas do pensamento. Foi o que aconteceu com Darwin (que relutou muito antes de divulgar suas notas de viagem de dois anos a bordo do Beagle, com os inevitáveis desdobramentos, por temer a empalação**) e Freud (que viu amigos, epígonos e colaboradores se tornarem inimigos, rivais e detratores*** da noite para o dia), para ficarmos apenas nos campos da biologia e da psicologia, que são também os que enformam e sustentam nosso modesto, embora fundamentalíssimo, ensaio sobre a punheta.

Durante longos anos nos preparamos para divulgar este trabalho, impedidos no entanto por toda a sorte de circunstâncias, desde a produção de poesia - que felizmente abandonamos antes de ficarmos loucos -, até a criação de outras formas de arte, como ficção, paródia, ensaio, pastiche, e até ensaio-paródia-pastiche e pastiche-ficção-paródia. Chegou porém o momento em que é inadiável divulgar a idéia de que, por mais que a humanidade esperneie ou esprema os miolos, jamais produzirá algo tão grandioso, tão sublime e tão relevante quanto a punheta. A humilde, simplória e até mesmo desprezada punheta. Que alguns débeis-a-menos, ou decibéis-a-mais, costumam chamar, pejorativamente, de masturbação, como se esta última palavra fosse, por uma conjunção de acasos fonéticos, mais nobre, elegante e sonorosa do que a nobre, elegante e sonorosa "punheta".

Mas um ensaio se desenvolve com lógica rigorosa, argumentos sólidos, e não com palavreado oco. E o primeiro problema a resolver está diante de nós, boquiaberto e boquirroto: a punheta foi um descobrimento, uma descoberta ou uma invenção?

** Empalar é espetar qualquer incerto indivíduo pelo cu na ponta de uma estaca afiada, feita de pau bem duro, geralmente ensebada, para que tal indivíduo escorregue com macieza e presteza. Muito usada como castigo em tempos pretéritos, a empalação tornou-se um dos arquétipos fundantes dos tempos modernos, desde Lutero, sofrendo fulgurante insight quando cagava na torre solitária de um castelo idem, o que propiciou, em seguida ao duplo fluxo (um a descer e outro a subir), a fortalecença da burguesia e o desenvolvimento simultâneo do protestantismo e do capitalismo (cf. Norman Brown, Life Against Death). Nos dias de hoje, quem não adquire esperteza, agressividade e maucaratismo suficientes para trepar nas grimpas do poder sem escorregar é, inevitavelmente, empalado.

*** "Falou e escreveu tanta besteira que tinha mesmo é que morrer de câncer na boca", murmuravam nas entrelinhas Jung, Klein, Adler, Rank, Reich, Lacan, Brown, Fromm e Freud (Anna).


1 - A PUNHETA-EM-SI: DESCOBRIMENTO, DESCOBERTA OU INVENÇÃO?


Todos os gramáticos estabelecem que o conceito descobrimento encobre, na verdade, duas hipóteses, ou duas idéias-metade. A primeira metade é a que se refere ao ato voluntário ou involuntário de encontrar alguma coisa em algum lugar: um botão na rua, uma barata na sopa, ou mesmo o cadáver ainda quente de uma mulher belíssima, suavemente contorcida e totalmente semidespida (naquela semidespidez total que fez a glória do cinema francês ((e criou multidões de cinéfilos-punheteiros ou punheteiros-cinéfilos, tanto faz)) e a tragédia do cinema brasileiro ((que criou a trepada me-come-senão-te-enrabo, a transa mas-essa-calça-sai-ou-não-sai? e ainda a semipornô vê-se-esse-pau-levanta-que-o-rolo-tá-acabando!))) num lote vago. A segunda metade é a que faz do descobrimento o ato de tirar a cobertura de alguma coisa. Chama-se então descoberta. Por exemplo, tirar os restos de roupa de um cadáver ainda quente, tirar a carapaça de um cágado ou tirar a casca de uma ferida semicicatrizada. A terceira metade, invenção, que se mete onde não cabe nem foi chamada, é a que transforma o ato de descobrir em ato de inventar, o único de tais atos que é humano, demasiado humano (cf. Nietzsche, O Deserdado da Fortuna). Pois se um cachorro encontra um osso, não inventa a sopa de tutano; se um macaco fuma automóvel ou dirige cigarro, não constrói cigarros ou enrola automóveis; se uma formiga dança rebolando a bunda, não paga para rebolar a bunda numa escola de samba carioca de reboladores de bunda. Veremos, em seguida, exemplos clássicos de todos os referidos acasos.


1.1 - A PUNHETA COMO DESCOBRIMENTO

1.1.1 - O CASO DO BOTÃO****


Vai-se andando de mãos nos bolsos, assobiando o mais recente sucesso do mais recente canastrão da moda, olha-se para o chão, e lá está ele, nos olhando por sua vez: o botão, com seus vários olhinhos buracosos. Temos, nesse momento, duas alternativas: apanhar o botão e enfiá-lo no bolso, ou seguir em frente, fazendo de conta que nada vimos.

Se apanhamos o botão, é seguramente porque nos falta algum deles em alguma de nossas roupas, ou seja: somos personagens de tempos antigos, quando os botões eram raros e caros. Soldados romanos, digamos, precisando de um botão para abotoar o quejando; ou filósofos de mosteiros medievais, necessitados de um botão pra esconder o vivíssimo de cujus, que teima em miramirar o que não deve ser miramirado: a bunda do gordo irmão-cozinheiro, por exemplo. E, quase com virtual certeza, falta um botão igual ou parecido com o encontrado. Trata-se, naturalmente, de espantoso acaso, do tipo improvável mas não impossível. Existe ainda a vaga impossibilidade de que sejamos um moderno colecionador de botões ou até um apanhador compulsivo. Ou, finalmente, que tenhamos confundido o botão com uma moeda. Neste acaso, no entanto, é preciso considerar outras hipóteses: a de que sejamos um mendigo esfomeado enganado pelo rebrilho do botão ou um míope ofuscado pelo estribrilho de uma quimera. De qualquer forma, e como nada disso é relevante para o nosso ensaio, vamos deixar em suspenso esta pesquisa botônica e passar ao segundo exemplo da primeira hipótese.

**** Estamos falando, naturalmente, do tempo em que os botões eram reais e de ouro maciço. Ou seja: do tempo em que só reis tinham botões. Mas pode-se admitir, naturalmente, que também estejamos falando dos dias correntes, em que todos têm botões, simbólicos, alegóricos, eróticos ou sintéticos.


1.1.2 - O CASO DA BARATA NA SOPA


Pequeno funcionário de classe média (ou peqfun inclame, como referido doravante) numa empresa funerária estabelecida nas vizinhanças do Hospital General Nacional, que é de onde os cadáveres mais depressamente são rateados entre os papa-defuntos, safamo-nos exatamente ao meio-dia para o almoço, dispostos a gozar pacificamente esse abençoado oásis de lazer, entre um morto muxibento e um falecido fedorento. Safamo-nos e sentamo-nos. Numa cadeira, é claro. De um selfisérvice, é lógico. Mas, de repente, lembramo-nos de duas coisas: a) selfisérvice não tem garção; b) nem sopa. De modo que mudamos nosso emprego para o de generente de banco multi, e nosso almoço para um restaurante chinês, onde pedimos sopa de barbatana de tubarão, que custa, naturalmente, as tubas. Ou alguém imagina que os tubarões se deixam bigodear por um centavo de prosa ou uma migalha de amor? Prosa de lampreia, é claro; amor de baleia, é lógico, daquelas baleias bem rabudas? Nécaras. Os coletores de barbatanas de tubarão têm de ser muito ladinos e usar de muito tato, devendo inclusive ter curso superior de antropologia, ou não usariam o termo coletar. Pois bem. Sentados, de guardanapo ao colo, olhamos para os lados verificando se alguém nos verifica: não, ninguém nos verifica. Chega a sopa de bar-de-tub, uma papa ridícula, que tanto pode ser caldo-de-pé-de-frango engrossado com polvilho azedo da vovó como restos da rabada-com-agrião-sem-agrião de ontem. Mas chega, seja o que for. E como somos profundos conhecedores de sopa de barbatana de tubarão, provamos. E gostamos. No que gostamos, ouvimos, com todos os ouvidos, o interior, o exterior e o místico, o tímido rumorejo do suave impacto de dois dentes contra uma terceira coisa. Alguma coisa capaz de produzir ruídos assim como crééck, ou crúúnxi, ou próócti. Alguma coisa, enfim, menos dura que um osso embora mais dura que uma pasta, ou seja: da duricidade da cartilagem, de que são feitas, como sabemos, as barbatanas de tubarão. Com a ponta da língua, tateamos a subtil iguaria. Sim, senhores, e sorrimos para os lados, embora ninguém nos verifique, como já verificamos: uma verdadeira sopa de barbatana de tubarão deve conter, com certeza certíssima, pedaços, ainda que minúsculos, de barbatana de tubarão. E assim, famintos e orgulhosos de nossa escolha, devoramos com elegância e compunção a sopa de barbatana de tubarão. Até que nada resta no fundo do prato fundo de sopa. Mentimos: resta alguma coisa. Sim, resta. E nos olha, com melancolia e desgosto.


