ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 RAUL BOLEDI



“Lith”, representação da condenação de Lilith
(escultura de Raul Boledi)

 

Imagine por um instante, uma sociedade que censurasse os rostos velhos, feios, deformados, desproporcionais, etc., e permitisse ver somente rostos de um determinado padrão estético, mas sempre ocultando, por exemplo, as bocas. Diríamos que essa censura é doentia. Não só pelas bocas ocultas, mas também pela perda das identidades que não se ajustam ao padrão aceito. Troque agora, rostos por corpos e bocas por sexos expostos. Doentio, né?

A visão de um corpo nu é uma fonte de informações inesgotável. Nos fala de atitudes, determinações e fraquezas, medos e desafios, temeridade e limitações. E fundamentalmente, da história desse ser humano. Cada ruga tem um depoimento a fazer. Cada músculo está falando. As expressões faciais e corporais funcionam simultaneamente, completando-se em coincidências ou contradições. O corpo funciona como uma mídia de comunicação da psique. Expressamo-nos integralmente com o corpo, usando todos os recursos que esse corpo nos proporciona.

A sociedade foi restringindo essa expressão até quase anulá-la. Posturas definidas, atitudes pré-determinadas e um padrão de estética corporal que praticamente se demonstra inumano. Proporções corporais que são manipuladas midiaticamente produzem uma dissociação entre corpo e alma, até a psique negar o corpo do indivíduo. Achar-se magro quando o corpo é gordo. Achar-se alto quando se é pequeno. Achar-se jovem quando se é velho. Achar-se de pele branca quando se é de pele escura. Negar o corpo. Negar a alma. Cobrir o corpo com “grifes”. Cobrir o corpo com mentiras. Enfim, a hipocrisia.

O nu corporal é um desafio. É uma ruptura necessária para quebrar a continuidade da hipocrisia social. As artes são o veículo dessa ruptura. Como artista, não admito renunciar à expressão integral de um corpo. Como escultor, uso a escultura de nus femininos para alavancar essa ruptura e valorizar as nuances da personalidade da mulher. Ainda pretendo ser mais ousado, pois pretendo romper gradativamente com o padrão estético aceito pela sociedade. Será a minha pequena luta.

 

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Raul Boledi (São Paulo – SP) é escultor.

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