ADEMIR DEMARCHI
"A
caça
dialética é uma
caça
mágica. Na
floresta encantada da
Linguagem, os
poetas entram
expressamente
para se
perder, se
embriagar de
extravio, buscando as
encruzilhadas de significação, os
ecos
imprevistos, os
encontros
estranhos;
não temem os
desvios,
nem as
surpresas,
nem as
trevas -
mas o
visitante
que se afana
em
perseguir a 'verdade',
em
seguir uma
via
única e
contínua,
onde
cada
elemento é o
único
que deve
tomar
para
não
perder a
pista
nem
anular a
distância percorrida, está
exposto a
não
capturar,
afinal,
senão
sua
própria
sombra.
Gigantesca, às
vezes;
mas
sempre
sombra."
Paul Valéry -
Discurso
sobre a
Estética
NIETZSCHE POR UM ÁTIMO
nietzsche
por
um
átimo
do
alto da
escarpa mirando as
pedras
encobertas
pela
névoa
mais uma
vez desgarrou-se do
mundo
e sentiu-se
pegureiro de
nuvens
pastando no
ar do
abismo
tal
como
ele, o
pastor
lá
embaixo
sentado na
grama
mas
com o
olhar
atravessando
etéreo
seus
pequenos
animais,
teve deles a
visão de serem
nuvens,
pequenas
nuvens no
pasto ôntico e
ótico
O OLHO DA PIRÂMIDE
as eternas
pirâmides do egito
no
deserto
que as cercam e cerceiam
roídas
pelo
vento desaparecerão
lá
onde os
grãos de
pó
cada
um uma
pirâmide,
um
faraó
as
fábulas de
sua
existência
circularão
entretanto
como
inventos
multiplicadas
em
cada
olho da
imaginação
SONHOS DE ÍCARO
ícaro
sonha as
asas
dos
pássaros
ele os
vê
triste
em
sua
ausência de
ambição
por
maiores
alturas
volta os
olhos
sensual
para
seus
braços
e sofre a
constância de
sua
pena
já
quase indo à
lua
já
quase indo a
marte
já
quase indo a
vênus
ABAT-JOUR PARA GOELDI
a
luz
circunspecta e
concisa
difusa
como
raiz
* * *
HOMENAGEM AO VAMPIRO
túmulo de
jade
vizinho das
virgens
e do
inferno
que arde
O HIPOGRIFO SOBRE O TÚMULO
o hipogrifo
súbito agitou as
asas
alçando
vôo de
sobre o
túmulo
em
direção ao
céu desejando-o
seu
abaixo de
seu
corpo, apontada pelas
garras
uma
imensa
cama de
lápides
vasta
manta no
horizonte
visto e
vasto
não aceita a
sina de
triste
monumento
voando
tenta libertar-se de
seu
jugo de
ornamento
determinado
em
vão
em
vôo persiste
imagem
que paira
presa
sobre
outra ampliada
imantando
todos os
túmulos num
único
espanto
O INESCRUTÁVEL CARTIER-BRESSON
numa
retrospectiva de cartier-bresson
no
museu de belas
artes de santiago
tudo
que o
diafragma viu estava
exposto
exceto a leika
exceto
ele e
seu
olho
e
também
seus
pertences de
viagem
-
afinal
com
que
um
fotógrafo viaja?
dezenas e
dezenas de
janelas expostas
para se
olhar
para
fora deste
mundo
e no
fundo,
oculto
por
um
biombo
enorme
que
só o
curioso descobre fuçando
nas
reentrâncias das
exposições
como se
escondessem uma
última
obra,
a
caixa de
madeira de pinus
amarelo
que acomoda todas as
fotos
quando viajam de
um
museu
para
outro
de 1,50 m
por 1,50 m
com os
carimbos
de
frágil ilustrados
por uma
taça
o
nome
bem
visível de cartier-bresson
e
também o da magnum,
sua
agência
negros
sobre o pinus
claro
e a
proibição
seca do
guarda
que vigiava
menos a
exposição
que o
vazio
em
volta impedindo fotografá-la
até
mesmo
para
publicar numa
revista
aquela
caixa
como a
foto
perfeita
para
ilustrar cartier-bresson
(Seleção de poemas do livro Passeios na floresta,
a ser publicado em 2008 pela Editora Éblis, de Porto Alegre.)
*
Ademir
Demarchi nasceu
em Maringá-PR em 1960 e mora em Santos, há 17
anos. Formou-se em letras e doutorou-se em literatura brasileira.Editou
a revista de poesia BABEL, que teve 6 edições
no formato livro, lançadas de 2000 a 2004, e que deve
voltar a ser publicada neste ano. É autor de Os
mortos na sala de jantar (poemas, Realejo Edições,
2007), Passeios na floresta (poemas, Editora Éblis,
2008), Do sereno que enche o Ganges (poemas, Dulcinéia
Catadora, 2008) e Passagens - antologia de poetas contemporâneos
do Paraná (Imprensa Oficial do Paraná, 2002).
Contato: ademirdemarchi@uol.com.br.
|