1.1.3 - O CASO DO CADÁVER AINDA QUENTE

Houve um dia em que, tendo despertado mais cedo do que a hora costumeira e diuturna, você decidiu ir a pé para o trabalho, na tal funerária referida acima, e antes que fosse promovido a generente de multi. Banhado, barbeado, comido e bebido, lá vai você. Se não houvesse lote vago ao lado de seu prédio de apês, nada aconteceria. Mas existe um, apenas um. Exatamente o lote onde os cachorros trepam e viram latas de lixo, os gatos trepam e viram latas de lixo, os mendigos trepam e viram latas de lixo. Há muitas latas de lixo viradas, porém nenhum cachorro, gato ou mendigo.

No entanto, há qualquer coisa de estranho no lote. Uma suave emanação do Ser Supremo, depositada no dorso aculeiforme de uma gramínea? Uma gotícula do Eternal Perfume jazendo, milagrosamente, na haste finíssima de uma arácea? Uma carteira de couro recheada de dólares? Um quilo de cocaína pura?

Não. Apenas um cadáver.

Mas como deduz você que se trata de um cadáver? Não decerto por intuição, já que você não é detetive, coisa que nem existe por aqui, onde o que se chama de detetive são cidadãos-fodidos-e-mal-pagos, ocupados em perseguir outros cidadãos mais fodidos e ainda piormente-mal-pagos.

Você sabe, soberbo achado!, porque viu um belíssimo pé luzindo ao sol, depois uma belíssima perna luzindo idem, depois uma belíssima etc., até chegar a um rosto igualmente belíssimo, a um corpo idem - e muitos e muitos idens. Você coça a cabeça, vira para a direita e para a esquerda, torce o pescoço para trás, então se descontrai, e olha. Olhai, crianças! Jamais vereis um país como este! Auriverde pendão da minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança. Alma minha gentil que te partiste. Sem dúvida você é um poeta. E um tarado, porque seus olhos buscam, imediatamente, abarcar o Todo, o Absoluto, o Inefável, o Uno. Mas, além de poeta e tarado, você é também vidente. E logo enxerga, quase simultaneamente, as pernas, as coxas, a xisxota, os peitos, as costas, as bundas e, lá dentro delas, bem no miolinho, os cus. Enxerga virtualmente, é claro, pois só um cubista que nem Picasso ou Braque conseguiria enxergar, ao mesmo tempo, a buceta e a nuca, os peitos e as bundas. E sabe como eles conseguiam? Muito simples. Botavam a modelo em pé e de costas e, desprezando o que viam, imaginavam que ela estava de frente e plantando bananeira. Ou mais prosaicamente, quando cansados de imaginar, botavam ela de costas mas de frente para um espelho, de modo que ela estava de frente para eles e também de costas. Então pegavam os pincéis e as espátulas, pincelavam e espatulavam, olhando ora o espelho ora a modelo, e no final tinham, totalizado, o alto e o baixo, o superior e o inferior, a frente e as costas, o vice e o versa. Tomavam uma? Sei lá. Cheiravam um? Sei lá. Enrolavam um? Sei lá. Sei-o pouquíssimo, ou até menos.

Pois bem. Você, peqfun inclame*****, está boquiaberto diante do cadáver totalmente semidespido. Como degustador de teledejavisor, tenta se lembrar do que é que faria seu ator preferido se encontrasse sua atriz preferida morta e estendida, perdida e achada, num lote vago. Trepar? Nem pensar! Mas eis que ela está, que nem Inês, rainha depois de morta******, fresquinha, quentinha, cheirosinha, toda gostosinha, de modo que você, que nem ao menos sabia que era tarado-necrófilo (ou necrófago-tarado), vai lá e.

***** Que significa, conforme combinado léguas atrás, "pequeno funcionário inclame".

****** Essa tal Inês era amante do príncipe dão Pedro, de Portugal, vivendo ambos no século XIV. O pai dele, que era muito religioso, mandou matar a tal de Inês, pois lhe parecia abominável, como católico e rei, ter por herdeiro um pecador amancebado. Morta Inês, e bem morta, morre também o rei, subindo ao trono o tal dão Pedro que, imediatamente, prende os dois matadores da tal de Inês e manda que lhes arranquem os corações. Enquanto vivos, é claro. Ao primeiro deles, um tal de Pêro Coelho, mandou arrancar o coração pela frente; ao segundo, um tal de Álvaro Gonçalves, mandou arrancar o coração pelas costas. Depois disso, o povo, puxa-saco como sempre, passou a chamá-lo de Pedro, o Justiceiro. Todos ficaram famosos e históricos, uma porque foi amada, outro porque foi justiceiro, e ainda os outros dois, menos felizes decerto, porque tiveram arrancados os corações enquanto vivos. Nenhum sobreviveu à fama, tirada a qual não resisto, embora tirada, e ao ponto, milhares de vezes por escritores de somenos e até de somais.


1.2 - A PUNHETA COM DESCOBERTA

1.2.1 - TIRAR OS RESTOS DE ROUPA DE UM CADÁVER AINDA QUENTE

Pois bem. Você, peqfun inclame, está boquiaberto diante do cadáver totalmente semidespido. Como deleitador de teledejavisor, tenta se lembrar do que é que faria seu ator preferido se encontrasse sua atriz preferida morta e estendida, perdida e achada, num lote vago. Trepar? Nem pensar! Mas eis que ela está, que nem Inês, rainha depois de morta, fresquinha, quentinha, cheirosinha, toda gostosinha, de modo que você, que nem ao menos sabia que era tarado, vai lá e começa a tirar os restos de roupa dela. Muita roupa? Nem tanto. Ela está sem sapatos, sem meias, sem calcinha, sem sutiã, sem vestido ou calça comprida, sem blusa e sem malícia. Mas se ela não tem nada, o que é que ela tem? Tem um parangolé legítimo amarrado no tornozelo direito, que sobe como cobra indiana pelas pernas e vai se enroscar bem lá no, na, ni. Um parangolé daqueles inventados pelo artista-arteiro Hélio Oiticica, bem antes de tentar segurar um guarda-parangolés cheio de parangolés com a testa e não conseguir.*******

******* Não tendo conseguido, desabou-se-lhe o guarda-parangolés cheio de parangolés em cima. Três dias e três noites jazeu ali deitado debaixo do guarda-parangolés, imaginando novos modelos, que não podia desenhar porque estava - lembra-se? - preso debaixo do guarda-parangolés. Se tivesse sobrevivido, quando saísse de casa verificaria, consternado, que haviam decorrido cinqüenta anos terrestres (o tempo, para nós e até para o finado Einstein, é volubilíssimo, como já vimos ou veremos alhures neste mesmo ensaio), e que os parangolés, sua bela invenção-artística-de-vanguarda-brasiliana, eram agora pura e simplesmente roupas prêt-à-porter de buclames******** e ninclames*********. E morreria de infarto fulminante na hora mesmíssima em que.

******** Buclame: mulher adulta de classe média. De Buceta mais Inclame. Admite a variação Boclame, de Boca mais Inclame, talvez mais poética por mais ambígua.

