ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 CLAUDINEI VIEIRA



Brigitte Bardot e Jane Birkin no filme
Don Juan ou Si Don Juan était une femme (Roger Vadim/ 1973)

 

A primeira imagem censurada foi uma foto clássica do século 20, muito conhecida e publicada várias vezes, inclusive no Facebook. Em 1974, durante uma aula de fotografia e erotismo ministrada por Imogen Cunningham, a aluna Judy Dater focaliza a professora junto da modelo nua Twinka Thiebaud. Milhares de definições e interpretações foram feitas a partir desta fotografia, das mais cruas às bizarras, inclusive místicas, o que só prova que ela comporta inúmeras camadas. Prefiro a primeira sensação que  tive: a brincadeira, a ironia, o bom humor tirado do contraste entre as duas mulheres, entre o nu e o recato, entre a liberdade e a contenção. Praticamente um comentário sobre a reação das pessoas em geral ao erotismo.

A segunda imagem que tive censurada na rede social foi a que apresentei para o Dia do Nu, organizado pelo poeta Claudio Daniel: uma cena do filme Don Juan ou Si Don Juan était une femme, com Brigitte Bardot e Jane Birkin, ícones  do cinema e da beleza feminina, deitadas juntas completamente à vontade. Para amenizar o preto-e-branco da imagem original, acrescentei um tom azulado fazendo com que, na minha opinião, a imagem ficasse ainda mais bonita e delicada, suave, sem nenhuma agressividade.

Há dois pontos principais a se tirar dessa “lógica” censora exercida pelo Facebook: um matemático e um social, que refletem não somente as idiossincrasias de um milionário garoto norte-americano,até há pouco tempo virgem, mas igualmente as da sociedade em que vivemos.  E os dois pontos dão medo.

O matemático tem a ver com o desenvolvimento da tecnologia, com o reconhecimento eletrônico de imagens por dados de computador que possibilitam, por exemplo, rapidez e eficiência no reconhecimento de pessoas em documentos oficiais ou a busca de detalhes e melhor organização de arquivos imagéticos. Já é possível fazer uma programação onde se lance um dado específico (imagens de seios ou pênis, por exemplo) e rastrear tudo o que relacione ou se assemelhe. Embora ainda não funcione com toda a potencialidade que se deseja  - principalmente com base de dados tão extensa e pesada como a proporcionada pelos usuários da rede social  - já possibilita a existência de sites que fazem busca de imagens pela web do mesmo modo como o Google o faz através de palavras.

O social é mais preocupante. Porque estamos falando de uma sociedade que está sabendo mexer com altas e refinadas tecnologias científicas e possui, ao mesmo tempo, uma mentalidade moral e psicológica da Idade Média. Uma sociedade que tem medo da palavra Corpo e do que ela implica. Que amarga centenas, milhares de anos, de repressão religiosa e regimes políticos intolerantes fazendo com que os traumas e os recalques acumulados por tanto tempo explodam continuamente. Observamos isso a todo momento e, pior, sem solução à vista. Uma sociedade que planeja e organiza ir à Marte e ainda não sabe lidar com o orgasmo feminino. Estamos no século 21 e o nu ainda é encarado com constrangimento, com falta de sentido, como provocação, como Imoralidade.

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Claudinei Vieira (São Paulo – SP) é escritor.

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