********* Ninclame: jovenzinha feminina inclame. De Ninfeta mais Inclame.


1.2.2 - TIRAR A CARAPAÇA DE UM CÁGADO

Na Praia dos Inclames, bem ali no centro de Inclamópolis, que são todas as cidades do mundo, você está passeando profusamente, por uma merencória manhã de veranico, com o sol a chacoalhar-lhe os ex-cabelos e o vento a fazer-lhe cócegas nas mucosas murchas, quando tropeça numa pedra. Tropeça mas não cai. Se não cai, não precisa levantar. Irritado, você resolve dar um chutão na pedra, disposto a quebrar os dedos mas a se vingar da pétrea criatura. Nesse ínterim, como escreveria um débil-a-menos, você se lembra daquele pedregoso poema de Pessoa/Caeiro:

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei,
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
(...)
Sei que a pedra é real, e que a planta existe.
Sei isso porque elas existem.
Sei isso porque os meus sentidos me mostram.
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.


Já que, como ficou demonstrado**********, a pedra existe, você dá um chutão nela e a pedra sai saltitando que nem coco vazio pela areia. Coco cinzento. Coco com retangulinhos muito irregulares. Coco que não é coco. Será talvez, vendo melhormente, uma tartaruga das pequetitas, uma filhota meio cambota por força de seu bico de ex-atleta. Mas como o título pede um cágado, você vê que ali em frente jaz um cágado, que são também quelônios de carapaça dura e cabecinha oca. E fica com pena do pobrezinho. Desse modo, condoído, você o recolhe todo trêmulo (quem está trêmulo é ele, o quelônio), as patinhas murchas trêmulas, afaga-lhe a cabecinha careca e enrugada como peru*********** de velho, alisa-lhe as placas do casco duro e recoberto de anêmonas, algas, restos de conchas, farelo de ostras, dejetos marinhos, enfim: cacas do mar, titicas do oceano. E sujíssimas, como toda obra do gênero. De modo que você, com um pedaço de pedra, começa a raspalimpar as placas. Raspalimpa que limparraspa, uma descola. Tomado de frenesi raspalimpante, você raspa-que-limpa-mais. Descola outra. E mais outra. Vai-se a primeira placa descolada, vai-se a segunda, vão-se as demais. Enfim, resta-lhe nas mãos, sem nenhuma placa, um quilo-e-meio de carne palpitante, branquinha e cheirosa, com perninhas trêmulas e cabecinha idem. Pobre cágado! Para salvá-lo do triste destino de passar a noite pelado, tiritando de frio na praia, sujeito a urubus impiedosos e caranguejos vorazes, você o leva ao restaurante mais próximo e encomenda ao maître:

- Uma sopa, por favor.

********** Física e metafisicamente, como queria o próprio Pessoa/Caeiro.

*********** O mesmo que caralho e outras sinonímias apropriadas ao penduricalho.


1.2.3 - TIRAR A CASCA DE UMA FERIDA SEMICICATRIZADA

Bem, chegamos onde temíamos: à ferida. Alcoólatra desde os 10 anos (sua idade atual gira em torno dos 40), você tem uma ferida enorme na perna direita. Uma ferida que mede um palmo de largura por dois palmos de altura e dois dedos de profundidade, de modo que ocupa a perna quase toda, do joelho ao pé. À custa de pomadas antibióticas, confrei e tanchagem, você consegue obter dela alguns favores, como coçar menos, feder menos************ e, até, semicicatrizar-se um pouco de vez em quando. No momento ela está com leve crosta de uns 5 milímetros de matéria marrom-escura, o que pode com algum esforço ser considerado de bom prognóstico, por um médico alcoólatra. Mas, como sabem todos os possuidores de feridas afins, ela coça pra cacete. É o preço da cicatrização, quando os tecidos se contraem puxados pelos anticorpos cicatrizantes, que vão costurando molécula por molécula com linhas neutrinas. Você tem várias alternativas: tomar um sonífero e dormir quarenta dias e quarenta noites. Ou: ir ao hospital e solicitar uma dose de morfina. Ou: ir à esquina e comprar um pouco de cocaína. Ou: fingir que a perna é de outro alcoólatra. Ou: tomar um porre. Ou, finalmente, coçar a ferida, como quem acaricia a cabecinha careca de um cágado ou os cabelos da mulher amada. Qual dessas hipóteses escolher? Um porre, é claro, pensa você. Mas hoje a lua está virada e você decide por coçar-se. Solicita então que a mão direita lhe dê um adjutório, no que ela concorda. Por sua vez, a mão direita manda ofício aos dedos direitos requisitando seus serviços. Embora a contragosto, pois todos os dedos detestam fossar em feridas, nada podem fazer: ofício recebido e lido, obrigação assumida. Pura e simples questão de hierarquia neurológica.

************ O fedor das feridas desse gênero pode ser comparado ao aroma destilado por uma gata recém-parida, no momento em que devora a placenta em que germinou os filhotes recém-nados. Ou ao de uma jaca madura, fruto da jaqueira, a mais fedorenta de todas as frutas, única contribuição do capeta para os pomares do paraíso terreal.


1.3 - A PUNHETA COMO INVENÇÃO

1.3.1 -ENCONTRANDO UM OSSO O CACHORRO

Certo cãozito, de raça e coloração indefinidas, e cujo apelido não convém ao acaso, encontrava-se deambulando por aqui e por ali. De repente, salta-lhe diante dos olhos um osso magnífico. Mal comparando, seria como um fã absolutamente idiota dando de cara com um cantor idiota da moda absolutamente idiota. Encontrado o osso, estaria quase resolvida nossa equação se, de dentro dele, por já um tanto vetusto, não surgisse um verme qualquer (exceto um inclame, é lógico), reclamando-lhe a propriedade que, com alguma propriedade, por usucapião ósseo, reclamava para si. Vão-se ao meretrício deslindar a lide, seguido cada qual pelo seu causídico, pois para isso existem os causídicos: para arengar, parolar, postergar. Chegam, pois, ao meretrício, e deitam a usual falação. Propriedade é um direito, blá, uns têm mais outros menos, blablá, quem tem e quem não tem, blablablá, tempo de posse, tempo de uso, tempo de viver, tempo de sonhar & amar etc. O meretrício cochila. Os causídicos fazem a conta dos 20% para decodificar quanto embolsarão pelos blablablás. O verme cochila. O cãozito, que não cochila, inventa uma saída, baseada na Bíblia Sagrada, com B e S maiúsculos, com preferem os recorrentes crentes:

- E se, arenga ele ao meretrício, que já descochilava. - E se repartíssemos o osso, proporcionalmente aos tamanhos nossos?

Descochilaram também os causídicos. E decidiram lá entre eles o que deveria ser decidido, decisão que não importa a nós, senão a eles. Importa-nos apenas, a nós, aquilo que foi uma verdadeira sugestão-intuitiva-plagiária, a do cãozito: a de partir em algum ponto o ósseo alimento. No entanto, e deve isto ficar bem claro, em tempo algum se soube que uma punheta houvesse sido partida, quando muito interrompida. De modo que fica também claríssimo o que a nós importava esclarecer, conforme foi esclarecido.


1.3.2 - FUMANDO UM AUTOMÓVEL O MACACO

Você, peqfun inclame,************* tendo subido na vida como generente de banco multi, e antes de ser enquadrado numa lei qualquer por extorsão, estelionato, abuso de poder, corrupção ativa & passiva, superfaturamento, fraude, agiotagem e alguns outros itens, acaba de comprar um pequeno carro esporte italiano, que recheia de funcionárias depois do expediente e antes de ir para casa explicar-se à outra-metade-de-sua-cara. Claro que recheia no bom sentido, levando-as a todas, exceto a última, para a casa de cada qual, despedindo-se de qual cada com três beijinhos, pra dar sorte. Pois bem. Safa-se você e safam-se elas da agência alegremente, sorrindo-se entre si e entredentes, rumo ao principal estacionamento central. Em lá chegando, descobrem, e todos ao mesmo tempo, que o pequeno carro esporte italiano não se encontra no box que lhe pertence por direito e por pagamento, pois vá você deixar de pagar a mensalidade pra ver se o box lhe pertence por direito. - Aqui, ó, seu bocó! Vá queixar-se ao bispo, que é o dono-proprietário, por herança episcopal, do central estacionamento principal, dirá o interlocutor ao qual, muito do idiotamente, você foi se queixar.

Pois bem, que fazer? Claro que as garotas caem fora, deixando-o a ver navios, aviões, discos voadores e objetos que tais. As alternativas são: 1) chamar a polícia e sentar pra esperar até dar calo nas duas bandas; 2) perguntar ao diretor-chefe-general do dito estacionamento se sabe onde queixar-se, ao que ele responderá: - "Queixe-se ao bispo, oras!", como acima referido, já que por direito episcopalício etc; 3) Inventar uma história bem convincente pra companhia de seguros, tal como a que se segue:

(Você, diante do diretor-chefe-general-da-companhia-general-de-seguros-nacional:)

- Estava eu dirigindo o carro rumo ao banco, onde sou generente com poderes generais e terei, naturalmente, o máximo prazer em servi-lo a juros módicos, quando no retrovisador da direita me aparece um indivíduo dirigindo um cigarro e fumando um carro. Esbugalho os bugalhos, esfrego-os, reabro-os, e constato que lá está o indivíduo fumando o carro e dirigindo o cigarro. Pelo que percebo, é um cidadão pelado e bastante peludo, com uns beiços proeminentes e olhinhos pequetitos dentro de umas órbitas enormérrimas. Seu crânio projeta-se para trás, como se ventos o levassem. Cabelinho cortado rente, orelhinhas também pequetitas. Vez em quando, leva o carro aos beiços e traga-o profusamente. Ao mesmo tempo, mantém as mãos (peludíssimas, de unhas compridas) grudadas ao volante do cigarro que dirige. De forma que.
Neste ponto de seu veraz e convincente relato, o di-ch-ge-co-ge-se-nal o interrompe:

- Embora não sendo eu semanticista, lingüista ou mesmo pedagogo, me parece que o senhor, por efeito decerto de seus inumeráveis quefazeres, cometeu um pequeno lapsus linguae, com diziam antigamente nos anfiteatros romanos os loquazes. A palavra carro tem cinco letras: 1 c, 1 a, 2 erres e 1 o. Já a palavra cigarro tem sete letras: 1 c, 1 i, 1 g, 1 a, 2 erres e 1 o. Entre elas, portanto, existe uma diferença de duas letras, precisamente 1 i e 1 g. Se, ao objeto que o senhor denomina cigarro forem extraídas duas letras, precisamente 1 i e 1 g, ele passará a se chamar carro. E se ao objeto que o senhor alcunha carro forem intermédias duas letras, 1 i e 1 g, ele passará a se chamar cigarro. E, finalmente, se o senhor se dispuser a usar tais palavras para os objetos contrários aos quais se referiu, não lhe parece, afinal, que seu relato será não só mais primoroso e convincente como até mais coerente?

- Sim, senhor diral, será. Mas e o cidadão pelado e peludo. Que faço com ele?

************* Pequeno funcionário de classe média, se você não se lembra.


1.3.3 - REBOLANDO A BUNDA A FORMIGA

Mas eis senão quando, passando por uma casa de danças etílicas, viu um formigo duas dúzias de tanajuras rebolando as bandas ao som de uma bunda de rumba. Ficou quase instantaneamente de pau duro o formigo. Parou solertíssimo. Trocou de pernas, botou as mãos nas variadas cinturas. De pau duro. Chegou-se para ele um cupim-de-chácara desses bem saradões, porém de pau mole, e lhe disse:

- Vergonha, né, cavalheiro? Aí de mãos nas cinturas e pau duro. Desaperta daí uns quantos dólares e pode entrar. Melhor que punhetar, né?

O formigo, no entanto, extraiu ali mesmo o sem-vergonho e bronhou-se, diante do cupim-de-chácara boquiaberto, o qual, depois de fechar a boca, disse:

- Não acredito no que vejo. Um formigo jovem, saudável, cheio de dólares, prefere uma bronha no meio da rua a encarar uma tanajura rebelando a banda.

Ao que respondeu o formigo:

- Não se trata exatamente do que pensas, caríssimo amigo. Por um lado, tenho verdadeiro pavor a tanajuras, com essas bundas escandalosamente enormérrimas. Farofa, vá lá. Mas transar? Nécaras. Por outro lado, estou aqui na função de co-autor da trama em que foste, por acaso, enredado. Meu papelacho, que talvez não tenhas vindo a saber, não sei por qual motivo, pois não é razoável que a todos os co-autores não se lhes dêem, e por escrito, conta de suas intervenções, meu papelecho, pois, é exatamente este, o de demonstrar que bronhar é melhor que transar. Acrescento, ademais, que aceitei com a máxima satisfação o papelicho que me foi, em boa hora, oferecido. Teria, talvez, vacilado, caso quem dançasse, e como sugere o título deste esquete, fosse uma formiga rebolando a bunda. Mesmo assim, e embora talvez não me acredites, sempre prefiro uma boa bronha a uma boa trepada, como já disseram alhures e não sei quando.

Boquiabriu-se ainda mais o cupim-de-chácara que, depois de boquifechar-se, disse:

- Embora reconheça a inferioridade inata dos cupins diante dos formigos, coisa que não me cabe questionar, sendo como é determinação insondável do Altíssimo, boquiabro-me diante de ti, pois não sei como podes preferir uma boa bronha a uma boa trepada, ainda que eu mesmo reconheça, honestamente, serem as bandas das tanajuras excessivas até para mim, que também só as suporto afarofadas, bem tostadas e, é natural, acompanhadas de pimenta malagueta vermelha ou dedo-de-moça verde. Poderias, acaso, elucidar-me a propósito daquilo que acima referiste?

Muito educadamente, retrucou o formigo:

- Estimado amigo. Sabes, com certeza, apesar de tuas deficiências intelectivas, que reconheço serem determinações inescrutáveis do Altíssimo, sabes, repito, que as transações ao vivo comportam pelo menos dois indivíduos, quando não se tratam de surubas, com número variabilísimo de atores. Fiquemos no pari passu, para simplificar. Ora, tais indivíduos, por serem eles mesmos coisas-em-si, autônomas e autopensantes, têm características que os distinguem uns dos outros. A individualidade é indivisível, como diria um físico. Sendo assim, e quando transacionam pelo sistema convencional do rela-rela, eis que um goza antes do outro, deixando esse outro a ver navios, ou barcos, se preferes. Tem então esse outro de correr empós o primeiro, para ver se o alcança, e a seu gozo, antes que finde. Ou um goza e o outro não, deixando ao primeiro com a cabeça nas nuvens e, ao segundo, com o gozo na mão. Ou nenhum deles goza, ficando ambos num duplo mea culpa miserabilíssimo, de que muito mais freqüentemente resultam dores que prazeres. Enfim, existem muitas e muitas outras situações que poderíamos, com risco de enfadar o leitor e a ti, enumerar. Basta, por ora, que saibas quão insatisfatória é a transação real e ao vivo. Quanto à punheta, não me é necessário circunscrevê-la aqui. Basta que voltes às páginas anteriores, até à primeira, e, em seguida, que prossigas em direção ao fim, se é que não preferes fazer o caminho inverso, ou seja, do fim para o princípio. Em nosso caso, e neste tratado, a ordem dos fatores não altera o produto, como diria um matemático. Creio, portanto, que vos deixo esclarecido, e bem esclarecido, sobre as razões da minha, para ti, inusitada atitude. Vale.

Ao que o cupim-de-chácara, inteiramente boquiaberto, retorquiu:

- Vale.

2 - CARACTERÍSTICAS GRAMATICAIS DA PUNHETA

2.1 - DO GÊNERO

A punheta possui três gêneros: o masculino, o feminino e o neutro. O masculino é quando um punhado de dedos, irritado além do limite suportável, decide estrangular o pobre-coitado-careca-e-cabeludo. Careca no topo e cabeludo na base, é lógico. O feminino é quando um, dois ou três dedos massageiam, amorosamente, a cabecinha-gordinha-da-coisa-em-si. O neutro é quando algum objeto fálico e não-humano (banana, bico-de-garrafa, cenoura, cabo-de-vassoura etc.) penetra no o-de-trás.


2.2 - DO NÚMERO

A punheta possui apenas um número, pois jamais foi sabido que alguém pudesse bater, simultaneamente, duas, três ou cem punhetas.


2.3 - DO GRAU

A punheta é um substantivo concreto-abstrato. Por punheta como substantivo concreto entendemos o ato-em-si, ou seja: a ação iniciada, mediada e finada. Por punheta como substantivo abstrato entendemos não o que se passa no objeto corpóreo que a pratica e no ato de praticá-la, desde a ponta do objeto-em-si até os cabelinhos eriçados da nuca, mas do ponto de vista de um observador colocado a mais de dois e a menos de dez metros de distância, e que, obviamente, não seja míope. Nem esteja em movimento perpétuo, à maneira dos átomos, das galáxias e dos inclames. Em qualquer destes acasos, a punheta é sempre superlativíssima.


3 - ENTREVISTA À REVISTA DAS GENTES PELADAS

Repórter: - Quantas punhetas o senhor já bateu, e quantas mulheres usou?

Sebunes - Impossível responder, meu caro. Quantos milhares, centenares de milhares? Nem eu sei. Entre os 14 e 16 anos, podemos calcular, se você dispuser de uma pequena calculadora. Ponha aí: 365 dias vezes 3 anos, dividido por 2. Deu quanto? 547,5 punhetas? Deve ser isso. Nesses 3 anos iniciais de minha filosofice punhética, impus-me uma regra deliciosa. Punheta dia sim, dia não. Espantoso, não é? A maioria dos meninos bate punheta quando acorda, durante o café, na hora do almoço, de tarde... Mas que falta de graça, não é mesmo? Tem vontade, punheta. Viu uma perna, punheta. Uma mina olha de banda, punheta. Ora, e o espaço da imaginação criadora? E o gosto da espera? E o gesto de alisar o pau? Eu, não. No dia a seco, lembrava saudoso o dia anterior e antegozava maravilhado o dia seguinte. Lembro bem que nos três primeiros meses só tive uma mulher: Xxxx Xxxxxx, uma artista de cinema magra e comprida, de maiô, em foto a cores, numa página inteira da revista X Xxxxxxxx. Dia sim, dia não, durante esses meses de iniciação, eu a possuí (palavrinha meio besta, não é?) com uma paixão avassaladora. Degustando, naturalmente. Deitado na cama, com o res dominus bem duro apertado no colchão (uma de minhas posições preferidas: eu chegava a cavar reguinhos no colchão para encaixar bem o de cujus), ia abrindo devagarinho a revista, começando pelos pezinhos dela, ia subindo pelas pernas... Me lembro que ela estava meio de lado, um pé dobrado contra a perna, o outro estendido para a frente, tocando levemente o chão com a ponta dos dedos. Então eu abria a revista onde sabia que estava a pontinha do pé estendido, ia abrindo a diagonal em direção ao outro pé. Quando chegava lá, na macia planta apoiada na perna, já tinha uma boa visão da parte inferior de seu corpo. Então ia subindo...

Repórter (impaciente): - Sei, sei. Xxxx Xxxxxx foi a primeira. Se não morreu deve estar bem velhinha, um caquinho, uma bruxa, muxiba pura, a julgar pela aparência do senhor. E depois, quem foi a segunda?

Sebunes: - A segunda foi a cantora Xxxxxx Xxxxx, de maiô inteiriço, na praia de Xxxxxxxxxx, encostada num coqueiro e também a cores, na mesma revista X Xxxxxxxx. Tinha umas coxinhas redondas, um dos pés também dobrado contra a perna. Com ela a fidelidade durou menos, mesmo porque era menos gostosa que Xxxx Xxxxxx, mas também inesquecível, como todas as primícias. Mas, veja: as revistas ficaram bem guardadas durante anos, e volta-e-meia eu degustava Xxxx Xxxxxx, saboreava Xxxxxx Xxxxx, num repente de saudosa tesão.

Repórter (meio desanimado): - Que tal a gente passar aos números?

Sebunes: - Pois sim: então foram 3 anos, dos 14 aos 16. Digamos que nos primeiros anos, incluindo Xxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, tenham sido 1.642,5 mulheres, a uma média de 3 mulheres por punheta. Pois, como você certamente sabe, iniciam-se os exercícios preliminares com uma semideusa, no meio da primeira sustentação passa-se para outra, no anteclímax vem uma terceira, afinal no clímax podem sobrepor-se 5, 10 ou mesmo 20 semideusas semidespidas em torvelinho e desalinho, embora às vezes a gente fique monógamo mesmo. Depois dos 16 anos, deixei de lado a regra inicial do dia-sim, dia-não. Adotei a punheta diária e até a dupla punheta diária. Mas como às vezes falhava um dia, coloque aí uma por dia dos 16 aos 28 anos, quando me casei pela primeira vez. São 365 dias versus 13 anos. Se consideramos que minha taxa de fidelidade baixou para uma mulher por semana, divida por 7 (a mola propulsora) e multiplique por 21 (as molas de retenção, contenção, acalanto e repique). Resulta que nesse período de 13 anos transei com 14.234,9 mulheres. Então, da primeira punheta ao primeiro casamento, espalmei cerca de 5.292,5 punhetas e transei com mais ou menos 15.877,4 mulheres. É razoável, portanto, que não me lembre senão das mais gostosas, das que me tesaram mais.

Repórter (tentando esconder a irritação): - E o senhor se lembra de muitas? A essa altura, sua memória não deve ser lá essas coisas.

Sebunes: - Sem dúvida, rapaz, sem dúvida! Não sei se sabe, mas quanto mais os dias se sucedem uns aos outros, como formigas em fila, mais a memória se aviva. É paradoxal, mas qualquer psicólogo de sarjeta pode assinar embaixo isto aí em cima.

Repórter (disfarçando a felicidade extremada): - Infelizmente, a fita acabou e me esqueci, tolamente, de trazer outra. Continuaremos noutro dia, ok?

Sebunes: - Ok. Mas não demore. Tenho quaquilhões de coisas pra racontar sobre tão envolvente, saltitante, espumante e filosófico assunto.


4 - DAS POSIÇÕES ECUMÊNICAS

4.1 - DEITADO EM COLCHÃO

De posse de uma revista de mulher pelada, ou de homem pelado, conforme o caso, e tendo-se antes verificado se os peladões (donas) são adequados à performance desejada, ocupa-se posição paralela ao comprimento do colchão, de barriga para baixo. De barriga para baixo, o performático, é lógico, e não a revista ou o colchão. Isto feito, coloca-se a revista sobre o travesseiro, naturalmente aberta em página previamente marcada. (Parêntese I: pode-se, a critério próprio, marcar mais de uma página. Não há qualquer restrição quanto a isso.) Em seguida, deve-se erguer o pescoço até altura adequada a: 1) ver com inteireza toda a página escolhida; 2) não sofrer câimbras ou dificuldades respiratórias. (Parêntese II: sabe-se de vários casos, especialmente entre japoneses, que amam erguer em demasia o pescoço, de casos, repetimos, de obnubilação visual, pela impossibilidade de que o ar, no momento máximo da performance, alcance prestamente o cérebro, irrigando-o e propiciando imagens ricas em detalhes e mesmo em foco.) Logo após, já começando a antegozar o gozável, verifica-se se o penduricalho se transformou em duricalho. Se ainda não, recomenda-se sacudi-lo à perfeição, como se se tratasse de estrangular um ator de novela de bigodinho escovado. Obtida a duricalhação, mete-se a mão direita (ou esquerda, no caso dos canhotos) entre o calção e o colchão. O restante do processo é auto-explicável por contigüidade dos performáticos, desde que a mão consiga penetrar no escasso espaço entre o colchão e o calção. Não sendo possível, o que ocorre na maioria absoluta das vezes, recomenda-se a variação 4.2.

4.2 - DEITADO EM COLCHÃO COM REGUINHO NO SÍTIO ADEQUADO

Repete-se ipsis litteris o procedimento anterior, com apenas a seguinte variação: antes de deitar-se, cava-se com as próprias mãos, socando-o, um reguinho de 30 cm de comprido por 10 cm de largo no acima referido colchão, direcionado para o travesseiro, e outro reguinho de comprimento que baste para ir da margem direita (ou esquerda) do colchão até o outro reguinho preliminarmente cavado. A largura deste segundo reguinho deve ser adequada à suave intromissão da mão direita (ou esquerda) entre a calça e o penduricalho que deverá, a essa altura, ter-se tornado duricalho. Sucede porém, freqüentemente, tratar-se de colchão excessivamente duro, não permitindo reguinhos cavados à mão, por mais que se soque, ou por mais que se enfatize o socamento. Cavá-los à picareta, pá ou enxada está fora de questão. Deve-se nesse caso, também bastante comum, usar a alternativa 4.3.

4.3 - DEITADO COM BURACO NO TRAVESSEIRO

Deixando os colchões de lado, é conveniente recorrer aos travesseiros, quase sempre bastante macios, exceto os de hospital, cuja dureza é considerada parte integrante da pena reservada ao pecador que o utiliza, dureza esta calculada em proporção direta à gravidade dos pecados cometidos. Mas não nos convém, por agora, tratar de teologia, inclusive por conflitar em certos aspectos, e pelo menos em tempos pretéritos, com a ciência que ora nos ocupa. Fiquemos pois nos travesseiros bastante macios. É indispensável, neste caso, lembrar que os travesseiros são, em quase todos os casos conhecidos, muito inferiores, tanto em comprimento quanto em largura, aos colchões. Os reguinhos, portanto, devem ser cavados em toda a extensão do indivíduo em questão, seja ele de espuma ou de plumas. É preciso ainda considerar que, quanto à altura, os travesseiros conflitam costumeiramente, variando dos magrinhos aos gordinhos. Após rigorosos testes com os vários tipos disponíveis no mercado, foi proposta a padronização dos travesseiros destinados à punheta, quando deverão ter altura máxima de 10 cm, ou o usuário corre o risco de ficar na ridícula posição de, com a mão no duricalho, ver-se de pernas e tronco para o ar, com sérias dificuldades para a obtenção da gratificação a que faz jus após tão extenuante e profícuo labor. Mas, ainda assim, pode o usufrutuário considerar bastante ridícula a posição suspensa, ainda que minimamente, sobre o travesseiro. Somos obrigados nessa eventualidade, e agora de maneira mais radical, a propor o abandono puro e simples de cama, colchões e travesseiros como objetos adequado aos exercícios punhetísticos. Passemos, portanto, a algo mais prosaico, embora não menos validoso, como desenvolvido no item 4.4.

4.4 - SENTADO NO VASO

Trata-se de situação corriqueira, a que estamos sobejamente habituados, por utilizá-lo uma ou mais vezes ao dia. Ao vaso, queremos dizer, quando nele depositamos o troco dos procedimentos físico-químicos conhecidos como refeições. Age-se da seguinte maneira: 1) abre-se a porta do reservado e, lá dentro, se se trata de local público, deve-se trancar a portinhola do reservado menorzinho, incluso no maiorzinho, depois de verificar se alguém não esqueceu, no chão, uma polpuda carteira recheada de dólares. Nessa feliz eventualidade, deve-se escapulir imediatamente e alugar a suíte presidencial do hotel mais caro da cidade, onde é bastante mais confortável a prática da punheta. Não havendo, contudo, carteira ou dólares, deve-se sentar no vaso, como se se fosse proceder à devolução do troco já referido. A repulsa, observada inúmeras vezes pelos usufrutuários contumazes da punheta em relação a essa prática, é devida ao fato de que o penduricalho, gravemente ofendido pelos odores desprendidos anteriormente, em pretéritas devoluções de troco, algumas delas mais demoradas outras menos, algumas mais líquidas outras mais sólidas, se recuse a olhar, altaneiro, para a frente e para o alto, ou seja, a tornar-se duricalho. Para convencê-lo a assumir o papel que lhe é inerente, e pelo qual se tornou eternamente responsável, é conveniente praticar o fetiche relatado no item 4.5.

4.5 - COM PULSEIRA DOURADA ENROLADA NO PAU

Cumpridas as preliminares do item 4.4, e tendo-a trazido no bolso, desenrola-se suavemente uma bela pulseira de ouro fino, cravejada ou não de pedrarias variegadas e, suavemente, deve-se envolver com ela, como se fosse delicado pescoço de agradável jovem, o emurchecido penduricalho. Com massagens enérgicas deve-se tentar soerguê-lo, mesmo que a princípio pareça recusar-se ao soerguimento que lhe é solicitado. Recomenda-se, pois, bastante paciência diante do teimoso bastardo, que às vezes, por pirraça, volubilidade ou simples desfastio, persiste na recusa durante horas e horas, ou mesmo dias e dias. No caso de manter-se ele irredutível por mais de 24 horas ininterruptas, e de acordo com o vasto repositório de experimentações realizadas em todo o mundo por psicólogos e punheteiros notáveis, a melhor solução é mesmo estrangulá-lo sem qualquer piedade, por mais que berre e esperneie, com a mesma pulseira que deveria ter, mas não teve, a oportunidade de assessorá-lo na execução de sua invejada e nobilíssima função. Estrangulado, deve-se deixá-lo entregue à própria sorte, ou seja, dependurado, eternamente, de cabeça para baixo.


4.6 - VARIANTES, DERIVAÇÕES E DESVARIOS

A seguir, e a título de mera sugestão, enumeramos diversas formas usuais de punheta masculina ou feminina (testadas e aprovadas pelo Ministério da Saúde e pelas associações médicas mais respeitadas do país e do mundo). Não há contra-indicações, estando sua prática liberada para todas as idades, sem discriminação de raça, cor, sexo, filiação partidária ou religiosa.

DENTRO DE SAPATO, EM GRAVATA DE SEDA, NO CINEMA, DURANTE O BANHO, EM BOLSO DE BLASER, EM FRENTE AO CAIXA DE SUPERHIPERMERCADO, OUVINDO MÚSICA ERUDITA, PLANTANDO BANANEIRA, DURANTE O COOPER, DIRIGINDO NUMA AUTOESTRADA, MALHANDO, EM BANHEIRO DE AVIÃO DURANTE TURBULÊNCIA, LENDO, NO MOMENTO DE FISGAR UM PEIXE, EM CONCERTO DE ROCK, AO SER ASSALTADO, JOGANDO FUTEBOL, EM FILA DE BANCO, INDO PARA O TRABALHO, FINGINDO TRABALHAR, ALMOÇANDO OU JANTANDO, NO MOMENTO DO INFARTO, DURANTE IMPLANTAÇÃO DE PONTE DE SAFENA, SENDO OPERADO DE CÂNCER, INTERNADO EM UTI, TREPANDO, ESPERANDO VAGA NO INFERNO ETC&TAL.

Como se vê, são infindáveis as variantes à disposição do punhetante. Descrevemos algumas, usando como exemplo o penduricalho masculino, apenas para não encompridar excessivamente este tratado. E não aceitaremos que nos venham questionar sobre possível pleonasmo: embora não seja um penduricalho generoso, nem por isso o órgão gozativo feminino deixa de ser um penduricalhozinho, às vezes mínimo, outras vezes levemente avantajado, e até, em casos raros, é verdade, capaz de causar inveja e despeito aos mais robustos penduricalhos masculinos. Mas, regra general, apoda-se penduricalho única e exclusivamente ao vivíssimo de cujus masculino. Devemos anotar ainda, e antes de passarmos às indispensáveis conclusões, que todas as exemplificações acima são polissexuais, bastando mutatis mutandis, como é de praxe nos tratados científicos mais sérios, mais rigorosos e mais obedientes aos cânones acadêmicos, nos quais nos permitimos, modestamente, inserir.

5 - CONCLUSÕES PRELIMINARES: DA IMAGINAÇÃO CRIADORA

De modo general, e deixando para colegas mais eruditos os indispensáveis e revolucionários desenvolvimentos deste ensaio, podemos concluir que a punheta foi, ao mesmo tempo, descoberta, descobrimento e invenção, reunidos os três fenômenos em uma única e extraordinária explosão de imaginação criadora.

Dizemos que foi "uma extraordinária explosão de imaginação criadora" porque, incerto dia, estando em falta de indivíduo fêmea de sua espécie, e mesmo de substitutos usualmente considerados como satisfatórios, como galinhas, cabras, vacas e macacas-de-bunda-vermelha, desconhecido Homo sapiens passou a esfregar o que lhe coçava. Coça que coça, sentiu prazer inefável nesse coçamento. Matutou. Espremeu uma espinha que lhe crescia no nariz. Olhou em seu entorno: viu árvores, nuvens, insetos voando bestamente para cá, para lá, para acolá. Considerou se o prazer que sentia, coçando o que se lhe coçava, seria idêntico ao que obteria coçando árvores, nuvens ou insetos voadores. Concluiu que não, não seria. Como era, e para sorte general de todos nós, espírito científico apuradíssimo, coçou-se um pouco mais, o que lhe aumentou o prazer e, ao mesmo tempo, o animus coçandi. Deduziu daí a Primeira Lei da Punhetística General, que formulou assim:

"O prazer de coçar o coçável é diretamente proporcional à freneticidade do coçamento e inversamente proporcional à distância do que se coça."

Magnífico! É espantoso que lei tão extraordinária, e de alcance tão general, tenha sido formulada antes mesmo de concluída a pesquisa! Só mesmo uma inteligência privilegiadíssima! Aliás, como sabemos hoje em dia, Einstein e Planck, um tanto invejosos do rigor e também da inabalabilidade da Primeira Lei, tentaram por todas as formas refutá-la. Só desistiram do esforço, apesar de se coçarem um ao outro freneticamente e em todas as posições imagináveis, quando deixaram o ginásio, ou o primeiro grau, ou coisa que o valha, lá pelos 14 anos, passando a tratar de problemas mais simples de física elementar, como sabem todos e, por isso, nos dispensamos de repisar.

Pois bem, continuando suas rigorosas pesquisas genitais, por aceleração do coçar-se, o cientificíssimo Homo sapiens logo deduziu a Segunda Lei General:

"O prazer do coçamento está indissoluvelmente ligado ao próprio corpo de quem se compraz em coçar-se."

Foi essa Segunda Lei que Einstein e Planck conseguiram, sabiamente, reformular, acrescentando-lhe um corolário general:

"O prazer de coçar outro corpo, que não o próprio, é um prazer virtual e tanto maior quando mais próximos se encontrem os corpos que se coçam."

Com isso, queriam dizer que coçar uma árvore próxima é mais prazeroso do que, por exemplo, coçar uma nuvem. Ou que coçar o colega ao lado é também mais prazeroso que coçar um inseto voejante. Foi um acréscimo notável, sem dúvida, e importantíssimo, à Segunda Lei.

Em seguida, nosso Homo sapiens acelerou ainda mais o coçamento, uma vez que lhe crescia cada vez mais o penduricalho (já então transformado em duricalho), ao mesmo tempo que se lhe ampliava o animus coçandi. E tanto o acelerou, ao coçamento, que chegou afinal ao clímax, ao êxtase e - até poderíamos acrescentar, sem que nos acusem de exagero - ao satori, ao nirvana, ao insight primevo. Bom. Nesse ponto, saciado e relaxado, o cientista notável espremeu uma segunda espinha no nariz, enquanto pensava. E tanto pensou que a noite desceu, com suas características próprias, entre elas o brilho distante das estrelas, o sono, a falta do que fazer e o medo do escuro. Fitando longamente as estrelas, o gênio criador da punhetística formulou a Terceira e última Lei General, que é descrita assim:

"O clímax do coçamento, ao ser atingido, alcança densidade sempre igual ou superior à de uma supernova no momento da explosão, qualquer que seja sua dimensão espacial ou temporal, ou seja, sua existência na tridimensionalidade."

Excepcional formulação! A partir dela, vários conceitos se originaram, como o de "Punheta Supernoiva", "Explosão Punhestética" e "Densidade Espermótica", entre tantos outros, com inegáveis desdobramentos importantes para a teoria e a prática da punheta.

E foi assim que, graças à genialidade de nosso extraordinário e remoto antepassado, nos tornamos conhecedores das características fundamentais que cercam uma boa punheta, isto é: dos fundamentos basilares da punhetística general. Quanto ao fato de ser a punheta invenção, descobrimento ou descoberta, concluiu-se, ao longo dos séculos e de laboriosos trabalhos, que é "um só ato general de imaginação criadora" e também "três-revelações-em-uma-só-persona". Assim, existe hoje o consenso de que é descoberta ************** porque, logo nas preliminares, soergue-se o pelame que recobre o bálano, o que configura claramente um desvelar-se de oculto objeto, até então subposto a uma ou mais camadas superiores ou envolventes. É também descobrimento porque, em algum momento inefável da curiosidade infanto-juvenil, revela-se o oculto entre panos e pêlos, propiciando novas e renovadas pesquisas do inóspito território. E é, finalmente, invenção, porque todos os Homo sapiens, em algum momento de sua vida, inventam a punheta, sendo essa invenção mais comum entre os 12 e os 14 anos, pouco mais ou menos, como demonstraram tantos psicólogos em tantos experimentos, cuja enumeração seria, ademais, tediosa e excessiva.

Cremos, assim, bem concluída esta conclusão sobre a imaginação criadora, mãe de todas as virtudes, inclusive da sublime virtude que ora nos ocupa.

************* Consideramos, para nossa demonstração, apenas indivíduos do sexo masculino, como já referido acima. Para os demais sexos, basta mutatis mutandis.

6 - CONCLUSÕES FINAIS: DA IMAGINAÇÃO REDUNDANTE

Suponhamos, simplificadamente, que a Terra possua 6 bilhões de seres humanos. Desses, 10% superaram os 80 anos, e podem ser descartados do rol dos punheteiros. Outros 30% ainda se acham na fase pré-punheta, ou seja, têm menos de 12 anos. Temos portanto 60% de Homo sapiens em idade punhetal. Assim,

6.000.000.000 x 60 ÷ 100 = 3.600.000.000

Isto é, existem na Terra, atualmente e grosso modo, três bilhões e seiscentos milhões de punheteiros, com todos os direitos e deveres inerentes. Considerando que dos 12 aos 79 anos pratica-se o coçamento numa média*************** de uma vez por semana, temos, então

3.600.000.000 punhetas semanais
25.200.000.000 punhetas mensais e
302.400.000.000 punhetas anuais.

Estes dados corroboram e embasam nossa arrojada afirmação, ao considerarmos a punheta o maior de todos os atos de invenção, descobrimento e descoberta humanos, e não apenas a maior invenção, ou descobrimento, ou descoberta de todos os tempos. A punheta é, até onde podemos supor, a síntese superior da capacidade criadora do Homo sapiens, se não de todos os seres vivos.

Por outro lado, e baseado nas Leis da Punhetística General, ficou solidamente demonstrada sua importância como ato supremo da imaginação criadora. E, finalmente, pela enormidade dos números alcançados em nossa demonstração matemática, fica ainda provado que a punheta é também o mais extraordinário e abundante dos atos criativos, elevando cada Homo sapiens, se não cada um de todos os seres vivos, a Criador Supremo. Neste último acaso, estaria comprovada cientificamente a panspermia, ou seja, a teoria de que a vida, tendo se originado em alguma parte do Universo, expandiu-se através do espaço, levada por meteoros ou poeira cósmica, sendo farta e generosamente existente em inumeráveis planetas intergalácticos, e não apenas egoísmo particular da Terra. Pois seria inadmissível que, como Criador Supremo, O Supremo Punheteiro, que é todos e cada um de nós, limitasse sua atuação ao mesquinho, desprezível e ridículo planeta Terra.

Em resumo - e deixemos essa tarefa para sábios mais atilados que nós -, seria importantíssimo determinar a psicologia, a química, a estética e a ética da punheta, de modo que pudéssemos legar aos pósteros uma análise profunda do maior e mais constante de todos os atos do Homo sapiens, desde que, pequeno, torto, desengonçado e cabeludo, começou a trilhar o áspero caminho descendente que o levaria, por involução específica e general, à inclamidade. O que é, por contraste com a punheta, lamentabilíssimo.

*************** Essa média foi determinada a partir da Constante de Huxley-Wallace, usada originalmente para medir a freqüência de relações sexuais entre os babuínos, que é a seguinte:
MPS = IC ÷ IF (IC - IR) + AEI, onde
MPS = Média Punhetística Semanal
IC = Idade Cronológica
IF = Idade Fisiológica
IC = Imaginação Criadora
IR = Imaginação Redundante
AEI = Anos de Existência Individual

7 - EPÍLOGO: DA SUPERIORIDADE DA PUNHETA SOBRE AS DEMAIS ARTES LIBERAIS

Como atividade individual e, principalmente, solitária, a punheta possui inegável superioridade sobre qualquer outra arte liberal.

A primeira de suas vantagens é poder ser praticada a qualquer hora e em qualquer lugar, exceto em público, devido a preconceitos arraigados e de difícil extinção. Mas esses mesmos preconceitos acrescentam um toque de exotismo e mistério à punheta, dado que cada qual bate punheta à sua maneira, raramente havendo punheta em grupo, sessões de punheta pública ou mesmo exibições de punhetismo para grandes ou pequenos auditórios. Por outro lado, o instrumento principal da punheta é, não só portátil, como incorporado ao corpo do punheteiro, de modo que não há como esquecê-lo em casa, no escritório ou no caixa do superhipermercado. Pela sua portabilidade, é muito mais fácil de usar que instrumentos de outras artes liberais, quase sempre mais avantajados. Na música, por exemplo, usam-se pianos, harpas e órgãos; violões, violinos, violas, violoncelos e contrabaixos; trombones, saxofones, pistões e clarinetas; bumbos, tambores e tímpanos, etc. Os únicos instrumentos que se aproximam de nosso, em tamanho e portabilidade, são a flauta doce soprano e o flautim, este aliás bem assemelhado, exceto pelos materiais de que é confeccionado, e pelo som, um tanto estridente e desagradável, ao contrário da punheta, que é sempre muda.

Não vamos, naturalmente, dissecar cada uma das artes liberais, bastando lembrar que várias outras usam instrumentos bem maiores e de transporte muito mais difícil.
Os escritores modernos, por exemplo, usam computadores que, mesmo se portáteis, sempre precisam de energia elétrica ou bateria, que demandam fios ou carga, tornando inúteis, em sua falta, qualquer esforço produtivo. Já os antigos, aferrados a suas velhas máquinas de escrever ou a penas de pato e ganso, afiadas com estiletes, estão em fase de extinção e nem é preciso mencioná-los. Além disso, até que seus escritos sejam publicados, há uma infinidade de etapas intermediárias, das quais as mais importantes são os editores, que aceitam ou recusam a obra, os revisores, que sempre fazem vista grossa para os erros mais cabeludos, além dos leitores, que compram ou deixam de comprar os livros, podendo ainda ler ou não ler, mesmo tendo comprado, o que torna frustro todo o trabalho anterior. E, para nosso triunfo, nunca aconteceu de uma punheta ter sido recusada, mal revisada ou largada, abandonada e entregue às traças, nas prateleiras.

Teatrólogos e cineastas necessitam de aparatos complicadíssimos, que nem precisamos mencionar, já que todos conhecem - ou ouviram falar - de câmeras, fios, gravadores, gruas, atores, atrizes, contra-regras, subdiretores e, muito especialmente, de toda a parafernália ligada à iluminação, que exige horas de montagem e teste. Isto sem falar em locação, caminhões de transporte, guarda-roupas e, também muito especialmente, de produtores, que entram com a grana e reclamam todo o tempo, dizendo que, a continuar desse jeito, o prejuízo é certo. Ora, jamais se ouvir dizer que punheta desse prejuízo.

E assim por diante, de modo que deixaremos à imaginação criadora dos leitores a tarefa, sem dúvida agradável, de comparar a prática da punheta com a de qualquer outra das artes liberais, tão gritante é sua, dela, punheta, superioridade.

Resta-nos, contudo, argumentar sobre a importância da solitude que cerca a punheta, tornando-a a mais flexível de todas as artes, mas o faremos abreviadamente.

Tomemos, para exemplo, uma bela atriz, ou um belo ator, tanto faz. Como somos do gênero masculino, fiquemos com a bela atriz. Se formos diretores de teatro ou cinema, nos veremos de imediato às voltas com o estrelismo, as birras e pirraças de nossa escolhida para o papel principal. Sem contar com os ciúmes, birras e pirraças das coadjuvantes, insatisfeitas com o segundo plano. Mas passemos aos escritores. Lá estamos nós, o Grande Escritor, diante do computador e da tela levemente azulada, puxando para o cinza. Cadê a inspiração? Em que mundos, em que estrelas se escondeu, embuçada nos céus? Horas e horas de suor e desespero, espremendo os miolos, resultam em meia dúzia de linha mal alinhavadas, exceto se formos, é claro, escritores de telenovelas, crônicas jornalísticas ou livros pra vender em superhipermercados, aos quilos. Mas, mesmo nesse caso, de escritores vendidos aos inclames e ao consumo, como se produzissem tomates ou berinjelas, sempre existe o esforço de escrever ao correr do teclado durante tantas e tantas horas, tomadas ao ócio e às fotos e entrevistas. Em casos extremos, sempre existe o desagradável ato de pagar a outro autor para que nos escreva, ou copidesque, o próximo e notável bestecélere.

Mas voltemos à solitude da prática punhetística. Tudo o que precisamos se resume no instrumento de trabalho e na imaginação criadora. O instrumento já temos, pois está à mão constantemente e em tempo integral, sempre disposto, fiel e de cara boa. Quanto à imaginação criadora, podemos utilizá-la, por exemplo, para retirar da bela atriz o estrelismo, as birras e as pirraças. Vejamos como, no próximo parágrafo.

Instalados numa das posições referidas acima (ver 4 - Das Posições Ecumênicas), fechemos os olhos e imaginemos. No que imaginamos, lá vem ela, a bela atriz. Está um pouco gorda? Nossa imaginação a submete a uma lipoaspiração localizada e, em segundos, ei-la enxutérrima como sempre foi. Está emburrada? Nada nos custa colar-lhe, sobre o rosto, um sorriso meigo e apaixonado, que nos enche de ternura. Sofre de conjuntivite e tem um dos olhos azuis - o direito, digamos - terrivelmente congestionado? Lá está ele, o colírio de nossa imaginação criadora, que, com apenas duas gotas e em somente dois minutos, refaz-lhe a integridade azul celeste do olho direito. Veste-se mal, como dama da alta inclamidade? Não importa. Numa fração de segundos está semidespida, só de calcinha e sutiã, ou mesmo metida numa transparente camisola de seda esvoaçante, acessórios que, lentamente, com os dedos ágeis da imaginação, iremos sublimando de seu corpo. E, como vimos até aqui, ela nada disse, sequer se moveu. Silêncio absoluto, imobilidade total. Tudo o que fez foi ficar lá onde a pusemos desde o início. E, durante toda nossa sublime performance punhetística, nada dirá ou fará, exceto aquilo que lhe pusermos na boca, nos olhos, nas mãos e em todas as demais partes necessárias à perfeita execução da planejada punheta que, com a amável licença de leitores e leitoras, devemos agora finalizar solitariamente, na companhia de nossa bela e apaixonada atriz de olhos azuis, que nos espera sorridente, meiga e amorosa, além de totalmente semidespida.


FINIS



Sabião Bestunes, que é também Sebastião Nunes e outros, publicou Antologia mamaluca e poesia inédita, volumes 1 e 2 (reunião de 11 livros de poesia editados entre 1968 e 1989); Somos todos assassinos (S. Paulo: Editora Altana 2000), História do Brasil - novos ensaios sobre guerrilha cultural e estética de provocaçãm (S. Paulo: Editora Altana 2000) e Decálogo da classe média (Sabará: Dubolso, 1998), os três de ficção satírica, além de Sacanagem pura (Dubolso, 1995), ensaios sacanas sobre publicidade. É, ainda, autor de sete livros de literatura para jovens, pela RHJ 1998), de Belo Horizonte), e pela Dubolsinho (2000), cooperativa constituída por 37 escritores, ilustradores e outros amigos de livros, da qual é generente, almoxarife e faxineiro. Atualmente prepara uma série de "animações desanimadas", para vídeo e cinema, sobre sua poesia intersemiótica.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2005 ]